Jornal Estado de Minas

ELEIÇÕES 2022

Com forte influência política, Evangélicos são um pote de ouro nas eleições

Na corrida pela disputa ao cargo de presidente da República nas eleições de 2022, existe uma outra competição, mais segmentada, mas com alto impacto no resultado final: qual pré-candidato conquistará a simpatia da maioria do eleitorado evangélico no ano que vem? Dos mais de 210 milhões de brasileiros, esse segmento representa aproximadamente 30% da população, segundo o “Datafolha. Em 2018, na última escolha presidencial, em meio a um cenário de crises, principalmente relacionada à moral política, que levou aos eleitores buscarem alternativas “fora do sistema” e anticorrupção, esse eleitorado foi responsável por 70% da aprovação de Jair Bolsonaro (PL), um candidato conservador e da extrema direita.





O presidente continuou a nutrir a fidelidade do segmento. A mais recente tacada de Bolsonaro nessa direção foi o episódio de posse do “terrivelmente evangélico” André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, a aprovação, quase unânime, de Bolsonaro em 2018 tem sido ameaçada para 2022. Investidas de outros candidatos que brigam pelo mesmo público nas urnas têm surtido efeito. Uma das comprovações nessa perda de público foi informada na pesquisa do “Datafolha”, publicada no último dia 20. Lula (PT) apareceu como o melhor presidente que o Brasil já teve, na opinião de 43% dos evangélicos, enquanto Bolsonaro ficou com 19%.

“O que acontece é que antes o então deputado Jair Bolsonaro tinha promessas, tinha promessas de como evitar essas crises naquele momento em que ele não podia se responsabilizar por elas, ele era um deputado. Agora ele é o presidente, que foi responsável pela gestão dos últimos anos. Então o voto também é de avaliação do governo, sempre tem uma camada enorme de avaliação do governo. Então é um presidente avaliado pelo seu governo, não é só o então deputado Bolsonaro fazendo promessas”, avaliou Ana Carolina Evangelista, cientista política e diretora do Instituto de Estudos da Religião (Iser).

O cenário eleitoral mudou drasticamente em três anos. O próximo presidente virá com o desafio de “consertar” um Brasil pós-pandêmico, no qual 19 milhões de pessoas passam fome, entre elas 55% das famílias estão em insegurança alimentar, onde um a cada quatro brasileiros passou a viver abaixo da linha da pobreza no ano passado – esse número subiria se não fosse a ajuda de auxílios governamentais –, com um Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 9,68% nos preços, que impacta principalmente nos alimentos consumidos pelos cidadãos de baixa renda.





Segundo Evangelista, o olhar sobre o eleitorado evangélico, no próximo ano, não pode ser somente sob o aspecto da fé ou da defesa da agenda conservadora, mas um ponto que é comum a essa população são as respostas dos pré-candidatos às demandas de uma população que busca por dignidade.

“Será uma eleição sobre demandas da população mínimas de sobrevivência. É sobre o combate à fome, acesso a emprego, acesso a renda, acesso a moradia e se a gente olha o perfil da população deste grupo (evangélicos), aí a gente está falando principalmente de uma eleição de diálogo, de priorização da classe mais empobrecida – na faixa de até dois, cinco salários mínimos”, afirmou a cientista política. “Se a gente olha, 51% do eleitorado brasileiro é de baixa renda e os números mostram que esse eleitorado está demandando respostas para crises que só se aprofundaram no Brasil. Isso tem uma correspondência e atinge também o segmento evangélico”, acrescentou.

De acordo com ela, o maior “recorte dos evangélicos no Brasil é uma maioria negra, feminina, de baixa renda, líderes de família e de regiões periféricas urbanas”. Portanto, “antes de serem evangélicas, antes de se preocuparem com a tal agenda moral ou a falácia da ideologia de gênero propagada nas escolas, as mães evangélicas querem seus filhos dentro da escola, querem um emprego, tem três trabalhos ao mesmo tempo para sustentar as suas casas, elas têm que colocar comida na mesa, tem que comprar um botijão de gás que agora custa cinco vezes o preço. Antes de serem evangélicas, preocupadas com a agenda moral, elas cuidam das suas famílias, vão votar a partir desse cenário político”, explicou.




