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Estado de Minas ENTREVISTA/SÉRGIO ABRANCHES

"Governo Bolsonaro tende sempre ao isolamento", diz cientista político

Para Sérgio Abranches, a saída de Sergio Moro comprova que o presidente põe o sentimento pessoal e familiar acima dos interesses públicos


postado em 26/04/2020 08:30 / atualizado em 26/04/2020 08:40

(foto: TWITTER/REPRODUÇÃO)
(foto: TWITTER/REPRODUÇÃO)

Em meio às singulares circunstâncias de uma pandemia, que mundo afora ceifa vidas aos milhares, e de profundas crises econômica e social que dela se desdobram, o Brasil enfrenta uma crise política provocada por um presidente da República compulsivamente empurrado ao confronto permanente. Ao mesmo tempo em que mantém as narrativas antissistema e o estresse institucional com o Legislativo e parte do Judiciário, a fábrica de inimigos entra em nova fase, moendo ministros com algum nível de visibilidade. Primeiro, o da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Agora, o da Justiça, Sergio Moro, que sai atirando: acusa Jair Bolsonaro de demitir o diretor-geral da Polícia Federal para bloquear investigações e inquéritos que ameaçam sua família e ele próprio.
 
“Em algum momento, pela saturação da sociedade com esse estresse permanente em que o presidente põe o país e pela falta de soluções efetivas e concretas, chegaremos a um ponto tal de indignação, de descontentamento e de sofrimento que a população vai reagir. E aí teremos desdobramentos institucionais ainda incertos. As instituições vão responder rapidamente, afastar e solucionar? Ou vão vacilar, estar imobilizadas, enquanto o presidente usa como pretexto o levante popular para endurecer o regime?”, avalia o cientista político Sérgio Abranches, que cunhou o conceito de “presidencialismo de coalizão”, autor de diversos livros, entre eles Presidencialismo de coalizão – Raízes e evolução do modelo político brasileiro (Companhia das Letras), finalista do Prêmio Jabuti de 2019.
 

"Bolsonaro põe o sentimento pessoal e familiar acima dos interesses públicos. Opera por confronto, gerando permanente crise política"

 
O que a demissão de Sergio Moro, que emprestava certa identidade ao governo, representa neste momento em que a pandemia ainda não chegou ao pico? Parcelas significativas da população estão desassistidas e pouco se espera de uma recuperação econômica de curto prazo?

Mais descrédito e isolamento. A declaração que o presidente fez em resposta às revelações de Sérgio Moro foi confusa, muito pessoal, parece mais um desabafo do que a manifestação institucional de um presidente da República face à demissão de seu ministro da Justiça. Só confirma o que já está claro:  é um governo muito limitado politicamente e muito isolado. E agora, com as revelações de Sérgio Moro, sem a máscara de combate à corrupção: demitiu, de acordo com Moro,  o diretor-geral da Polícia Federal para bloquear investigações e inquéritos que ameaçam sua família e, no limite, a ele próprio, o que mais uma vez mostra que Bolsonaro sempre põe o sentimento pessoal e familiar acima dos interesses públicos. É um presidente impulsivo e autoritário, que só opera por confronto, gerando permanente crise política. Temos, então,  essas características numa confluência de fatores em circunstâncias singulares – a pandemia gravíssima, uma crise econômica, numa economia que já era frágil, as questões sociais que vão eclodir do desemprego – que fazem desta a crise mais grave de nossa história recente.

Quais são, em sua avaliação, os possíveis prognósticos para o futuro do governo Bolsonaro?

É um futuro discutível. Em algum momento, pela saturação da sociedade com esse estresse permanente em que o presidente põe o país e pela falta de soluções efetivas e concretas, chegaremos a um ponto tal de indignação, de descontentamento e sofrimento que a população vai reagir. E aí teremos desdobramentos institucionais ainda incertos. As instituições vão responder rapidamente, afastar e solucionar? Ou vão vacilar, estar imobilizadas, enquanto o presidente usa como pretexto o levante popular para endurecer o regime? Não sei. Há ambas as hipóteses. Espero que prevaleça o afastamento de um presidente ineficaz e despreparado. Mas não há garantia.

Bolsonaro teria apoio militar na hipótese de tentar marchar para o endurecimento do regime?

Os militares têm um problema sério de lidar com a reputação da corporação. Eles sabem o quanto custou essa reputação no regime militar. Há um certo consenso, de dupla face: não aceitam condenar o regime militar, tampouco aceitam voltar para o regime militar. E acho que vai continuar sendo assim. Então, é difícil dizer como se desenrolaria tal hipótese. Há muitos cenários. Hugo Chávez deu golpe aposentando generais e trazendo a média oficialidade para o topo. Não sei se é possível fazer isso no Brasil. É um cenário especulativo. De concreto temos uma crise crônica que não vai se resolver e que estressa sistematicamente as instituições. Em algum momento, isso vai convergir com aumento da insatisfação popular, por conta da pandemia, crise econômica, e da dificuldade que população encontra de ter tratamento e obter ajuda. Como essa crise se resolverá, se contra Bolsonaro ou contra o país, não dá para dizer.
 

"A questão é saber até quando as elites que viabilizaram a chegada de Bolsonaro ao poder tolerarão seus impulsos e desmandos"

 
Bolsonaro abriu conversações e promete usar a caneta em favor do Centrão no Congresso. Com este movimento, conseguirá formar base parlamentar?

