Assim que acabou o recesso de fim de ano, o presidente Jair Bolsonaro disparou: “o Brasil está quebrado, chefe, eu não posso fazer nada”.
A declaração repercutiu mal e logo foi minimizada pelo próprio mandatário. Porém, deixou claro o desafio fiscal que o país deve encarar neste ano: especialistas explicam que o Brasil não está tecnicamente quebrado a ponto de dar calote, mas não tem margem orçamentária para ampliar os investimentos públicos ou tirar do papel planos como o Renda Brasil.
A declaração repercutiu mal e logo foi minimizada pelo próprio mandatário. Porém, deixou claro o desafio fiscal que o país deve encarar neste ano: especialistas explicam que o Brasil não está tecnicamente quebrado a ponto de dar calote, mas não tem margem orçamentária para ampliar os investimentos públicos ou tirar do papel planos como o Renda Brasil.
O governo não tem brecha para destravar muitas das ambições do presidente Jair Bolsonaro porque 93,7% das receitas públicas já estão comprometidos por despesas obrigatórias, como o pagamento dos benefícios previdenciários e dos salários do funcionalismo, neste ano.
E os 6,3% que sobram do Orçamento de 2021 praticamente só permitem o custeio da máquina pública. Por isso, a proposta orçamentária do governo já está no limite do teto de gastos – emenda constitucional que limita o crescimento das despesas públicas à inflação. Logo, não sobra margem de manobra para o governo encaixar novas despesas dentro do espaço estipulado pelo teto.
E os 6,3% que sobram do Orçamento de 2021 praticamente só permitem o custeio da máquina pública. Por isso, a proposta orçamentária do governo já está no limite do teto de gastos – emenda constitucional que limita o crescimento das despesas públicas à inflação. Logo, não sobra margem de manobra para o governo encaixar novas despesas dentro do espaço estipulado pelo teto.
Segundo o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), que foi apresentado pelo governo no ano passado e será apreciado pelo Congresso após a eleição dos próximos presidentes da Câmara e do Senado, as despesas públicas vão somar R$ 1,549 trilhão neste ano.
Porém, apenas R$ 83,3 bilhões desse montante são de despesas discricionárias – isto é, estão disponíveis para as despesas administrativas e para gastos cuja alocação pode ser alterada pelo governo, como os investimentos. Todo o restante – R$ 1,465 trilhão – é de despesas garantidas por lei ou pela Constituição.
Porém, apenas R$ 83,3 bilhões desse montante são de despesas discricionárias – isto é, estão disponíveis para as despesas administrativas e para gastos cuja alocação pode ser alterada pelo governo, como os investimentos. Todo o restante – R$ 1,465 trilhão – é de despesas garantidas por lei ou pela Constituição.
Só os benefícios previdenciários, por exemplo, custarão R$ 710,4 bilhões, já que os impactos esperados com a reforma da Previdência serão sentidos em maior parte no longo prazo.
Já as despesas de pessoal e os encargos sociais, que são alvo da proposta de reforma administrativa, levarão mais R$ 335,7 bilhões.
E as demais despesas obrigatórias, como o seguro-desemprego, o abono salarial, o Bolsa-Família e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), comprometerão mais R$ 419,2 bilhões do Orçamento de 2021, segundo a última versão da proposta orçamentária, apresentada no fim de 2020 pelo Ministério da Economia.
Já as despesas de pessoal e os encargos sociais, que são alvo da proposta de reforma administrativa, levarão mais R$ 335,7 bilhões.
E as demais despesas obrigatórias, como o seguro-desemprego, o abono salarial, o Bolsa-Família e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), comprometerão mais R$ 419,2 bilhões do Orçamento de 2021, segundo a última versão da proposta orçamentária, apresentada no fim de 2020 pelo Ministério da Economia.
"Neste ano, 93,7% do Orçamento do governo estão comprometidos por despesas primárias obrigatórias. E, nas despesas discricionárias, estão as despesas de manutenção do governo, como as despesas de água, luz e telefone, além dos investimentos, que já estão comprimidos há muitos anos. Por isso, o espaço de remanejamento do governo é praticamente inexistente", explicou o secretário-geral e fundador da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.
Diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto acrescentou que as despesas discricionárias representam apenas 1,07% do Produto Interno Bruto (PIB), um patamar "baixíssimo" historicamente. Em 2019, quando o governo foi alvo de protestos porque contingenciou as despesas discricionárias para cumprir a meta fiscal, reduzindo os gastos da educação e até da emissão de passaportes, por exemplo, havia quase o dobro de recursos disponíveis para esse tipo de gasto: R$ 164,2 bilhões, o equivalente a 2,26% do PIB.
