Jornal Estado de Minas

JUSTIÇA

Dois ministros do STF já se manifestaram contra imposto zero para armas

Brasília – O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu ontem o julgamento sobre a resolução do governo Jair Bolsonaro para zerar a alíquota sobre importação de revólveres e pistolas. Um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Alexandre de Moraes tirou o processo do plenário virtual – ferramenta que permite aos ministros analisarem os casos e incluir os votos no sistema digital sem a necessidade de reunião física ou por videoconferência. Não há data para a retomada da discussão.





Antes da suspensão, os ministros Edson Fachin, relator do caso, e Luís Roberto Barroso chegaram a juntar os votos no sistema. Ambos se manifestaram pela derrubada da medida. Fachin já havia sinalizado o posicionamento em dezembro, quando concedeu uma liminar para suspender os efeitos da resolução. Em seu voto, o relator afirmou ver 'extrema gravidade' na mudança e concluiu que, pelo potencial de aumentar a circulação de armas de fogo, a desoneração viola os direito à vida e à segurança.

"O dever estatal concernente à segurança pública não é exercido de forma aleatória, mas através de instituições permanentes e, idealmente, segundo uma política criminal, com objetivos de curto, médio e longo prazo, suficientemente flexível para responder às circunstâncias cambiantes de cada momento histórico", registrou.

Barroso, que assim como Alexandre de Moraes havia travado o julgamento ao pedir vista, liberou a ação na semana passada e decidiu acompanhar o relator. Ele considerou o dispositivo inconstitucional por três razões principais: risco para a segurança pública, risco para a estabilidade democrática e falta de razoabilidade na renúncia tributária em um momento de crise fiscal causada pela pandemia do novo coronavírus. A resolução é questionada no Supremo pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). O texto foi assinado em dezembro pelo Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex) e zerava a alíquota sobre armas importadas, hoje fixada em 20%. A medida entraria em vigor no mês passado, mas foi suspensa pela liminar de Fachin.





Lobistas e empresários de armas e munições têm presença assídua nos gabinetes do governo de Bolsonaro – entre janeiro a abril de 2020, foram ao menos 73 audiências e reuniões com representantes do setor.

Direitos da criança 


Ainda ontem, o Supremo Tribunal Federal formou maioria para derrubar trechos do decreto do presidente Jair Bolsonaro que esvazia o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). A proposta foi assinada pelo Planalto em 2019 e questionada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em um dos últimos atos da gestão de Raquel Dodge, em setembro daquele ano. As alterações foram suspensas liminarmente pelo ministro Luís Roberto Barroso, que apontou risco de o colegiado se tornar 'chapa-branca', e validadas nesta semana por mais cinco integrantes do tribunal.

Até o momento, apenas o ministro Marco Aurélio Mello, decano do Supremo, abriu divergência e votou para manter as mudanças propostas por Bolsonaro no Conanda. Para o ministro, uma interferência do Supremo no caso poderia levar à supressão das atribuições do presidente, a quem cabe promover mudanças nos colegiados. Criado em 1991, o Conanda tem entre suas atribuições a elaboração e fiscalização de normas gerais de política nacional para atendimento de crianças e adolescentes. O colegiado também é responsável por gerir o Fundo Nacional da Criança e do Adolescente (FNCA).





A mudança promovida por Bolsonaro levaria à destituição dos conselheiros atuais, à redução do número de representantes do colegiado (de 28 para 18), à vedação à recondução ao cargo e alterações na forma de escolha dos integrantes do conselho. Hoje eleitos por assembleias, os integrantes do colegiado passariam a ser escolhidos a partir de um edital que seria formulado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves. Além disso, o decreto de Bolsonaro também deixava nas mãos do presidente da República o ato de designar o presidente do Conanda, hoje escolhido por seus pares em eleição interna.

Por maioria, o Supremo apontou que essas mudanças são inconstitucionais e ferem a participação democrática da sociedade no conselho. O entendimento formado pelo ministro Luís Roberto Barroso e seguido por mais cinco integrantes do tribunal prevê a manutenção dos mandatos dos conselheiros até o final dos seus termos, a eleição de representantes por assembleias e a escolha do presidente do colegiado por seus pares, e não pelo presidente da República.

O ministro Barroso pontuou em seu voto que as mudanças que Bolsonaro desejava realizar no Conanda acabariam por conferir ao Executivo o controle da composição e das decisões do conselho, esvaziando a sua função de órgão de controle. "Com base nessas normas, abriu-se caminho para que o Estado estabelecesse requisitos e controlasse os representantes que são ou não elegíveis para o Conselho, com os riscos de um órgão 'chapa-branca', meramente homologador", apontou Barroso. "Trata-se, portanto, de norma que frustra o comando constitucional que assegurou participação às entidades representativas da sociedade civil na formulação e no controle das políticas públicas para crianças e adolescentes".





Barroso, porém, manteve dois trechos do decreto de Bolsonaro: a redução do número de conselheiros e a impossibilidade de recondução ao cargo. Nesses dois pontos específicos, Barroso apontou que não vislumbrou fragilização da participação democrática, visto que a redução foi paritária e diminuiu tanto o número de assentos de representantes da sociedade civil quanto do poder público em igual proporção. Acompanharam o relator os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Ricardo Lewandowski.


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