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Estado de Minas Palavra de especialista

O Brasil não está quebrado, mas sem recursos para investimentos públicos

Com 93,7% das receitas comprometidos e os 6,3% restantes quase todos para custear a máquina, Executivo não tem como ampliar obras e programas sociais


11/01/2021 04:00 - atualizado 11/01/2021 07:33

Sem recursos, auxílio emergencial deixou de ser pago este ano e para renová-lo ou elevar Bolsa-Família será necessário estourar o teto de gastos (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press 22/12/20)
Sem recursos, auxílio emergencial deixou de ser pago este ano e para renová-lo ou elevar Bolsa-Família será necessário estourar o teto de gastos (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press 22/12/20)
Assim que acabou o recesso de fim de ano, o presidente Jair Bolsonaro disparou: o Brasil está quebrado, chefe, eu não posso fazer nada”.

A declaração repercutiu mal e logo foi minimizada pelo próprio mandatário. Porém, deixou claro o desafio fiscal que o país deve encarar neste ano: especialistas explicam que o Brasil não está tecnicamente quebrado a ponto de dar calote, mas não tem margem orçamentária para ampliar os investimentos públicos ou tirar do papel planos como o Renda Brasil.

O governo não tem brecha para destravar muitas das ambições do presidente Jair Bolsonaro porque 93,7% das receitas públicas já estão comprometidos por despesas obrigatórias, como o pagamento dos benefícios previdenciários e dos salários do funcionalismo, neste ano.

E os 6,3% que sobram do Orçamento de 2021 praticamente só permitem o custeio da máquina pública. Por isso, a proposta orçamentária do governo já está no limite do teto de gastos – emenda constitucional que limita o crescimento das despesas públicas à inflação. Logo, não sobra margem de manobra para o governo encaixar novas despesas dentro do espaço estipulado pelo teto.

Segundo o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), que foi apresentado pelo governo no ano passado e será apreciado pelo Congresso após a eleição dos próximos presidentes da Câmara e do Senado, as despesas públicas vão somar R$ 1,549 trilhão neste ano.

Porém, apenas R$ 83,3 bilhões desse montante são de despesas discricionárias – isto é, estão disponíveis para as despesas administrativas e para gastos cuja alocação pode ser alterada pelo governo, como os investimentos. Todo o restante – R$ 1,465 trilhão – é de despesas garantidas por lei ou pela Constituição.

Só os benefícios previdenciários, por exemplo, custarão R$ 710,4 bilhões, já que os impactos esperados com a reforma da Previdência serão sentidos em maior parte no longo prazo.

Já as despesas de pessoal e os encargos sociais, que são alvo da proposta de reforma administrativa, levarão mais R$ 335,7 bilhões.

E as demais despesas obrigatórias, como o seguro-desemprego, o abono salarial, o Bolsa-Família e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), comprometerão mais R$ 419,2 bilhões do Orçamento de 2021, segundo a última versão da proposta orçamentária, apresentada no fim de 2020 pelo Ministério da Economia.

"Neste ano, 93,7% do Orçamento do governo estão comprometidos por despesas primárias obrigatórias. E, nas despesas discricionárias, estão as despesas de manutenção do governo, como as despesas de água, luz e telefone, além dos investimentos, que já estão comprimidos há muitos anos. Por isso, o espaço de remanejamento do governo é praticamente inexistente", explicou o secretário-geral e fundador da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.

Diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto acrescentou que as despesas discricionárias representam apenas 1,07% do Produto Interno Bruto (PIB), um patamar "baixíssimo" historicamente. Em 2019, quando o governo foi alvo de protestos porque contingenciou as despesas discricionárias para cumprir a meta fiscal, reduzindo os gastos da educação e até da emissão de passaportes, por exemplo, havia quase o dobro de recursos disponíveis para esse tipo de gasto: R$ 164,2 bilhões, o equivalente a 2,26% do PIB.

Salário


Porém, o volume de despesas discricionárias deste ano pode ficar ainda menor. É que, depois desses cálculos, Bolsonaro elevou para R$ 1.100 o salário mínimo. E o mínimo baliza o valor de diversos benefícios sociais e previdenciários.

Por isso, o reajuste deve impactar em cerca de R$ 4 bilhões o Orçamento de 2021, segundo o Ministério da Economia. “Gastos obrigatórios maiores vão requerer cortes em outros gastos (discricionários, provavelmente) para que o teto seja cumprido”, pontuou o diretor-executivo do IFI.

Especialistas temem, então, que os recursos disponíveis para o custeio da máquina pública não sejam suficientes neste ano, o que levaria o país ao risco de shutdown (paralisia) e sepultaria de vez a possibilidade de o governo destravar alguns de seus projetos dentro dos limites orçamentários.

“Considerando um volume seguro de despesas discricionárias que não leve a riscos de paralisações em serviços essenciais, há uma insuficiência de R$ 11 bilhões para o cumprimento do teto”, calculou o superintendente de Pesquisa Macroeconômica do Santander Brasil, Maurício Oreng.

