Jornal Estado de Minas

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Disputa pela presidência da Câmara está cada vez mais acirrada


Brasília – Retaliações, ataques pessoais e a má gestão da crise sanitária provocada pelo coronavírus são algumas das cartas nas mãos dos principais adversários na batalha pela presidência da Câmara.



Deputado Baleia Rossi (foto: LUIS MACEDO/CÂMARA DOS DEPUTADOS - 5/7/16)


Hoje é o primeiro dia da reta final das eleições que definirão os comandantes da Casa e do Senado. Com assento reservado no programa Roda Viva, da TV Cultura, por exemplo, Baleia Rossi (MDB-SP), candidato de Rodrigo Maia (DEM-RJ), aproveitará o espaço para destacar a “incompetência” de Jair Bolsonaro no combate à pandemia, e relacioná-lo ao líder do Centrão e candidato do Planalto na corrida, Arthur Lira (PP-AL), seu principal adversário.
 
Lira, por sua vez, já deu o recado. Quem tem cargo no governo e apoia Baleia perderá a vaga. É o que aconteceu com o deputado Áureo (SD-MG), que teve três indicados extirpados do Executivo.

Exímio articulador, o líder do blocão tem a máquina do Estado a seu favor, e deve levar a disputa até os minutos finais, conversando com deputados ainda no salão verde em 1º de fevereiro, dia da eleição.

E, se o voto é secreto, aqueles que se comprometeram, mas se eximirem de votar no candidato de Bolsonaro, como Áureo, não passarão incólumes.

Até os momentos finais, Maia e Baleia também vão fortalecer o corpo a corpo com pares e a busca por apoio de governadores, considerados importantes para a reeleição dos parlamentares em 2022.




 
Além da dupla, disputam a presidência da Casa os deputados Capitão Augusto (PL-SP), Fabio Ramalho (MDB-MG), André Janones (Avante-MG), Marcel Van Hattem (Novo-RS), Alexandre Frota (PSDB-SP) e Luiza Erundina (Psol-SP).

A espera de uma surpresa no placar, grupo das terceiras vias também segue no mano a mano com deputados. E se os candidatos não tiverem, de fato, energia para se firmar presidentes, podem, pelo menos, levar a disputa para o segundo turno.

O aquecimento já vem acontecendo. Analistas veem Lira em vantagem, mas o risco de novos colapsos nos sistemas públicos no Pará, Rondônia, Roraima e Rio, a exemplo do ocorrido em Manaus pode ser um revés. 
 
Doutor em ciência política, professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Ricardo Ismael destaca, porém, que, mesmo que sofra um revés, Lira ainda estará em posição relativamente confortável.



Bolsonaro seguirá dependendo do Centrão e Baleia não romperá com o adversário ou com o grupo. “Tem duas estratégias que Maia tem utilizado. Uma é articular um bloco, o que já aconteceu, incluindo a oposição ao governo. É um bloco de peso. Baleia Rossi é um candidato competitivo”, avalia o especialista.
 
“Agora, Maia vai tentar, principalmente nos últimos dias, conversar ainda mais com partidos e lideranças, para consolidar a vitória.Maia joga em outro plano. No plano da sociedade, do desgaste do governo, até para intimidar os deputados a declararem voto a Arthur Lira, e colocá-lo na defensiva pelos equívocos do governo Bolsonaro no enfrentamento da pandemia, na questão das vacinas.

O contexto dos últimos dias é de um Bolsonaro na defensiva. Isso se reflete em uma dificuldade dos deputados federais saíram em defesa do governo”, avalia.
 
O cientista político lembra que o pleito também mira 2022. E, de um lado, os cargos no governo que Lira poderá oferecer favorecem a reeleição.



Maia, por sua vez, poderá sair como vice-candidato em uma chapa na disputa pela Presidência da República, ou se candidatar ao governo do Rio.

Para isso, ficaria com um cargo de destaque oferecido pelo seu candidato e devedor, Baleia Rossi. Por fim, Ricardo Ismael acredita que o cenário eleitoral ainda é cinzento demais.

E muitos deputados se comprometerão com os dois lados antes de decidirem em quem votar. Parlamentares ouvidos pelo Correio reforçam essa impressão.

