Jornal Estado de Minas

Justiça eleitoral

Compromisso das redes volta ao centro do debate

 

 

Preocupado com a influência das fake news na campanha presidencial de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem adotado uma série de medidas para controlar as redes sociais e, principalmente, os aplicativos de troca e compartilhamento de mensagens. Até o momento, as principais plataformas do país se mostraram abertas a firmarem parceria com a Corte. Por outro lado, especialistas apontam como ações mais drásticas, como o bloqueio do Telegram nesta semana, por exemplo, pode acender o risco de eleições conturbadas.





 

Na semana passada, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou o bloqueio da rede no Brasil. Na decisão, o magistrado afirmou que a plataforma  “tem sido utilizado em outras situações como meio seguro para prática de crimes graves”. A ordem de Moraes atendeu a um pedido da Polícia Federal e ocorreu após o Telegram não atender a decisões judiciais para bloqueio de perfis apontados como disseminadores de informações falsas, entre eles o do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos. Dois dias depois, no entanto, após a plataforma cumprir integralmente as decisões judiciais determinadas pela Corte dentro do prazo de 24 horas, o ministro revogou a decisão.

 

Para a pesquisadora Nina Santos, especialista em democracia digital, a ameaça de suspensão do Telegram no Brasil foi inevitável. “Parece que não sobrou outra alternativa para o STF para se afirmar como uma força legítima do estado brasileiro. Foi preciso dizer ‘nós temos autoridades nacionais e que essas autoridades precisam ser respeitadas, assim como as leis’”, observa.

 

A tendência é que a crise institucional se agrave, pois Alexandre de Moraes deverá assumir a presidência do TSE justamente durante o período de eleição. Até o momento, a Corte está nas mãos do ministro Edson Fachin – que também tem adotado uma postura mais firme diante da tensão institucional. Especialistas preveem um processo eleitoral conturbado neste ano, em que os principais desafios serão velhos conhecidos – como o ataque às urnas eletrônicas e a disseminação de notícias falsas.





 

O cientista político Leonardo Queiroz Leite, doutor em administração pública e governo pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) destaca que o mau uso das plataformas favorece ambientes digitais nocivos, que atentam contra a democracia e pode ser usado novamente como principal armas de grupos extremistas. “Isso, naturalmente, gera uma preocupação nos tribunais. E, estando em um ano de eleição, isso gera uma preocupação extra porque sabemos todos que esse tipo de instrumento virtual é usado por alguns robôs ou líderes que estão preocupados em divulgar fake news”, ressalta.

 

Lucro comprometido Em fevereiro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fechou um acordo com as principais plataformas e redes sociais para combater fake news nas eleições deste ano. Entre as medidas que serão adotadas, há a previsão da criação de um canal de denúncias no Facebook, WhatsApp e Instagram contra os disparos em massa de mensagens suspeitas de desinformação. A estratégia para combater a divulgação de notícias falsas foi firmada por Twitter, TikTok, Facebook, WhatsApp, Google, Instagram, YouTube e Kwai. O TSE ainda tenta uma negociação com o LinkedIn. À época, o Telegram ficou de fora do acordo, mas nesta semana, firmou um termo de cooperação com o TSE para combater fake news.

 

Apesar da aparente preocupação das redes com o problema, a falta de comprometimento das plataformas digitais com o combate às fake news pode ser atribuída a interesses econômicos. No caso do Telegram, a empresa se manifestou apenas quando soube do bloqueio do aplicativo no Brasil.





 

O fundador, Pavel Durov, disse que houve uma falha de comunicação entre a empresa e o STF e pediu que a Corte revogasse a ordem de suspender o uso da plataforma em território brasileiro. A preocupação é que o aplicativo é muito expressivo no país e o bloqueio representa uma enorme queda da receita da companhia. Em janeiro, o Telegram contava com 41,9 milhões de usuários ativos mensais no Brasil, tendo adquirido 1 milhão de novos usuários ativos em relação a setembro de 2021.

 

Na avaliação do professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma (EUA) Fabio de Sá e Silva, a decisão de Moraes pode soar extrema, mas é justificada, diante da negativa de cooperação. “Já a reação da plataforma ao bloqueio, pedindo desculpas pelo não atendimento de ordens anteriores e se comprometendo a indicar um representante no país, mostrou que a Justiça tem instrumentos para reduzir a desinformação política e equilibrar o jogo eleitoral”, pondera.

