Funcionários de um frigorífico de Minas Gerais foram pressionados a vestir uma camiseta com o slogan e o número do presidente Jair Bolsonaro (PL) e a participar de uma conversa sobre o segundo turno das eleições. O evento foi na quinta-feira (20), durante o intervalo de almoço dos trabalhadores.
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A ação ocorreu em Betim (município da região metropolitana de Belo Horizonte) nas empresas Serradão e Frigobet, que são do mesmo grupo. A conversa contou com a participação do deputado federal bolsonarista Mauro Lopes (PP-MG).
Um empregado afirmou à reportagem que o frigorífico também prometeu doar um pernil para cada funcionário que levar o comprovante de votação na segunda-feira seguinte ao segundo turno (31) caso Bolsonaro seja reeleito. O homem preferiu não se identificar por medo de perder o emprego.
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Vídeos obtidos pela reportagem mostram os funcionários reunidos no pátio da empresa vestidos com uma camiseta verde e amarela por cima do uniforme branco. Alguns estão de touca, capacete e máscara.
Empregados relataram que a camiseta foi distribuída durante o horário de almoço.
Nela, aparece o slogan de Bolsonaro --"Brasil acima de tudo, Deus acima de todos" - e o número do presidente nas urnas.
Nos vídeos, é possível ouvir o hino nacional e um homem falando sobre o fechamento de igrejas. Em outra gravação, uma pessoa afirma que "mataram" os prefeitos de Santo André (SP) e de Campinas (SP), porque "brigam entre eles".
Os assassinatos dos ex-prefeitos Celso Daniel (PT) e Antônio da Costa Santos (PT), conhecido como Toninho do PT, são citados frequentemente por apoiadores de Bolsonaro em ataques aos adversários. As investigações não apontaram a participação de integrantes do PT nos crimes.
Outro vídeo mostra o deputado Mauro Lopes discursando do alto de uma escada. "Eu, como deputado federal, tenho trabalhado muito pelo nosso país. Sei da responsabilidade nesse momento da eleição. há 28 anos no Congresso Nacional. Passei por vários presidentes da República", diz.
"O dono convocou todo mundo"
"Tinha 2.000 pessoas lá. O dono do frigorífico colocou 2.000 camisas e convocou todo mundo. Foi uma beleza o movimento. São 81 frigoríficos no Sudeste, estão todos apoiando o Bolsonaro. Pedindo voto. Nós estamos em plena eleição", afirmou.
O deputado negou, no entanto, que ele ou o dono do frigorífico tenham prometido um pernil para os funcionários caso Bolsonaro ganhe as eleições. Durante a conversa, Lopes mudou sua versão sobre a entrega de camisetas e disse, por fim, que foi ele quem fez a doação.
"Promessa de pernil? Negativo. Eu estava lá. Não houve nada disso, não. Que bobagem é essa? A única coisa que aconteceu foi pedir voto para o Bolsonaro. Mais nada. Eles me receberam muito bem. Eu que doei as camisas", disse.
"O Ministério Público do Trabalho não tem nada a ver com isso. Eu entro em qualquer local. Peço voto no meio da rua, peço voto no frigorífico, com o catador de lixo. Peço voto para todo mundo. Eu entro em qualquer local e peço voto", afirmou o deputado.
O dono do frigorífico é o produtor rural e empresário Silvio Silveira, presidente da Afrig (Associação de Frigoríficos de Minas Gerais, Espírito Santo e Distrito Federal).
A reportagem não conseguiu contato com o responsável pelo frigorífico. A Afrig afirmou que não tinha autorização para passar o telefone de Silvio Silveira e sugeriu que ele fosse procurado em suas empresas.
A reportagem ligou para as empresas duas vezes, mas funcionários afirmaram que apenas a gerente do local tem autorização para falar e que ela não foi ao trabalho nesta sexta-feira (21).
O advogado Fernando Neisser, membro da Abradep (Academia Brasileira de direito Eleitoral e Político), vê indícios de ao menos duas ilegalidades no caso: propaganda eleitoral e coação. A legislação proíbe propaganda eleitoral nos chamados bens de uso comum, que incluem estabelecimentos privados.
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"Uma segunda ilegalidade é o crime de coação eleitoral, que é você usar do dinheiro que você tem para fazer alguém votar ou não votar em determinada pessoa. E não há dúvidas de que a relação de emprego gera essa posição de autoridade apta a configurar crime de coação eleitoral", afirma.
Chefe constrangendo funcionário
"Chefe publicamente constrangendo funcionário a manifestar apoio a um candidato não se compara a situação de um cidadão comum discutindo com outro na rua e fazendo campanha. Ainda que você não tenha ameaça explícita, essa ameaça implícita é reconhecida."
Documento do MPT (Ministério Público Trabalho) elaborado diante do aumento de casos de assédio eleitoral afirma que os empregadores não devem "realizar manifestações políticas no ambiente de trabalho e fazer referência a candidatos em instrumentos de trabalho, uniformes ou quaisquer outras vestimentas".
A diferença entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Bolsonaro em Betim foi de apenas 807 votos no primeiro turno. O petista recebeu 106.684 votos, 45,78% do total. Já Bolsonaro teve 105.877 votos, 45,43%.
Estado com o segundo maior colégio eleitoral do país, Minas Gerais se tornou o principal alvo dos dois candidatos. Os números do MPT mostram que o local lidera o número denúncias de assédio eleitoral, com praticamente 1 em cada 4 casos registrados.
O segundo estado com mais casos, Paraná, tem menos da metade: 123. 104 empresas estão envolvidas, de acordo com o MPT. Santa Catarina aparece em terceiro lugar com 113 denúncias em 95 empresas.