Salário
Porém, o volume de despesas discricionárias deste ano pode ficar ainda menor. É que, depois desses cálculos, Bolsonaro elevou para R$ 1.100 o salário mínimo. E o mínimo baliza o valor de diversos benefícios sociais e previdenciários.
Por isso, o reajuste deve impactar em cerca de R$ 4 bilhões o Orçamento de 2021, segundo o Ministério da Economia. “Gastos obrigatórios maiores vão requerer cortes em outros gastos (discricionários, provavelmente) para que o teto seja cumprido”, pontuou o diretor-executivo do IFI.
Por isso, o reajuste deve impactar em cerca de R$ 4 bilhões o Orçamento de 2021, segundo o Ministério da Economia. “Gastos obrigatórios maiores vão requerer cortes em outros gastos (discricionários, provavelmente) para que o teto seja cumprido”, pontuou o diretor-executivo do IFI.
Especialistas temem, então, que os recursos disponíveis para o custeio da máquina pública não sejam suficientes neste ano, o que levaria o país ao risco de shutdown (paralisia) e sepultaria de vez a possibilidade de o governo destravar alguns de seus projetos dentro dos limites orçamentários.
“Considerando um volume seguro de despesas discricionárias que não leve a riscos de paralisações em serviços essenciais, há uma insuficiência de R$ 11 bilhões para o cumprimento do teto”, calculou o superintendente de Pesquisa Macroeconômica do Santander Brasil, Maurício Oreng.
“Considerando um volume seguro de despesas discricionárias que não leve a riscos de paralisações em serviços essenciais, há uma insuficiência de R$ 11 bilhões para o cumprimento do teto”, calculou o superintendente de Pesquisa Macroeconômica do Santander Brasil, Maurício Oreng.
Teto de gastos
O teto de gastos foi criado em 2016 com o intuito de travar o crescimento dos gastos públicos, que já ameaça a sustentabilidade fiscal brasileira desde 2014 e explodiu novamente com a COVID-19.
Porém, está na berlinda neste ano porque cresceu menos do que as despesas do governo neste momento de pandemia.
Porém, está na berlinda neste ano porque cresceu menos do que as despesas do governo neste momento de pandemia.
Segundo a emenda constitucional que criou o teto, essa trava é reajustada pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior ao Orçamento.
Até meados do ano passado, no entanto, a carestia ainda estava sob controle e acumulou 2,13%. Com isso, o teto de gastos subiu R$ 31 bilhões, de R$ 1,454 trilhão para R$ 1,485 trilhão.
Até meados do ano passado, no entanto, a carestia ainda estava sob controle e acumulou 2,13%. Com isso, o teto de gastos subiu R$ 31 bilhões, de R$ 1,454 trilhão para R$ 1,485 trilhão.
O limite já era exatamente igual às despesas sujeitas ao teto estimadas para este ano, o que deixava o governo, pela primeira vez desde 2016, sem margem para alocar mais nada dentro do Orçamento.
E, agora, está ainda mais pressionado. É que, depois de junho, a inflação acelerou por conta da alta dos alimentos, fazendo com que o reajuste do salário mínimo e dos benefícios previdenciários fosse além do aumento do teto de gastos: 5,26%.
E, agora, está ainda mais pressionado. É que, depois de junho, a inflação acelerou por conta da alta dos alimentos, fazendo com que o reajuste do salário mínimo e dos benefícios previdenciários fosse além do aumento do teto de gastos: 5,26%.
“O crescimento do teto de gastos foi muito pequeno neste ano. E o salário mínimo cresceu mais do que o esperado, colocando pressão sobre a Previdência. A pressão não esperada é grande em um orçamento que já estava muito apertado, sem contar com discussões que podem vir à tona, como a da prorrogação do auxílio emergencial”, explicou o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.
Ele disse, então, que o governo vai precisar cortar gastos para conseguir manter o teto de gastos de pé. Secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues já admitiu que a possibilidade de contingenciamento não está descartada em 2021.
Ele disse, então, que o governo vai precisar cortar gastos para conseguir manter o teto de gastos de pé. Secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues já admitiu que a possibilidade de contingenciamento não está descartada em 2021.
Vírus e eleições fazem pressão
Apesar da falta de espaço fiscal, o mercado financeiro acredita que será grande a pressão por novos gastos.
