Jornal Estado de Minas

CPI DA COVID

Dois senadores com ideais diferentes, mas com objetivos comuns

Foco dos olhares dos brasileiros nos últimos seis meses, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID foi marcada por intensas brigas, confusões e inúmeras revelações que impactaram a percepção dos brasileiros sobre o combate à pandemia de COVID-19.



Entre contratos falsos, superfaturamento de vacinas, interferências dentro do Ministério da Saúde, uso de remédios sem eficácia e até mesmo experimentos não autorizados, a CPI revelou também novos nomes da política. Mergulhados na intensidade das sessões, senadores ficaram sem dormir analisando papéis, se transformando em verdadeiros investigadores.

Antes conhecidos por uma base eleitoral em seus respectivos estados, Eduardo Girão (Podemos-CE) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) acabaram levando um pedaço do Nordeste para a comissão e ganhando novos seguidores em todas as cinco regiões do Brasil.

O Estado de Minas conversou com os dois senadores, que, além de participarem de quase todas as sessões no Senado, compartilham ideias muito diferentes sobre o relatório final do senador Renan Calheiros (MDB-AL). Girão se declara independente, mas acabou tendo uma postura mais alinhada ao governo federal na CPI.



Nas sessões, ele pediu intensamente para que a comissão não investigasse apenas o governo Bolsonaro (sem partido), mas também estados e municípios, priorizando o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste.

O parlamentar avalia que a CPI acabou perdendo o sentido após ter focado apenas nas ações do governo federal e, segundo ele, deixado de ouvir opiniões diversas sobre os intensos debates. Girão chegou até mesmo apresentar um relatório em separado, que pedia o indiciamento do diretor do Consórcio Nordeste, Carlos Gabbas.

“Tivemos uma CPI com viés politiqueiro avançando o calendário do ano que vem. Virou um verdadeiro Fla x Flu. Ou você é governo ou é contra o governo. Você imagina, como é difícil para mim, que tenho essa posição de imparcialidade, me posicionar dentro disso. Por isso, optei por fazer um relatório equilibrado, onde critico Bolsonaro por não usar máscaras, provocar aglomerações e fazer declarações mentirosas, mas também cito a importância da investigação das verbas federais destinadas aos estados e municípios”, diz.





Para o senador, a CPI deixará de legado inúmeros escândalos. “A CPI tinha a obrigação moral para se aprofundar nas investigações. Eu apresentei 106 requerimentos e a metade nem ao menos foi votada”, conta. 

Questionado se não ter focado na investigação de estados e municípios foi o maior erro da CPI, Girão aponta que senadores agiram como verdadeiros justiceiros. Ele diz que o Brasil precisava de líderes e que, na maioria das vezes, sentiu um conflito de interesses entre senadores e seus respectivos estados.

Já Alessandro Vieira, que acabou ganhando destaque pela sua postura dentro da CPI, acredita que o relatório de Renan Calheiros é uma consequência dos atos cometidos pelo governo durante a pandemia. Ele diz que apesar da falta de um corpo técnico, o relatório final foi bem executado.



“Os resultados da CPI da COVID têm impacto político, não tenho dúvida. Mas, no universo de problemas que o Brasil enfrenta agora, não será a CPI que definirá candidatos, vitórias ou derrotas. Será só mais um passo da história para mostrar aos brasileiros quem é Jair Bolsonaro e seu grupo de seguidores”, conta.

Ele acredita que o que influenciou na imagem de Bolsonaro e sua família não é a CPI em si, mas, sim, os fatos revelados pela comissão. “Quanto mais o brasileiro conhece a família Bolsonaro, menos ele se sente confortável e representado por essa turma”, analisa.
 
Eduardo Girão (Podemos-SE), senador: "É muito difícil entrar em um ambiente como esse e ser imparcial. Tinha gente lá que me chamava de bolsonarista e tinha bolsonarista que me chamava de oposição. É um negócio meio louco" (foto: LEOPOLDO SILVA/AGÊNCIA SENADO)


Sono perdido para compensar trabalho


A CPI da COVID colheu mais de 50 depoimentos e teve mais de 60 reuniões marcadas por intensos embates. A rotina dos parlamentares, que além de participar das reuniões, precisaram estudar, investigar, analisar contratos e se preparar para sessões, foi marcada por insônias e, muitas vezes, falta de refeições.



A comissão da pandemia foi a primeira da carreira dos senadores Eduardo Girão (Podemos-CE) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

Girão conta que estar em uma CPI foi um enorme aprendizado. Apesar da falta de sono e dos fins de semana passados dentro do Senado, ele relata que a experiência de estar no foco dos olhares brasileiros foi um exercício de muita paciência.

“O momento mais emblemático foi o dia em que os médicos contra os argumentos da CPI foram depor. Esse dia foi marcante, porque todos eles (senadores da oposição) levantaram e deram as costas. Eu tive um sentimento grande de injustiça. Enxerguei algo grotesco e injusto”, conta.