Teto de gastos


O teto de gastos foi criado em 2016 com o intuito de travar o crescimento dos gastos públicos, que já ameaça a sustentabilidade fiscal brasileira desde 2014 e explodiu novamente com a COVID-19.

Porém, está na berlinda neste ano porque cresceu menos do que as despesas do governo neste momento de pandemia.

Segundo a emenda constitucional que criou o teto, essa trava é reajustada pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior ao Orçamento.

Até meados do ano passado, no entanto, a carestia ainda estava sob controle e acumulou 2,13%. Com isso, o teto de gastos subiu R$ 31 bilhões, de R$ 1,454 trilhão para R$ 1,485 trilhão.

O limite já era exatamente igual às despesas sujeitas ao teto estimadas para este ano, o que deixava o governo, pela primeira vez desde 2016, sem margem para alocar mais nada dentro do Orçamento.

E, agora, está ainda mais pressionado. É que, depois de junho, a inflação acelerou por conta da alta dos alimentos, fazendo com que o reajuste do salário mínimo e dos benefícios previdenciários fosse além do aumento do teto de gastos: 5,26%.

“O crescimento do teto de gastos foi muito pequeno neste ano. E o salário mínimo cresceu mais do que o esperado, colocando pressão sobre a Previdência. A pressão não esperada é grande em um orçamento que já estava muito apertado, sem contar com discussões que podem vir à tona, como a da prorrogação do auxílio emergencial”, explicou o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

Ele disse, então, que o governo vai precisar cortar gastos para conseguir manter o teto de gastos de pé. Secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues já admitiu que a possibilidade de contingenciamento não está descartada em 2021.

Vírus e eleições fazem pressão


Elevação de gastos com pandemia levará governo a estourar o teto de gastos este ano, segundo analistas(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press 29/6/20)
Elevação de gastos com pandemia levará governo a estourar o teto de gastos este ano, segundo analistas (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press 29/6/20)

Apesar da falta de espaço fiscal, o mercado financeiro acredita que será grande a pressão por novos gastos.

Afinal, a pandemia de COVID-19 ainda pode exigir despesas públicas, seja para garantir o combate e a vacinação contra o SarsCoV-2 ou para amparar os brasileiros mais vulneráveis. E também porque não são poucos os ruídos no governo em relação à limitação dos gastos públicos.

O presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, já reclamou de “não poder fazer nada”; a aliança do Executivo com o Centrão e a aprovação de pautas do interesse do governo podem custar algumas emendas parlamentares; membros do próprio governo desejam ampliar os investimentos públicos, como o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que chegou a ser acusado de fura-teto pelo titular da Economia, Paulo Guedes, mas já admitiu que a votação do Orçamento será um espaço para a negociação dessas propostas; e a proximidade das eleições de 2022 pode ampliar a pressão por gastos públicos.

Por isso, cresce o entendimento que será difícil manter o teto de gastos em 2021.

A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, por exemplo, já avisou que o risco de rompimento do teto de gastos é alto e acredita que essa possibilidade aumenta a cada dia.

“Para ter o teto cumprido, já tem um nível tão baixo de despesas discricionárias que o país pode ter políticas essenciais não sendo executadas por falta de recursos. Há um risco de descumprimento do teto de gastos porque pode haver a necessidade de mais gastos, em razão da vacina contra a COVID-19 ou o auxílio aos mais vulneráveis, por exemplo", alertou Felipe Salto.

O Citibank já trabalha, inclusive, com a hipótese que o governo vai furar o teto de gastos em 2021.

"A despesa pública deve superar o teto de gastos em 1 ponto percentual, isto é, em R$ 75 bilhões, com o argumento de que é muito complicado o governo implementar o ajuste fiscal sem controlar a pandemia, porque, se não controlar a pandemia, não tem como as pessoas mais vulneráveis conseguirem emprego e é complicado, do ponto de vista político, deixar esse contingente de pessoas desamparado", explicou economista-chefe do Citibank, Leonardo Porto.

Desconfiança

O rompimento do teto de gastos, contudo, terá seu custo. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, já avisou, por exemplo, que a medida ou qualquer outra contabilidade criativa que mantenha a trajetória de crescimento do endividamento público vai aumentar a desconfiança do mercado em relação à sustentabilidade das contas públicas brasileiras.

Por isso, pode afastar ainda mais investidores do país, o que elevaria o dólar, pressionaria a inflação e exigiria um aumento da taxa básica de juros (Selic).

Secretário-geral e fundador da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco explicou que o teto de gastos tornou-se o símbolo da austeridade fiscal no país, sobretudo durante a pandemia de COVID-19, já que as duas outras regras fiscais – a de resultado primário e a da regra de outro – já não têm controlado o crescimento do endividamento público.

"O Brasil já está há oito anos no vermelho. Então, o superávit tornou-se uma miragem e o endividamento continua subindo. A regra de ouro já está sendo quebrada há três anos, pois determina que o governo não pode se endividar para pagar despesas de custeio sem autorização do Congresso, mas o Congresso autoriza esse endividamento porque, se não for isso, o governo não paga despesas de pessoal e de Previdência. Então, só resta o teto de gastos, que está em vias de ser rompido", comentou o fundador da Associação Contas Abertas.


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