Jornal Estado de Minas

INCÔMODO

Bolsonaro contra STF: entenda mais sobre a tripartição de poderes

Em entrevista para o programa Flow Podcast na última segunda-feira (8/8), o presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou que "o Supremo não pode ficar legislando, praticar o 'ativismo judicial'. Cada um no seu quadrado".



Essa é uma reclamação antiga do presidente que, desde 2019, vem se mostrando incomodado com decisões dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Na época, a decisão de equiparar atos preconceituosos contra homossexuais e transexuais a crimes de racismo levou Bolsonaro a se posicionar contra as decisões do Judiciário.

Para entender melhor sobre o tema, o Estado de Minas conversou sobre como funciona a tripartição do poder - Judiciário, Legislativo e Executivo - e qual é a importância dela com o ex-professor de direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Ibmec, Paulo Adyr, e com a coordenadora do curso de Direito e professora de Constitucional da UniBH, Marília Leite.

O artigo 2º da Constituição Federal de 1988, define as funções e prerrogativas dos três poderes que "são independentes e harmônicos. O que significa que eles têm que interagir entre si", afirmou o professor Paulo.



Para que serve a tripartição de poderes?

A importância desta separação,  conforme dito pela professora Marília, "é evitar a concentração de poder nas mãos de uma única pessoa ou grupo" e que esta "harmonia evita que abusos aconteçam por qualquer um deles".

No mundo não há um Executivo que apenas governa, argumentaram os juristas entrevistados. O CARF, por exemplo, é um julgamento feito pelo poder Executivo; o Legislativo tem suas comissões de inquérito; e o Judiciário cria súmulas, que geram precedentes, que, de certa forma, podem ser considerados "legislar".

"Diante do imobilismo do sistema político para atender demandas sociais, o Judiciário se vê forçado a oferecer uma resposta", destacou a professora da UniBH.

Ela prosseguiu afirmando que, em muitos casos, os integrantes do Legislativo se omitem para "não arcar com o ônus da decisão, mas também para tirar proveito do bônus da crítica" ao poder judiciário.



O STF, algumas vezes, decide uma norma no vazio da lei ou faz uma atualização da norma, seguindo mudanças sociais. É isso que tem sido chamado de "ativismo judicial" pelos outros poderes.

Por que o tema incomoda tanto o presidente?

Quando o Governo está perdendo muitos conflitos na área judicial, ele providencia uma PEC para "driblar a autoridade de um outro poder", avaliou Paulo.

Isso é a intromissão do poder Legislativo no Judiciário. E sempre sob o argumento de 'nós estamos aperfeiçoando a Constituição'

O Bolsonaro tem uma certa razão em reclamar do ativismo, afirmou Paulo Adyr, mas "a gente vê que o propósito é concentracionista. Quando ele, e os filhos, dele falam sobre fechar o supremo ou sobre aumentar o número dos ministros (proposta estudada pelo presidente em 2018) é uma forma de eliminar quem toma decisões desfavoráveis".

Homofobia como se racismo fosse

Durante o Flow Podcast, Bolsonaro repetiu a crítica de que o STF "legislou" que "homofobia deve ser tipificado como se racismo fosse".



"O STF de forma acertada criminalizou condutas homofóbicas por analogia ao crime de racismo e reconheceu a união homoafetiva", reforçou a professora Marília, indo de encontro à posição dos magistrados.

Durante a Assembleia Nacional Constituinte, em 1985, foi reconhecida a união estável entre homem e mulher. Em 2011, o STF tomou a decisão de reconhecer direitos decorrentes da união entre pessoas do mesmo sexo.

"Alguns diriam que ocorreu um 'ativismo judicial' para outros seria um mero exercício de atualização da norma, atualizando as mudanças sociais", ponderou professor Paulo.

Quando surgiu a tripartição de poderes?

Desde a Roma Antiga já existia a tripartição de poderes, informou o professor Paulo. Apesar de não poder afirmar quando surgiu, devido a não linearidade da História.



"Existia a figura do Imperador, exercendo o governo; mas também havia o Senatus, que era o órgão legislativo da época; havia também a figura dos Pretores que, entre outras coisas, também eram responsáveis por mediar conflitos", prosseguiu o professor.

Contudo, a nossa base é fortemente inspirada pelo livro 'O Espírito das Leis' (1748) de autoria do francês Charles de Montesquieu, que "lançou as bases da separação de poder".

A medida teve como origem uma França vinda de uma sucessão de governos absolutistas, despóticos e que geraram uma grande insatisfação do povo.

"A tripartição é criada para que o governo seja exercido pelo poder da lei e não com base na cabeça de um governante, mas pelos critérios legalmente estabelecidos", concluiu.