Jornal Estado de Minas

INTOLERÂNCIA POLÍTICA

Boicote a empresários petistas pode configurar crime, dizem advogados

Após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), empresários e prestadores de serviço tiveram os nomes colocados em uma lista de “estabelecimentos petistas” em Juiz de Fora, na Zona da Mata Mineira. 





A lista passou a rodar grupos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) no Telegram. O objetivo dos militantes da extrema-direita é boicotar e estimular o boicote a pessoas que, supostamente, não apoiam o atual Chefe do Executivo.

Quem compartilha e fomenta a lista de supostos “estabelecimentos petistas” pode estar cometendo dois crimes, segundo advogados ouvidos pela reportagem. 

 
“O primeiro é o delito de difamação (art. 139, Código Penal), com a imputação de um fato ofensivo à reputação de alguém. O objetivo da lista é afetar negativamente a opinião de terceiros quanto à honra das vítimas. O segundo possível delito é o Crime Contra a Relação do Consumo (art. 7º da Lei nº 8.137/1990). Comete esse crime quem induz o consumidor ao erro, enganando-o quanto à natureza ou à qualidade do bem ou serviço prestado”, explicou o advogado criminalista Otávio Lacerda. 




 
Caso o divulgador da lista seja um empresário ou um prestador de serviço, pode estar cometendo um terceiro crime. 
 
“Se praticado por empresário ou profissional do mesmo ramo a criação e divulgação da lista de boicote poderá ser caracterizada como concorrência desleal (art. 195 da Lei nº 9.279/97)”, explicou o advogado e consultor jurídico Guilherme Cabral de Assis. 
 
Segundo os advogados, a forma de coibir essa prática é fazendo a denúncia junto à Polícia Civil e também buscando uma investigação junto ao Ministério Público. 
 
“No campo criminal, é possível apresentar uma queixa-crime à Justiça ou uma notícia de fato criminoso ao Ministério Público. Os delitos de difamação e de concorrência desleal são crimes de ação penal privada, então, é a vítima quem tem o direito de iniciar a ação penal. Identificado o autor do delito, a vítima pode, com ou sem o auxílio de um advogado, apresentar a queixa-crime no Juizado Especial da sua cidade. A vítima possui o prazo de seis meses para apresentar a queixa, contado a partir do descobrimento da autoria do delito. No caso do crime contra a relação de consumo, de ação penal pública, é o Ministério Público quem deve processar criminalmente”, explicou Otávio Lacerda. 




 
De acordo com Guilherme Cabral, a internet dá uma sensação de anonimato. Só que esse sentimento não condiz com a realidade, já que há formas de punir quem comete crime pelas redes sociais. 
 
“A falsa sensação de anonimato na internet favorece o cometimento desses crimes, porém também facilita a investigação, pois os dispositivos eletrônicos contam com IP’s, que são como CPF das pessoas. Dessa forma, o rastreamento do endereço IP é uma das maneiras que se utiliza para encontrar o agente . Outra forma é através de programas espiões do tipo Trojan que monitoram o conteúdo e o fluxo de comunicações”, explicou. 
 
A reportagem do Estado de Minas entrou em contato com a Polícia Civil de Juiz de Fora para saber mais informações sobre a denúncia feita pelas duas empresárias da cidade e também como seguirá a investigação deste caso. No entanto, os questionamentos não foram respondidos pelo órgão.




 

Medo

A reportagem procurou, por dias, várias pessoas que estão nesta lista. Todas elas estão com medo da exposição e de aumentar uma possível retaliação por parte dos apoiadores do atual presidente da República. 
 
“Em outros lugares do país querem colocar até uma estrela do PT na porta dos estabelecimentos”, disse uma empresária, que preferiu não se identificar. No Rio Grande do Sul, militantes da extrema-direita conversaram, em grupos, a respeito de formas de colocar símbolos do Partido dos Trabalhadores em lojas de pessoas que supostamente não apoiaram o atual presidente. A prática remeteria ao Nazismo. 
 
A reportagem descobriu que duas empresárias fizeram um Boletim de Ocorrência denunciando que o nome delas estava nesta lista de boicote. No B.O., as denunciantes narram que “não tiveram prejuízos financeiros, mas temem que possa haver algum tipo de transtorno ou retaliação contra elas e demais pessoas desta lista”. 
 
Além da lista com o nome das supostas empresas, empresários e prestadores de serviço que votaram em Lula, circulava uma mensagem dizendo: “Não compre em estabelecimento petista, seja de pequeno empresário ou de grande. Não contrate petista. Se contratou, demita”.