Afinal, a pandemia de COVID-19 ainda pode exigir despesas públicas, seja para garantir o combate e a vacinação contra o SarsCoV-2 ou para amparar os brasileiros mais vulneráveis. E também porque não são poucos os ruídos no governo em relação à limitação dos gastos públicos.
Afinal, a pandemia de COVID-19 ainda pode exigir despesas públicas, seja para garantir o combate e a vacinação contra o SarsCoV-2 ou para amparar os brasileiros mais vulneráveis. E também porque não são poucos os ruídos no governo em relação à limitação dos gastos públicos.
O presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, já reclamou de “não poder fazer nada”; a aliança do Executivo com o Centrão e a aprovação de pautas do interesse do governo podem custar algumas emendas parlamentares; membros do próprio governo desejam ampliar os investimentos públicos, como o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que chegou a ser acusado de fura-teto pelo titular da Economia, Paulo Guedes, mas já admitiu que a votação do Orçamento será um espaço para a negociação dessas propostas; e a proximidade das eleições de 2022 pode ampliar a pressão por gastos públicos.
Por isso, cresce o entendimento que será difícil manter o teto de gastos em 2021.
A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, por exemplo, já avisou que o risco de rompimento do teto de gastos é alto e acredita que essa possibilidade aumenta a cada dia.
“Para ter o teto cumprido, já tem um nível tão baixo de despesas discricionárias que o país pode ter políticas essenciais não sendo executadas por falta de recursos. Há um risco de descumprimento do teto de gastos porque pode haver a necessidade de mais gastos, em razão da vacina contra a COVID-19 ou o auxílio aos mais vulneráveis, por exemplo", alertou Felipe Salto.
A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, por exemplo, já avisou que o risco de rompimento do teto de gastos é alto e acredita que essa possibilidade aumenta a cada dia.
“Para ter o teto cumprido, já tem um nível tão baixo de despesas discricionárias que o país pode ter políticas essenciais não sendo executadas por falta de recursos. Há um risco de descumprimento do teto de gastos porque pode haver a necessidade de mais gastos, em razão da vacina contra a COVID-19 ou o auxílio aos mais vulneráveis, por exemplo", alertou Felipe Salto.
O Citibank já trabalha, inclusive, com a hipótese que o governo vai furar o teto de gastos em 2021.
"A despesa pública deve superar o teto de gastos em 1 ponto percentual, isto é, em R$ 75 bilhões, com o argumento de que é muito complicado o governo implementar o ajuste fiscal sem controlar a pandemia, porque, se não controlar a pandemia, não tem como as pessoas mais vulneráveis conseguirem emprego e é complicado, do ponto de vista político, deixar esse contingente de pessoas desamparado", explicou economista-chefe do Citibank, Leonardo Porto.
"A despesa pública deve superar o teto de gastos em 1 ponto percentual, isto é, em R$ 75 bilhões, com o argumento de que é muito complicado o governo implementar o ajuste fiscal sem controlar a pandemia, porque, se não controlar a pandemia, não tem como as pessoas mais vulneráveis conseguirem emprego e é complicado, do ponto de vista político, deixar esse contingente de pessoas desamparado", explicou economista-chefe do Citibank, Leonardo Porto.
Desconfiança
O rompimento do teto de gastos, contudo, terá seu custo. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, já avisou, por exemplo, que a medida ou qualquer outra contabilidade criativa que mantenha a trajetória de crescimento do endividamento público vai aumentar a desconfiança do mercado em relação à sustentabilidade das contas públicas brasileiras.Por isso, pode afastar ainda mais investidores do país, o que elevaria o dólar, pressionaria a inflação e exigiria um aumento da taxa básica de juros (Selic).
Secretário-geral e fundador da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco explicou que o teto de gastos tornou-se o símbolo da austeridade fiscal no país, sobretudo durante a pandemia de COVID-19, já que as duas outras regras fiscais – a de resultado primário e a da regra de outro – já não têm controlado o crescimento do endividamento público.
"O Brasil já está há oito anos no vermelho. Então, o superávit tornou-se uma miragem e o endividamento continua subindo. A regra de ouro já está sendo quebrada há três anos, pois determina que o governo não pode se endividar para pagar despesas de custeio sem autorização do Congresso, mas o Congresso autoriza esse endividamento porque, se não for isso, o governo não paga despesas de pessoal e de Previdência. Então, só resta o teto de gastos, que está em vias de ser rompido", comentou o fundador da Associação Contas Abertas.