 

 

Artistas reagem à censura no festival

 

O ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acatou na manhã de ontem uma ação do PL, partido de Jair Bolsonaro, para proibir manifestações políticas e eleitorais no Lollapalooza, após a cantora Pabllo Vittar expor bandeira estampada com o rosto do ex-presidente Lula. O Tribunal definiu ainda uma multa de R$ 50 mil para novos casos, mas como o evento não foi intimado, os artistas que resolveram protestar após a liminar não vão pagar a punição. A decisão de Araújo foi interpretada por artistas como uma tentativa de censura às manifestações contrárias ao presidente da República – frequentes durante o Lolla e acabou impulsionando ainda mais protestos dos cantores ao longo do festival.





 

Artistas como Emicida, Djonga, Marina Sena, Marcelo D2, a banda Fresno e Lulu Santos estiveram entre aqueles que protestaram contra o presidente Jair Bolsonaro. Fresno projetou uma mensagem de “Fora Bolsonaro” no mega-telão exposto no palco e Lulu aproveitou sua participação no show da banda para protestar contra “censura” e parafrasear a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia. “Cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu”, disse. “Censura nunca mais!”, complementou o cantor.

 

Ao longo do festival houve também incentivo para que jovens tirem título de eleitor. “Vamos votar que é o único jeito da gente mudar alguma coisa”, disse a cantora Marina Sena. Pelas redes sociais a cantora Anitta se ofereceu para pagar a multa dos artistas que protestarem e ironizou a punição de R$ 50 mil imposta na decisão do juiz Raul Araújo. “50 mil? Poxa... menos uma bolsa. Fora Bolsonaro! Essa lei vale fora do país? Porque meus festivais são só internacionais”, ironizou.

 

Já o apresentador Luciano Huck comparou a liminar do TSE com o Ato Institucional de Número 5 (AI-5), período de maior repressão e censura ocorrido durante a ditadura militar. “Num festival de música, quem decide se vaia ou aplaude a opinião de um artista no palco é a plateia e não o TSE. Ou ligaram a máquina do tempo, resgataram o AI-5 e nos levaram pra 1968?”, publicou.





 

Ação na Justiça O repúdio dos artistas não foi manifestado apenas nos palcos e nas redes sociais. O rapper Marcelo D2 entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para derrubar, no Supremo Tribunal Federal (STF), a liminar do TSE. A representação foi feita através de uma procuração ao advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, intermediada pelo deputado federal e pré-candidato ao governo do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo (PSB-RJ).

 

Em nota, Kakay ressaltou a mobilização dos artistas para questionar a decisão e disse que o entendimento histórico do Tribunal Superior Eleitoral “prestigia a liberdade de expressão” e que a decisão proferida pelo ministro Raul Araújo representa “um violento ataque às livres manifestações”.

 

“Essa ilegal decisão proferida por um dos ministros do TSE não deve macular a imagem desse Superior Tribunal que, nos últimos anos, colocou-se de forma favorável à liberdade de expressão, de modo glorioso. Essa é uma decisão singular que não representa, necessariamente, o posicionamento do Tribunal. Nestes tempos de obscurantismo, o Judiciário tem sido um guardião da Constituição e das garantias individuais”, comunicou.





 

No entendimento de Araújo, as manifestações políticas de artistas no Lollapalooza são propaganda eleitoral antecipada – portanto, irregular – por apresentarem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como supostamente “mais apto” que Bolsonaro. Entretanto, na avaliação da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de São Paulo, a decisão fere “a manifestação espontânea e gratuita de ideias” e o fomento de debate público sobre as eleições.

 

“Os artigos 36 e 36-A da Lei das Eleições tratam da matéria trazendo regras bastante específicas quanto ao pedido de votos em período da pré campanha eleitoral, que não se confundem com a manifestação pública de cidadão sobre suas preferências políticas. Silenciar a voz de cidadãos com multa em valor superior à pena no caso da ocorrência da conduta, pode tolher o exercício da cidadania, limitar a difusão de ideias e empobrecer a qualidade e variedade do debate público nas mais diversas arenas da sociedade civil”, frisou.

 

Também na noite de ontem, a empresa organizadora do festival, T4F Entretenimento, recorreu da decisão do ministro Raul Araújo, do TSE, segundo informação divulgada pleo jornal “O GLOBO”. Segundo a reportagem, os advogados pediram que ele reconsidere a liminar que deu ou leve o recurso para ser analisado pelo plenário da Corte. Ainda de acordo com o jornal, a empresa organizadora entrou com recurso apesar de não ter sido notificada oficialmente já que a representação feita pelo PL junto ao TSE identificou uma empresa errada.

 

Contradição Apesar da decisão de proibir manifestações políticas no Lollapalooza, Raul Araújo tomou caminho contrário após ação semelhante do PT. Na última quarta-feira, o ministro rejeitou pedido do PT para retirada de outdoors favoráveis a Bolsonaro espalhados por Rio de Janeiro, Bahia, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina.