Jornal Estado de Minas

FAVORECIMENTO DE PASTORES

O escândalo no Ministério da Educação após áudios sobre suposto favorecimento a pastores



O ministro da Educação, Milton Ribeiro, ficou sob pressão e rumores de demissão nesta terça-feira (22/03).





A crise teve início com a divulgação de áudios obtidos pelo jornal Folha de S. Paulo, nos quais Ribeiro supostamente admitiria que o governo federal priorizaria pedidos de liberação de verba de prefeituras nas quais estariam envolvidas negociações feitas por dois pastores, Gilmar Santos e Arilton Moura. Nenhum dos dois têm cargo no governo.

No áudio, Ribeiro afirma que sua prioridade no Ministério da Educação (MEC) são as prefeituras que mais precisam e, em seguida, "todos que são amigos do pastor Gilmar". Ele explica aos prefeitos e religiosos que participaram da conversa que a prioridade foi estabelecida por uma solicitação direta do presidente Jair Bolsonaro (PL).

"Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar", disse. O ministro complementa que o pedido de apoio não é segredo e que visa a construção de igrejas.





A reportagem da Folha aponta que, segundo liderança evangélica aliada a Bolsonaro, Gilmar Santos e Arilton Moura não tem representatividade no segmento. A liderança ainda afirmou que não defendem que o ministro negocie verba por meio de pastores.

Em nota, no início da noite, o ministro negou ter operado qualquer esquema de favorecimento a pastores. Ribeiro também negou ter sido orientado pelo presidente Bolsonaro neste sentido.

"O presidente da República não pediu atendimento preferencial a ninguém, solicitou apenas que pudesse receber todos que nos procurassem, inclusive as pessoas citadas na reportagem", disse o ministro em comunicado à imprensa.

"Da mesma forma, recebo pleitos intermediados por parlamentares, governadores, prefeitos, universidades, associações públicas e privadas. Todos os pedidos são encaminhados para avaliação das respectivas áreas técnicas", declarou.





"Ressalto que não há qualquer hipótese e nenhuma previsão orçamentária que possibilite a alocação de recursos para igrejas de qualquer denominação religiosa."

Ribeiro afirmou ainda que "não há nenhuma possibilidade de o ministro determinar alocação de recursos para favorecer ou desfavorecer qualquer município ou Estado".


Bolsonaro foi citado por Ribeiro em áudio como tendo orientado a distribuição de recursos (foto: EPA)

Vania Aieta, presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-RJ e professora da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), aponta que a prática supostamente descrita pelo ministro infringe o Artigo 37 da Constituição Federal, que prevê que "a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência."

A especialista em Direito Constitucional explica que há uma margem para que os gestores escolham pessoas para determinadas funções. "Mas isso desde que as pessoas indicadas tenham um currículo condizente com a nomeação. Agora, só direcionar verbas a pessoas indicadas por pastores, ainda que essas pessoas obedeçam as condicionantes para o recebimento da verba, é 'pular' um processo das regras estabelecidas pelo MEC e pelo CNPQ ."





"Você cria uma casta de privilegiados dentro desse contexto, motivado por vetores não desejados em uma república democrática. Beneficiar apenas os amigos é uma aberração em uma democracia, fere o princípio republicano que rege a administração pública e até o estado laico, já que a motivação é religiosa."

O professor de Direito Administrativo e Financeiro na UFPR (Universidade Federal do Paraná), Rodrigo Luís Kanayama, complementa que a ação do ministro com os envolvidos, viola, além do princípio de impessoalidade, o de publicidade, já que a tal preferência não seria divulgada para toda a população.

"Pela atuação promíscua de pessoas que não integram o governo, em tese, os envolvidos podem ser punidos. O Ministério Público poderia propor uma ação, inclusive com base na lei em improbidade administrativa. Para o presidente Jair Bolsonaro, pode haver investigação avaliar a responsabilidade."





Na opinião do professor, o governo tem criado um histórico de falta de transparência na alocação de recursos. "Como no chamado 'orçamento secreto', está se tornando uma prática não fazer esforço para a publicidade de verbas públicas. É essencial que todo gasto seja transparente", avalia Kanayama.

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