Jornal Estado de Minas

MOBILIZAÇÃO

Segundo manifesto dos mineiros buscou inspiração em movimento de 1943


Uma tentativa de reescrever a história do presente, mas com volta ao passado. Lideranças empresariais de Minas Gerais lançaram ao longo da semana um manifesto em que criticam a falta de harmonia entre os três poderes e o surgimento de atos antidemocráticos, com rejeição à ruptura pelas armas. A inspiração na busca pela retomada da democracia vem de um movimento que ocorreu quase oito décadas e teve a participação de intelectuais do período. O Manifesto dos Mineiros lançado em 1943, contra a ditadura de Getúlio Vargas, ganhou repercussão em todo o país e se tornou um marco na época que a nação enfrentava os últimos anos da Segunda Guerra Mundial.




 
 
O documento criado pelos participantes nos anos 1940 contou com um total de 92 assinaturas, número bem inferior aos mais de 200 empresários que criaram o manifesto que critica, entre outros temas, a postura do presidente Jair Bolsonaro no Planalto. Em 1943, o alvo era Getúlio Vargas, que seis anos antes começou a governar o Brasil no regime do Estado Novo.

Se o atual manifesto teve a participação de grandes empresários de vários setores, coordenados pela Associação Comercial e Empresarial de Minas Gerais (AC Minas), a iniciativa dos anos 1940 contou com o apoio de nomes que compunham a ala intelectual e política da época, como Virgílio de Melo Franco, Afonso Arinos de Melo Franco, Pedro Aleixo, Arthur Bernardes, Adauto Lúcio Cardoso e Alaor Prata, além de Milton Campos, que assumiria o governo de Minas Gerais a partir de março de 1947. Ainda que não tivessem sofrido perseguições violentas na ditadura, os profissionais liberais ficaram revoltados por não opinar sobre assuntos importantes no Brasil, como a política externa.

A influência da Segunda Guerra Mundial se tornou marcante para o grupo ter a ideia de protestar no Brasil contra Getúlio Vargas e pedir a volta do regime democrático.
 
“O Brasil havia entrado no meio da Segunda Guerra Mundial ao lado de Estados Unidos e União Soviética. E a ditadura Vargas se colocou numa situação contraditória politicamente. É uma ditadura de direita, conversadora e anti-esquerdista, mas se uniu aos aliados em nome da democracia e contra o fascismo. Logo, os mineiros fizeram uma manifestação pública fazendo reivindicação sutil pelo retorno da democracia”, explica o pesquisador e professor de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rodrigo Patto Sá Motta, que publicou, ao lado da também pesquisadora Cláudia Viscari, o artigo A História Política de Minas Gerais, inserida no livro “Minas, a mineiridade e o quadro político nacional”.





Num primeiro momento, foram tirados 50 mil exemplares do manifesto, que foram impressos clandestinamente em uma gráfica de Barbacena. Eles foram distribuídos de mão em mão ou jogados por baixo das portas das residências, em virtude da censura à imprensa no Estado Novo. Sua importância decorreu do fato de ter sido a primeira manifestação aberta contra a ditadura de Vargas, que outorgou a Constituição anos antes e fechou o Congresso Nacional.

Motta afirma que o Manifesto de 1943 não teria ocorrido sem o contexto histórico da época: “Essa situação global da Segunda Guerra tem um impacto enorme, porque era evidente que o regime político teria dificuldade para continuar no poder depois. O Vargas havia feito aliança com os Estados Unidos, um país liberal e contrário aos regimes corporativistas. Sem a Segunda Guerra, seria difícil imaginar a elaboração do manifesto”.

UDN


O manifesto contra Getúlio Vargas foi tão emblemático que vários intelectuais que participaram do movimento posteriormente fundaram em 1945 a União Democrática Nacional (UDN), partido que se tornaria célebre pela forte oposição ao presidente.




 
Magalhães Pinto e Milton Campos, que seriam governadores, e o próprio Virgílio Melo Franco se juntaram ao grupo de Carlos Lacerda para criar uma legenda que defendesse ideais de centro-direita e cujo objetivo era livrar o Brasil do comunismo – a UDN seria novamente forte oposição no segundo governo de Vargas, entre 1951 e 1954.

Motta diz que houve certa controvérsia com relação ao objetivo do manifesto de 1943 e à tentativa de se estabelecer uma nova ideologia política para o Brasil: “Não havia nada de democrático. Eles defendiam a um Estado liberal, em que houvesse eleições, mas não era democrático. Por outro lado, alguns dos que apoiaram o manifesto não tinham apoiado o golpe de 1937. Não era hipocrisia”.

Ciente do manifesto em Minas Gerais, o governo brasileiro partiu para o contra-ataque. Apesar de não sofrer perseguições policiais, os envolvidos perderam prestígio: “Alguns que assinaram o manifesto sofreram perseguições e perderam empregos e negócios. Mas foi um marco de um grupo de intelectuais, profissionais liberais e políticos que é lembrado até hoje”, conta Motta

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