Um ano após vencer as eleições, ao menos 11 governadores projetam dificuldades financeiras para 2020. Somados, os déficits previstos nesses Estados alcançam R$ 36,1 bilhões e, se não impedem, atrasam os planos aprovados pela população nas urnas. Sem recursos, promessas de obras, aumento de salário para os servidores e novas ações em áreas prioritárias acabam condicionados ao sucesso de programas de concessões, de arrecadação incerta, ou de corte de gastos, de ganho limitado.
Levantamento feito pelo jornal O Estado de São Paulo mostra ainda que esses mesmos Estados e o Distrito Federal preveem uma soma ainda maior em renúncias fiscais: R$ 41,8 bilhões. São isenções ou reduções de impostos aprovadas para determinados setores econômicos com o intuito de aquecer a economia e, consequentemente, elevar a arrecadação. Diante da crise persistente, no entanto, essas medidas já começam a ser revistas.
Ainda em debate nas Assembleias Legislativas, as leis orçamentárias de Estados como Roraima, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Santa Catarina e o Distrito Federal preveem mais despesas do que receitas. E, em muitos casos, a situação é recorrente. O Rio Grande do Sul, por exemplo, gasta mais do que arrecada desde 2010, prejudicando ano após ano sua capacidade de promover investimentos.
Com déficit de R$ 5,2 bilhões em 2020, o governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB) prevê investir R$ 1 bilhão, dos quais somente R$ 308 milhões são do Tesouro, o restante depende de transferências da União ou emendas.
A obra já consumiu R$ 1,2 milhão, mas ainda são necessários R$ 21,7 milhões para a conclusão. Segundo o governo, "montante considerado expressivo diante da situação financeira".
Para tentar reverter o quadro deficitário, Leite anunciou, mês passado, uma proposta de reforma administrativa que visa a economia de R$ 25 bilhões em dez anos. Com o mesmo objetivo, o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), também busca apoio para recuperar o Estado que tem hoje o pior quadro financeiro do País - ano que vem será o sexto com despesas superando receitas.
O déficit mineiro atinge uma referência nacional no atendimento a queimados. O Pronto-Socorro João XXIII, em Belo Horizonte, precisa de R$ 10 milhões para reparos no prédio e reforma das redes elétrica e hidráulica. O projeto foi colocado em uma lista elaborada pelo governo como obras prioritárias, mas sem verba.
A aposentada Maria Francisca das Graças Silva Santos, de 68 anos, esteve na unidade dia 31 para visitar o irmão, José Aparecido dos Santos Silva, de 58, internado há um mês para tratamento de queimadura nas pernas.
Para aliviar seus respectivos caixas, tanto Leite como Zema pretendem privatizar estatais e contam com o apoio de parlamentares para destinação de emendas nas áreas mais demandadas. Entre os dez Estados e o Distrito Federal, o único que participa do Regime de Recuperação Fiscal da União é o Rio.
Em Santa Catarina, ajustes internos reduziram o rombo previsto de R$ 1,2 bilhão para R$ 804 milhões e o governador Carlos Moisés (PSL) pôde anunciar investimentos da ordem de R$ 200 milhões em obras de infraestrutura.
O Estado espera zerar o déficit e passar a ter superávit em 2022. Para alcançar o objetivo, segundo Moisés, o governo trabalha na redução dos gastos públicos, com previsão de economizar R$ 500 milhões em quatro anos; na descentralização dos recursos, a partir de convênios com consórcios municipais; combate à sonegação fiscal, revisão do programa de isenções e novas concessões.
"O que se fazia antes era superestimar a arrecadação, maquiar a realidade. Neste ano, conversei com os Poderes e me determinei a dar transparência à realidade do Estado", disse o governador, referindo-se ao déficit.
Já a dificuldade fiscal de Mato Grosso em pagar as contas engessa a máquina em diversas frentes. De acordo com o deputado Dilmar Dal Bosco (DEM), líder do governo na Assembleia Legislativa, as emendas parlamentares estão represadas, não são feitas novas obras e os salários de servidores chegaram a ser pagos com 22 dias de atraso.
Bosco ressalta que o governo está cortando custos. "Tivemos uma reforma administrativa, reduzimos o número de secretarias de 24 para 15 e diminuímos o número de servidores." Já o deputado Lúdio Cabral (PT), da oposição, critica o que chama de discurso de déficit. "Você acha que está em crise um Estado que prevê R$ 6 bilhões de renúncia fiscal?", questiona.
Para a economista Mariana Almeida, professora do Insper, a solução para reduzir os déficits dos Estados não é só local. "A questão vai além de pura capacidade de gestão. Envolve elementos como pacto federativo e estrutura tributária", afirma ela, sobre duas reformas de atribuição federal.
Crise leva governos a revisar programas de isenção fiscal
Resultado da guerra fiscal entre os Estados, programas que preveem isenção ou redução de impostos como forma de atrair investimentos começam aos poucos a ser revistos por governos pressionados pelas contas no vermelho. Levantamento feito pelo Estado mostra que o total de renúncia fiscal prevista para 2020 pelo conjunto formado por dez Estados e o Distrito Federal que também projetam déficit supera o valor do rombo no caixa em R$ 5,7 bilhões.
Em Santa Catarina, onde as isenções ultrapassam em seis vezes o déficit, a Secretaria da Fazenda trabalha desde 2018 para reduzir os benefícios. "Essa revisão é necessária.
Ele ainda ressalta que a regra agora não é mais conceder benefícios a uma empresa específica, mas a um setor. "E quando for esse o caso, a empresa terá de apresentar um programa de investimentos, com geração de empregos. Se não cumprir, perde o benefício em 12 meses."
No Rio Grande do Norte, o governo alterou os incentivos à indústria para diminuir seu impacto no orçamento. Já o Rio Grande do Sul prevê para 2020 uma revisão dos incentivos.
Em Mato Grosso, as renúncias previstas equivalem a mais de 11 vezes o valor do déficit. Aliados do governo afirmam que os vizinhos são agressivos em termos de incentivos fiscais, e que o Estado precisa das renúncias para garantir competitividade.
Em São Paulo, onde não há déficit, a previsão em renúncia é a maior pesquisada: R$ 20 bilhões. A Secretaria da Fazenda defende o programa de benefícios fiscais ao afirmar que ele faz parte de um projeto que visa a aumentar os investimentos e a produtividade das empresas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo..