Jornal Estado de Minas

NOVO GOVERNO

Lula tem dificuldades para formar governo de frente ampla


Quando o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva anunciou os primeiros cinco nomes de seu ministério, na sexta-feira da semana retrasada, declarou que, “na semana que vem”, anunciaria “pelo menos o dobro” de nomes. A “semana que vem” passou, e o presidente eleito fez apenas um anúncio, e, ainda assim, para o comando de uma estatal – BNDES, que será presidido pelo ex-ministro Aloizio Mercadante (PT-SP).



A falta de definições na montagem do primeiro escalão do Executivo expõe a dificuldade de formar uma equipe que faça justiça à expressão “frente ampla”, que marcou a coligação responsável pelo suporte político da vitória de Lula tanto no primeiro quanto no segundo turno da eleição presidencial e, nas últimas semanas, está sendo reforçada por legendas como MDB, PSD e União Brasil.

Faltando menos de duas semanas para a posse, pouco foi revelado pelo presidente eleito. A expectativa, agora, é pelo reinício dos anúncios nesta semana que antecede o Natal.

Até agora, dos nomes tornados públicos pelo futuro presidente, dois são do PT – Rui Costa (Casa Civil) e Fernando Haddad (Fazenda) –, dois são ex-ministros de gestões petistas – José Mucio Monteiro (Defesa) e Mauro Vieira (Itamaraty) –, um é mais próximo de Lula do que de seu partido de filiação – Flávio Dino, ex-PCdoB, eleito senador pelo PSB) – e uma é ligada aos movimentos sociais – Margareth Menezes (cultura) –, que se auto anunciou na portaria do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde funciona o governo de transição.

Na semana que passou, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ao ser perguntada pela jornalista Mirian Leitão, da GloboNews, sobre onde está a frente ampla, pediu “calma” porque “tem muito ministério ainda para anunciar”. O redesenho da esplanada, pelo menos, foi revelado ontem, pelo novo ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa. O número de pastas ficará em 37, duas a menos que o recorde da presidente Dilma Rousseff, que chegou a ter 39.





Um número elevado, mas insuficiente para acomodar a quantidade de candidatos dos partidos aliados às vagas disponíveis. Quando esteve com Lula, há duas semanas, para apresentar as demandas do Solidariedade, o deputado Paulinho da Força deu o tom das dificuldades para transformar a frente ampla em governo de coalizão. “Talvez alguns ainda imaginem que há disputa de cargos, ‘quero isso, quero aquilo’, mas, para construir maioria, Lula vai ter que negociar com os demais partidos que não estavam na base dele nas eleições nem têm expectativa de estar agora”, disse, abrindo ainda mais o leque da governabilidade.

Tripé político 

A base que se dispõe a assegurar a governabilidade dos primeiros meses do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva pode ser dividida em três grupos: a federação PT/PCdoB/PV; os sete partidos progressistas que se uniram para caminhar com Lula no primeiro turno (PSB, Solidariedade, Pros, Avante, Agir e federação PSol/Rede) mais o PDT, que aderiu após o naufrágio da candidatura de Ciro Gomes à presidência; e os partidos de centro e centro-direita (MDB, PSD e União Brasil) que se integraram à frente ampla a partir da vitória da chapa Lula-Alckmin.

O problema é como acomodar tantas forças que divergem entre si e, também, internamente. O PT, força amplamente majoritária à esquerda, tem muita dificuldade para ceder espaços de poder. Além de protagonizar os primeiros anúncios de cargos do primeiro escalão (incluindo Aloísio Mercadante, que assumirá o BNDES), o partido se posiciona de forma pouco flexível na negociação de pastas nas quais se vê historicamente vinculado, como Desenvolvimento Social, Educação, Agricultura Familiar e Alimentação saudável (ex-Desenvolvimento Agrário) e Direitos Humanos, além dos órgãos dedicados a atender movimentos identitários, como Mulheres, Igualdade racial e Povos Originários.





O PT admite repartir algum poder com legendas aliadas da esquerda, como Meio Ambiente, que tem na ex-ministra e deputada federal eleita Marina Silva o principal nome parta ocupar o cargo. O PDT não reclamaria se retornasse ao Ministério do Trabalho. E o Ministério da Previdência também pode ficar com um aliado do campo progressista.

É na disputa pelos ministérios do Desenvolvimento Social e da Educação que o PT complica a vida de Lula na formação da equipe. Aliada desde que foi derrotada pelo adversário petista no primeiro turno, a senadora Simone Tebet era dada como certa na pasta do Desenvolvimento Social, que abriga o programa mais importante do PT: o Bolsa Família. Ela foi uma das coordenadoras do grupo correlato do gabinete de transição, conhece a situação deixada pelo atual governo de Jair Bolsonaro (PL) e já declarou que não está disposta a aceitar outra pasta. Mas o PT não a quer no cargo (e no palanque que o Bolsa Família pode dar nas próximas eleições). E Lula tem uma dívida de gratidão pelo apoio que recebeu dela no segundo turno da eleição, considerado fundamental para a apertada vitória sobre Bolsonaro.

O partido da senadora, o MDB, negocia mais duas pastas. Uma já está bem encaminhada, que é o ministério do Planejamento, ofertado por Lula ao senador eleito e ex-governador de Alagoas Renan Filho. Ele representaria a bancada emedebista no Senado. Na Câmara, o padrinho da indicação é o governador reeleito do Pará, Elder Barbalho, campeão nacional de votos em outubro e responsável pela eleição de nove deputados federais. Na mira, uma das pastas ligadas à infraestrutura. Se Tebet não for convidada ou recusar a pasta que lhe for oferecida, o MDB deve ficar com dois cargos apenas.





Para o PSD e o União Brasil, devem ser destinadas duas pastas para cada legenda, entre Agricultura, Minas e Energia, Transportes, Indústria e Comércio Exterior, Turismo, Desenvolvimento Regional e Pesca. Situação difícil se encontra o PSB, do vice eleito Geraldo Alckmin. Com um desempenho aquém do esperado nas eleições de outubro (reelegeu apenas dois governadores e reduziu as bancadas na Câmara e no Senado), o partido ambicionava três cargos, entre eles, a cobiçada cadeira de ministro das Cidades para abrigar o ex-governador Marcio França. Deve se contentar com Ciência e Tecnologia, além da pasta da Justiça, com Flávio Dino.

Pluralidade 

Nesse organograma, sobra pouco espaço para a pluralidade de raça e de gênero prometida pelo presidente Lula. Até agora, apenas dois cargos de relevo foram destinados a mulheres negras: os de ministra da Cultura, com Margareth Menezes, e de secretária-geral do Itamaraty, com Maria Laura da Rocha. Tebet ajudaria a melhorar essa relação, assim como Nísia Trindade, a conceituada presidente da Fiocruz, cotada para o Ministério da Saúde.

Na Educação, a atual governadora do Ceará, Izolda Cela, era tida como nome forte, mas acabou atropelada pela intransigência do PT em ceder a vaga. Ela, que era do PDT e é especialista em políticas públicas para educação, deverá ser substituída pelo senador eleito pelo estado, Camilo Santana (PT), a convite de Lula. Pelas indicações dos partidos até agora, a lista de pretendentes segue majoritariamente formada por homens brancos. Mas esse é outro problema que Lula terá que resolver.





Relação com militares é outro desafio

Outro desafio enfrentado pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva será a retomada de sua relação com militares, próximos ao bolsonarismo, e conter risco de insubordinação nas Forças Armadas. O cenário é agravado pela presença de apoiadores do atual presidente em frente a quartéis militares. Essas manifestações culminaram nos atos de violência em Brasília no dia 12, horas após a diplomação de Lula.

Na sexta-feira, Lula se reuniu pela primeira vez com os oficiais que deverão assumir as funções de comandantes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha. Um ponto considerado como sensível entre aliados de Lula era a ameaça de que, orientados por Bolsonaro, os atuais comandantes deixassem os cargos antes da posse. No entanto, o comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, desistiu da ideia. Aliados de Lula viram o gesto como positivo e esperam que isso garanta que a transmissão de cargo das três Forças ocorrerá em janeiro, com o petista já empossado.

Baptista Júnior é o responsável pelo início das operações de quatro unidades do caça sueco Saab Gripen E, os mais modernos da América Latina. Os aviões de combate serão apresentados hoje na sede do Grupo de Defesa Aérea de Anápolis (GO). “O início das operações é um marco, ao dotar a FAB de uma plataforma multimissão de última geração”, afirma o comandante da FAB. Ele já havia acelerado o processo de aquisição de mísseis para dar dentes aos caças, no caso os europeus Iris-T (curto alcance) e Meteor (além do campo visual do piloto).




Compra 

Os caças suecos foram comprados pelo Brasil no fim de 2013, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). O Brasil adquiriu um pacote completo, com aviões e transferência de tecnologia, além de toda a parafernália de apoio em solo – dois simuladores de voo, uma estação que emula todos os sistemas do avião, ferramentas e computadores. Já foram treinados cerca de 20 pilotos e 20 técnicos na base.

As quatro unidades que chegam nesta segunda evidenciam os riscos de tal empreitada de longo prazo. Na programação revisada da FAB, seriam seis aviões operacionais neste ano, além do caça de matrícula 4100, que chegou em 2020 e segue como modelo de testes que garantiu o chamado Certificado de Tipo Militar das Aeronáuticas brasileira e sueca. “Tivemos uma leve discrepância, mas sempre trabalhamos em sintonia com o cliente", relativizou Mikael Franzén, chefe de marketing e vendas aeronáuticas da Saab, a fabricante do Gripen. Ele diz que o prazo final de entrega dos 36 aviões iniciais está mantido para 2027, e que dois novos caças serão desembarcados no começo do ano.