Aproximação

Lula está atento a isso. No jantar, produzido pelo Grupo Prerrogativas, que tornou público as articulações entre o candidato do PT e Alckmin (Sem Partido) como uma chapa para o pleito do ano que vem houve também espaço para a campanha “Tem Gente com Fome”. O projeto, coordenado pelo grupo Coalizão Negra por Direitos, que está em atividade desde março do ano passado, tinha como objetivo, nesta ação, arrecadar o valor para entregar 223 mil cestas básicas para famílias carentes, no intuito de promover um Natal digno.

Sem mencionar religião, a prioridade da Coalizão tem sido levar alimentos às mães negras e famílias que recebem o auxílio emergencial em 18 estados e no Distrito Federal, mas dessa vez a organização começaria a distribuição pelo Norte e Nordeste. Uma semana antes do evento, a ação do jantar de confraternização política angariou um valor superior a R$ 200 mil.

Nessa conjuntura, chegará na frente da disputa presidencial a figura que investir em uma comunicação direta com a população de mais vulnerabilidade social. Essa fatia do eleitorado evangélico buscará, no ano que vem, o candidato que traga propostas para o enfrentamento da crise da pobreza no país. Geter Borges de Souza, um dos coordenadores do núcleo evangélico do PT, explicou que a meta de Lula é “fazer mais do que fez nos governos anteriores”. “O desafio é trazer mais emprego e desenvolvimento pro país, por isso tem feito um convite à população que queira se engajar”.





No dia 27 de novembro, Lula participou de um encontro nacional virtual, que reuniu 800 evangélicos, entre pastores e fiéis. Ao lado da ex-governadora do Rio de Janeiro e evangélica, Benedita da Silva (PT) e sem a presença de representatividades nacionais do segmento, Lula creditou sua chegada na presidência “à mão de Deus”. Além de lembrar aos participantes que “governou para todos”. O tema central do ex-presidente para o plano de governo tem sido, segundo Geter, o combate à fome. “Os evangélicos passam fome, querem comer e querem que o PT volte com o programa fome zero, geração de emprego e renda”, detalhou.

Apoio 

Exatamente dez dias antes do encontro realizado pelo candidato de esquerda, o seu adversário principal, Bolsonaro, conseguiu realizar um dos seus trunfos. A pose de André Mendonça no STF mostrou aos evangélicos que, com ele, é possível ocupar todos os espaços de poder. A importância disso está diretamente relacionada a uma agenda mais elitizada do segmento, cujo desejo é que questões mais conservadoras, julgadas em última instância, possam ser analisadas por alguém que congregue a mesma crença religiosa. Cezinha de Madureira (PSD-SP), apoiador do presidente na Câmara dos Deputados, vice-presidente da Frente Parlamentar Evangélica e pastor da Assembleia de Deus, Ministério De Madureira, confirmou a tese.

O deputado avaliou que o desempenho de seu aliado com o público evangélico continua em alta. “Para as pautas mais conservadoras ele tem tido muita coragem, pega os dois anos de pandemia, nos quais os governadores seguiram João Doria, que virou ditador, fechando templos. (Bolsonaro) Já tinha (apoio) e consolidou um pouco mais agora com o cumprimento da palavra com o André Mendonça. Classifico, hoje, com a pacificação muito grande, de 80 a 90% (do eleitorado) com o Bolsonaro”, apostou.





O culto de ação de graças, realizado em seguida ao empossamento, em uma igreja com capacidade para quatro mil pessoas, que estava cheia de fiéis da periferia e Entorno do Distrito Federal, foi uma demonstração pública da conquista. Carol definiu a ocasião de apoio a Bolsonaro com um comportamento que tem se tornado comum entre os evangélicos. “São espaços institucionais que querem ter influência na política, como qualquer outro grupo de interesse souberam se organizar dentro do sistema político brasileiro. Desde a Constituinte de 86 elegem os chamados candidatos oficiais das igrejas, tendo uma entrada mais sistemática na política. Isso tem crescido em um estouro e eu não vejo porque arrefecer. Continuarão fazendo isso, com aliados, inclusive, do campo não religioso. Isso que é importante”, detalhou a cientista política.

audima