O ministro aposentado e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, que declarou voto em Jair Bolsonaro (PL) em agosto, descreveu como "saudosismo puro" e "arroubo de retórica que não merece o endosso dos homens de bem" a proposta do atual presidente de ampliar o número de integrantes da suprema corte do país se reeleito.
"Saudosismo puro. No regime de exceção houve o aumento para 16 (AI-2). Logo a seguir a razão imperou. Arroubo de retórica que não merece o endosso dos homens de bem. O meio justifica o fim e não o inverso", afirmou Mello à BBC News Brasil, ao ser questionado sobre a polêmica proposição de Bolsonaro. Ele disse se considerar um "arauto da resistência democrática e republicana".
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A proposta de ampliar o número de ministros do STF não é nova na política brasileira.
Durante a ditadura militar (1964-1985), por meio do Ato Institucional nº 02 (AI-2), de 27 de outubro de 1965, a composição da Suprema Corte passou de 11 para 16 integrantes — a Constituição de 24 de janeiro de 1967 confirmou esse acréscimo.
"Já chegou essa proposta para mim e eu falei que só discuto depois das eleições. Eu acho que o Supremo exerce um ativismo judicial que é ruim para o Brasil todo. O próprio Alexandre de Moraes instaura, ignora Ministério Público, ouve, investiga e condena. Nós temos aqui uma pessoa dentro do Supremo que tem todos os sintomas de um ditador. Eu fico imaginando o Alexandre de Moraes na minha cadeira. Como é que estaria o Brasil hoje em dia?", disse Bolsonaro em entrevista à revista Veja.
Ainda durante a ditadura militar, com base no Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, foram aposentados, em 16 de janeiro de 1969, três ministros do STF: Vítor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. O presidente da Corte, Gonçalves de Oliveira, renunciou em protesto. No mesmo ato, foi aposentado o general Pery Bevilacqua, ministro do Superior Tribunal Militar (STM) e considerado um liberal.
Além dos magistrados, foram cassados 32 deputados e dois senadores. Em 31 de dezembro de 1968, já haviam sido cassados, com base no AI-5, 11 políticos, incluindo o ex-governador Carlos Lacerda, da antiga UDN, um dos articuladores da derrubada do então presidente João Goulart (1961-1964).
Em fevereiro de 1969, após as cassações, o então presidente Artur da Costa e Silva editou o Ato Institucional nº 6, retornando ao formato de 11 ocupantes, dos quais dez tinham sido indicados depois do início da ditadura militar. O 11°, Luiz Otávio Galloti, era leal aos militares e tornou-se presidente do STF.
Durante o regime militar, a Corte nunca deixou de funcionar, mas houve um enfraquecimento do STF.
"Apesar da pressão constante dos militares sobre a Corte — inclusive na nomeação de novos ministros — não era interessante ao regime chegar ao ponto de fechá-lo, porque isso configuraria a ditadura na sua forma mais primitiva. Por isso, o Supremo permaneceu aberto, mas sob a extrema ingerência dos militares", diz o site do STF.
Além de André Mendonça, Bolsonaro indicou outro ministro para a corte, Kassio Nunes Marques, para o lugar de Celso de Mello, que também se aposentou.
O próximo presidente eleito, Bolsonaro ou Luiz Inácio Lula da Silva, deverá escolher mais dois ministros, uma vez que Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, indicados em governos petistas, se aposentarão.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63202816