Vieira diz que também perdeu noites de sono investigando os papéis e procurando lacunas nos contratos. “A rotina na CPI ao longo desses meses foi bastante puxada pela quantidade de documentos e pela seriedade dos fatos. E, sim, isso acabou representando muitas vezes menos horas de sono e atrapalhou um bocadinho a hora do almoço. Mas o importante foi fazer o trabalho e fazer bem-feito até o final”, disse.





Para o senador, garantir que a CPI trouxesse resultados foi sua prioridade nos últimos meses. Alessandro foi delegado da Polícia Civil e, por isso, um dos senadores mais preparados para lidar com as investigações. “É importante para mim, que sou um profissional que trabalhou muito tempo com investigações e relatórios, garantir que a gente tivesse uma qualidade no produto final. E acho que isso a gente conseguiu garantir.”

REDES SOCIAIS

Mais assistida da história do país, a CPI da COVID acabou sendo holofote para os senadores, o que trouxe consequências nas redes sociais. Os parlamentares, que antes eram conhecidos por uma pequena base estadual, viram curtidas, seguidores e compartilhamentos crescendo cada vez mais.

Alvo de memes nas redes sociais e de questionamentos de todos os lados, o senador Eduardo Girão conta que se sentiu pressionado por seus seguidores. Por ter uma postura imparcial, ele recebeu ataques de apoiadores do presidente e da oposição.





“É muito difícil você entrar em um ambiente como esse e ser imparcial. Tinha gente lá que me chamava de bolsonarista e tinha bolsonarista que me chamava de oposição. É um negócio meio louco”, explica.

“O sentido disso tudo é a separação do joio e do trigo. Acredito que as pessoas perceberam as votações. Exemplo: eu votei por quase todas as convocações do governo federal. E fica clara minha posição de independência”, avalia.

Da noite para o dia, os senadores, que antes compartilhavam seu dia a dia no Congresso, precisaram se readaptar para também receber denúncias e contribuições dos cidadãos para auxiliar a investigação. Questionado sobre o assunto, o senador Alessandro Vieira destaca a importância dos seguidores para a CPI.



“As redes sociais são, ao mesmo tempo, um foco de preocupação quando servem como disseminação de notícias falsas, mas também, um grande mecanismo de acesso e diálogo entre o parlamentar e sua base”, disse. 

“Essa base é formada pelas pessoas comuns, que nessa CPI tiveram a sensação de ser reconhecidas. Várias pessoas foram citadas no relatório final e isso é muito importante”, afirma.

Defesa da terceira via para 2022

Apesar de terem posicionamentos políticos divergentes, os senadores Eduardo Girão (Podemos-CE) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) compartilham de outro mesmo ideal, além da CPI para investigar ações contra a pandemia: ambos não querem a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao poder.



O Brasil vive, neste momento, uma polarização política entre o petista e o presidente Jair Bolsonaro. Para Girão, a terceira via precisa ser debatida. Ele conta que a polarização, além de chegar no âmbito político, no Congresso Nacional, também separou famílias.

“A CPI, com toda certeza, é um espelho da sociedade. Eu acho que o que a gente viu é o retrato das famílias, é uma divisão. Nós precisamos de mais diálogo. Eu acredito que a esquerda se apropriou da igualdade e a direita da liberdade, mas acabaram esquecendo a fraternidade”, diz.

Por outro lado, Alessandro Vieira é pré-candidato à Presidência da República. O senador diz procurar um meio-termo e temer que Bolsonaro volte ao poder, assim como Lula.

“Sou pré-candidato à Presidência com a expectativa de preencher uma lacuna. Eu defendo bandeiras que não vejo serem defendidas por outros candidatos. Por exemplo: o combate à corrupção, redução da desigualdade, e responsabilidade fiscal alinhada com uma responsabilidade social. Minha presença garante que se fale sobre esses assuntos. Se, no final, eu vou estar na chapa ou não, não é importante. O importante é que as ideias estejam lá”, afirma.





O nome de Vieira é apontado como um dos favoritos da terceira via, que deve ser disputada por Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Rodrigo Pacheco (PSD), Luis Henrique Mandetta (DEM) e o ex-juiz Sergio Moro (sem partido). Contestado sobre o assunto, Vieira diz não acreditar ser favorito no momento porque a terceira via ainda está em construção e depende da vontade e da compreensão do espírito político para uma renovação.

“Eu não me sinto contemplado com a volta do Lula, nem com a permanência de Bolsonaro. E como qualquer cidadão brasileiro responsável, tenho a obrigação e o dever de apresentar alternativas, e é isso que eu vou fazer até o dia da eleição”, considera.

Questionado sobre uma possível candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, Vieira afirma ser admirador do parlamentar do PSD. “O senador Pacheco mudou de partido recentemente e ocupa a presidência do Senado. É um senador jovem, capacitado, e espero que ele venha participar da construção da terceira via, que será feita nos moldes e do jeito que o eleitor quiser. Nenhuma construção de laboratório vai adiante se o povo não quiser.”

Ao falar sobre o estado, Vieira comparou os problemas vividos pelo Norte de Minas com os já evidenciados no Nordeste. “Minas é um estado fundamental para quem pensa em salvar o Brasil deste atraso em que nós vivemos”, finalizou.






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