Desde que assumiu, Bolsonaro não deu demonstração de que seja capaz de formar coalizão parlamentar que entenda as limitações que se impõem a um presidente.  Já perdeu a oportunidade de fazer coalizão decente no Congresso, com políticos e parlamentares de partidos sérios, assumindo compromissos e plataformas. Ele abriu mão disso. E não é uma pessoa que parece disposta a negociar e aceitar os limites de uma negociação. O que sobrou para ele agora foi a escória, que não lhe dá apoio suficiente. Ele faz essa tentativa, mas vai ficar com grupo pequeno, pois teve muita renovação no Congresso.  Os nomes com quem Bolsonaro conversa são muito icônicos, políticos condenados nos dois grandes escândalos de corrupção político-empresarial, o mensalão e a Lava-Jato, como Roberto Jefferson e Valdemar da Costa Neto. Uma aliança suja com o objetivo de bloquear a liderança de Rodrigo Maia na Câmara. Isso tem implicações para a base dele na sociedade, inclusive na elite econômica, essa aproximação é risco que está correndo. É mais um elemento para desacreditar a postura de paladino anticorrupção. É um governo que tende sempre ao isolamento. As tentativas que faz de ampliar apoio com medidas práticas, concretas, dão sempre erradas. Exemplo mais recente disso foi a ideia de acabar com a quarentena, que não corresponde ao desejo da maioria da população, que está vendo pessoas morrerem em países muito ricos.  Ele apostou todas as fichas nisso, ao ponto de demitir o ministro da Saúde e nomear um que tem como tarefa afrouxar a quarentena. E agora, há lá no ministério, em meio à pandemia, uma equipe que não tem conhecimento da máquina, um ministro e um general que estão aprendendo o beabá do sistema de saúde para começar a agir.

Qual é o destino da pauta liberal deste governo, eleito com o mote “conservador nos costumes e liberal na economia”?
O plano pós-pandemia anunciado e chamado Pró-Brasil é um híbrido mal-ajambrado dos planos de desenvolvimento do período militar e do corte e cola de programas de gaveta do PAC do governo Dilma Rousseff. Para rasgar a fantasia de liberal, está faltando a queimação final, do ministro da Economia.

O STF determinou a abertura de inquérito para apurar a organização de atos contra a democracia. O que aconteceu de diferente desta vez para a reação mais dura? As instituições estão no limite?

Foi a primeira vez que a manifestação teve o propósito exclusivo de pregar contra as instituições democráticas. Das outras vezes havia uma pauta múltipla, e alguns pequenos grupos pedindo AI-5.  Além disso, na maioria das outras manifestações, o presidente não comparecia. Desta vez, o presidente participou e discursou na manifestação exclusivamente contra a democracia, em frente ao quartel-general do Exército. Por todas essas diferenças, provocou reação necessariamente mais explícita e unânime. A presença do presidente é muito simbólica. E mostra bem o que ele realmente é: apesar de dizer que respeita a democracia, toda a carreira dele foi voltada para a apologia da ditadura e da tortura. Ele não mudou. Esse tipo de personalidade não muda o comportamento. Desde o impeachment da Dilma, o país está em crise e está se agravando, porque Bolsonaro é presidente de confronto, sempre esgarça o sistema político, vai estressando as instituições. Neste momento, ele abre conflito entre o Executivo e o Legislativo, confronta Rodrigo Maia o tempo todo e às vezes David Alcolumbre. Atrita com parte do Judiciário. Há estresse institucional preocupante, pois o quanto as instituições resistem é algo que nunca sabemos estimar. Não há uma medida de resiliência institucional que permita fazer avaliação de quando estão chegando ao seu limite.

A palavra impeachment começou a frequentar com mais insistência os meios políticos e jurídicos a partir das revelações de Sérgio Moro, que se juntam aos inquéritos no STF destinados a responsabilizar financiadores de fake news e atos antidemocráticos. Há ambiente político para um processo de  impeachment?

Impeachment é algo que nunca se prevê. São muitos os fatores que formam a onda. Claramente, fala-se mais em impeachment agora. Este deve ser o 20º crime de responsabilidade que Bolsonaro comete  contra a administração pública e de violações à Constituição. Algo muito mais denso do que as razões alegadas para os impeachments de Collor e de Dilma.  Agora, lideranças como Fernando Henrique Cardoso começaram a admitir. Por outro lado, as lideranças do Congresso, sobretudo Rodrigo Maia, estão caladas. E acho que Rodrigo Maia nem vai se manifestar, pois vai alegar que terá de decidir sobre isso, pois vai ter de se manifestar por decisão do decano do STF, Celso de Mello. Vai ser discutida a questão do impeachment com mais frequência. E do ponto de vista do governo, vai ser cada vez mais fraco e isolado. Um governante que sempre põe o sentimento pessoal e os interesses de seu clã acima dos interesses da nação não tem como seguir na trilha constitucional. Será sempre um governante infrator. A questão é saber até quando as elites que viabilizaram a chegada de Bolsonaro ao poder tolerarão seus impulsos e desmandos.

Até quando Bolsonaro conseguirá manter a coesão da bolha informacional de seu núcleo duro de seguidores?

A bolha só resiste se as condições sociais forem propícias. Estão deixando de ser e a capacidade de persuasão dele vai diminuindo, à medida que a realidade vai se impondo.


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