Jornal Estado de Minas

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CPI dos Fura-fila tem bate-boca após menção a deputado vítima da COVID

A reunião desta terça-feira (4/5) da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Fura-fila, criada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, foi marcada por acirrado debate entre parlamentares.

Durante os encontros, o caso do deputado estadual Luiz Humberto Carneiro (PSDB), morto por causa do coronavírus em 17 de abril deste ano, tem sido recorrentemente citado. Colegas do tucano creem que ele pode ter sido prejudicado pelo cronograma de vacinação.



A avaliação de deputados é que, se o processo de imunização fosse feito de modo mais ágil, pessoas poderiam ter sido salvas.

E, enquanto a CPI colhia outro depoimento para dar continuidade à apuração sobre a possível vacinação irregular de servidores da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), o caso de Luiz Humberto voltou à tona.


O deputado Guilherme da Cunha (Novo) (foto: Luiz Santana/ALMG)


Correligionário do governador Romeu Zema, Guilherme da Cunha (Novo) discordou das reiteradas menções ao ex-deputado. 



“Não há, absolutamente, relação nenhuma entre o triste episódio envolvendo nosso colega Luiz Humberto – professor, mentor e grande amigo para mim – com a vacinação ocorrida na SES-MG. Parece-me que há reiterada utilização do nome dele, em que pese provoque uma justa sensibilização em todos nós, pela proximidade que tínhamos e admiração que temos. Ela é absolutamente inadequada diante do cronograma dos fatos”, disse.

A fala irritou o presidente da CPI, João Vítor Xavier (Cidadania), que subiu o tom para rebater o colega. Ele tem sido um dos deputados que, constantemente, cita o caso de Luiz Humberto Carneiro.

O presidente da CPI dos Fura-fila, deputado João Vítor Xavier (Cidadania) (foto: Leandro Couri/EM/D.)


“A vacina, caso tivesse chegado ao deputado Luiz Humberto, poderia, sim, ter salvo a vida dele. O deputado tinha 67 anos. Faltavam poucos dias para que pudesse se vacinar quando contraiu a COVID-19. É uma canalhice sem tamanho querer deturpar a fala deste deputado. É uma canalhice. Não tem outro termo que eu possa utilizar”, afirmou.

Luiz Humberto Carneiro foi hospitalizado em 10 de fevereiro, em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Após cerca de dois meses internado, passando por uma unidade de terapia intensiva, sucumbiu ao vírus no mês passado.

“A vacinação na SES-MG teve início em 19 de fevereiro. Posterior, portanto, ao diagnóstico de COVID-19 e internação do colega Luiz Humberto”, alegou Guilherme da Cunha.



A data fornecida pelo deputado do Novo, contudo, foi questionada por Cássio Soares (PSD), relator da CPI.

“A vacinação indevida na secretaria de Saúde começou em 19 de janeiro. Ou seja: anteriormente à data que vossa excelência tem em mente. O fato de ter lembrado da questão do deputado Luiz Humberto é apenas uma questão simbólica, considerando que tantas outras vítimas perderam suas vidas — e não teriam perdido caso a vacinação chegasse”.

João Vítor diz que governo desrespeitou Luiz Humberto

Por alguns minutos, os parlamentares seguiram debatendo em torno da memória de Luiz Humberto Carneiro. O tucano foi líder do governo Zema entre fevereiro de 2019 e março de 2020. João Vítor Xavier lembrou a renúncia do colega ao posto.

“O deputado Luiz Humberto teve um dos maiores desgostos da vida dele quando foi desrespeitado pelo governo do qual o seu partido é responsável, sendo tirado pela porta dos fundos da liderança de governo nesta Casa. Uma das páginas mais infelizes da história recente deste Parlamento. Se alguém falta com respeito ao deputado Luiz Humberto, e há muito tempo, não é este deputado. É o governo do qual o senhor faz parte”, disparou.



A declaração foi contestada por Guilherme da Cunha, que disse que Luiz Humberto escolheu se retirar do cargo. Apesar de concordar com o colega, João Vítor explicou que o tucano contou, reservadamente, que motivos não publicizados o levaram a tomar a decisão.

O Estado de Minas procurou o Palácio Tiradentes para repercutir as declarações acerca da saída de Luiz Humberto Carneiro da liderança de Zema.


O governo do estado informou à reportagem que eventuais comentários sobre o tema seriam feitos pela liderança de Zema na Assembleia. Procurado, o bloco que dá sustentação ao Executivo no Parlamento optou por não comentar o imbróglio desta terça. A coalizão ligada à base do governo, aliás, leva o nome de Luiz Humberto

"O Bloco Luiz Humberto Carneiro informa que não irá comentar este triste episódio, ocorrido nesta terça-feira(04/05). E deixamos registrado que mais que o nome do nosso eterno líder, nosso compromisso é também honrar seu legado de temperança, bom senso e da política maior. As divergências respeitosas fazem parte da política e da vida, sobre elas estaremos sempre à disposição para o bom debate", lê-se no comunicado enviado ao EM.

 

Matéria atualizada às 20h16 desta terça (4), com o posicionamento oficial da base aliada ao governo Zema na ALMG. 

O que é uma CPI?

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.





Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).

Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.

O que a CPI dos fura-fila investiga?

Criada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em 11 de março de 2021, a CPI dos fura-fila apura possíveis irregularidades na aplicação de vacinas contra a COVID-19 em servidores da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) que não atuam na linha de frente do setor. A comissão se debruça, ainda, sobre o montante de recursos aplicados pelo governo nas ações de combate à pandemia.




Lista de servidores públicos mineiros que furaram a fila de vacinação 

Na Assembleia de Minas, as CPIs podem funcionar por 120 dias. Posteriormente, é possível prorrogar os trabalhos por mais 60 dias. O presidente é João Vítor Xavier (Cidadania); a relatoria está a cargo de Cássio Soares (PSD).


Saiba como funciona uma CPI

Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.

Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos. 





Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.

Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.

As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares.

O que uma CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
  • executar prisões em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • Ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
  • quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
  • solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
  • elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
  • pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que uma CPI não pode fazer?

Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telefônicos
  • solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreensões em domicílios
  • impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
  • documentos relativos à CPI
  • determinar a apreensão de passaportes

A história das CPIs no Brasil

A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.





Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.

As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.

CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União

2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores

2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores

2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal

2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo

2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro

2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde

2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo

2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014

2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018

2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão
 





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