A CARTA DA REALIDADE


Na comparação entre os candidatos, Lira tem experiência e um couro mais grosso do que Baleia Rossi para enfrentar a disputa. Nos próximos sete dias, a tendência é que o candidato aumente a exposição pública de sua figura e que ataques pelas redes sociais também se intensifiquem. Baleia, por sua vez, precisará da habilidade de Maia para se vender como palatável, pois, muitas vezes, passa a ideia de que se considera melhor que os colegas.

Essa é a avaliação do analista do portal Inteligência Política Melillo Dinis. “O que me preocupa muito é que há uma questão imediata que a gente não consegue trabalhar, que é a seguinte: qual é o grande problema de qualquer um desses candidatos? É que 2021 vai ser um ano duríssimo”, alerta.




 
“Vai aumentar a fome. A COVID, em Manaus, está descontrolado, e podem acontecer cenários semelhantes em até mais de uma cidade ao mesmo tempo. A economia será retomada em ‘K’, quando o andar de cima cresce e a grande massa da população segue jogada na miséria, na pobreza. Será necessário um Congresso capaz de dar resposta a isso. O que vai ser colocado nesse percurso nos próximos dias é qual o projeto desses candidatos e dos demais, para enfrentar isso. Não basta dizer que vai fazer comissão para acompanhar a vacinação. Há uma pressão social, da realidade que, se for cobrada, eles não terão resposta, pois esses candidatos estão vivendo na bolha da eleição do Congresso. As grandes cartadas serão levadas pela própria realidade”, aponta Melillo.
 
Para o analista, parlamentares estão ofuscados por interesses imediatos.

“Estamos tocando violino enquanto o Titanic está indo na direção de um iceberg. Bolsonaro vai tentar aprovar o Lira. Já se organiza para botar o seu bloco na rua. E por último, vai ter um processo de ele colocar a culpa nos demais por toda a confusão. Estamos diante de um quadro de um governo inepto que terá que lidar com o Congresso a partir de um pacto de mediocridade. O governo finge governar, e o Congresso finge legislar”, avalia.

Bancadas não têm consenso


Outra variável do jogo na última semana antes da eleição no Congresso é a falta de consenso nas bancadas. Por mais que as lideranças partidárias criem coalizão de 11 partidos em torno de Baleia, e por mais que sejam fortes, não há consenso entre os parlamentares.



“Na decisão do PT de apoiar Baleia, os favoráveis ganharam por quatro votos. E depois, tem o voto secreto. Não vai ter punição para quem votar no Lira”, avalia o analista político da Consultoria Dharma, Creomar de Souza.

Um exemplo é o Psol, que rachou na votação e as disputas do partido recrudesceram depois que Erundina postou nas redes que os colegas favoráveis a apoiar Baleia estariam interessados em cargos.
 
“Vemos a possibilidade de o governo levar a Câmara e o Senado. No caso da Câmara, vemos que entrou pesado na disputa, colocando orçamento, disponibilizando cargos, o Lira começou a campanha cedo e está rodando o país, conversando com bancadas para garantir o que desejam. Isso dá um panorama que, mesmo tendo nominalmente menos que Baleia, estimamos que o nível de traição dessa base será alto. O Lira tem orçamento e a máquina. E ao fim do dia, os deputados se sentem mais confortáveis para fazer escolhas voltadas para o momento imediato”, avalia o cientista político.
 
Para Creomar, é preciso saber se a ofensiva de Baleia, ligando Lira a Bolsonaro e à crise do coronavirus vai reverberar. Nesse caso, Lira estaria na posição de um deputado submisso ao presidente.

“No número frio, Baleia votou mais com o governo que o Lira. Mas, por uma conjuntura, o Lira se tornou o nome palatável do governo. O grande desafio para ele é conciliar dois mundos. O primeiro tem a ver com os interesses da base de Bolsonaro, e o segundo é conciliar e colocar antes, na fila, a retomada ou não do auxílio emergencial, a mudança do teto de gastos, e as reformas administrativa e tributária. À medida em que Lira ganhe a eleição, as externalidades terão um papel muito forte nesse balanço. Até que ponto, diante de um agravamento da crise sanitária, política e econômica, de fato, Lira, na presidência, conseguiria segurar um estado de coisas ou manter-se, ou continuaria sendo visto com alguém submisso ao presidente?”, questiona.





ARTHUR LIRA



BALEIA ROSSI



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