Jornal Estado de Minas

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Redução da violência comemorada por Moro é vista com cautela por especialistas

- Foto: Marta Carneiro / PUC Minas

Celebrada pelo ministro da Justiça Sergio Moro, por governadores e secretários de Segurança como resultado do bom trabalho nos primeiros meses de governo, a queda nos índices de violência no ano passado e no primeiro semestre de 2019 é tratada com cautela por especialistas. De acordo com levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Brasil registrou redução de 22% nos homicídios entre janeiro e julho, sendo que em 2018 já havia registrado queda de 11%. Os números mostram ainda que o fenômeno não foi particular ou regional, uma vez que houve melhora em 22 estados.

Entre hipóteses mais consideradas para a redução na criminalidade estão medidas tomadas por autoridades desde 2016 e 2017, quando as estatísticas chegaram ao ápice e houve pressão da opinião pública por melhorias na segurança. Também aparecem (principalmente entre políticos e militares) teorias como uma autorregulação das facções criminosas, quantidade de armas em circulação e políticas de aprisionamento.

Ontem, Moro comemorou em sua conta no Twitter a redução de assassinatos, de roubos a bancos (40%) e a veículos (27%). Disse que os números são resultado de “trabalho duro, inteligência e ação integrada das forças federais, estaduais e distritais.” E ainda acrescentou: “Se aprovado o pacote anticrime no Congresso, o número cairia mais.”

A pedido do Estado de Minas, profissionais de diferentes áreas ligadas à segurança pública analisaram os motivos para a redução nos índices de criminalidade. Eles ressaltam que o fenômeno não está diretamente ligado ao discurso mais radical do atual governo em relação ao combate à criminalidade, mas pode ser explicado como um somatório de ações locais e mudanças sociais. Para os especialistas, a flexibilização da posse de armas, uma das propostas implementadas pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), pode ir na contramão do cenário atual e levar ao aumento dos crimes violentos.

“Ainda é prematuro entender integralmente os fatores sociais e institucionais que levaram à queda nos índices de homicídios e crimes violentos. Não existem explicações científicas embasadas, mas temos hipóteses e suspeitas.
A principal é que nos últimos dois anos a maioria dos estados adotou medidas mais rigorosas na prevenção, via Polícia Militar, e investiu mais na investigação, via Polícia Civil. É importante lembrar que em 2107 tivemos os níveis mais altos de violência já vistos no país. Então, houve uma grande pressão sobre os governadores, que buscaram as medidas no âmbito policial”, analisou Luiz Flávio Sapori, coordenador do Centro de Pesquisas em Segurança Pública da PUC Minas e membro do Fórum Brasileiro.

Segundo dados oficiais do Sistema de Informações sobre Mortalidade, divulgado pelo Ministério da Saúde, em 2017, houve 65 mil homicídios no Brasil, o que equivale a uma taxa de 31,6 mortes para cada 100 mil habitantes. As estatísticas gerais do país apontam seguido crescimento na violência entre 2007 até 2017. A partir de 2018, houve redução de 11% no número de assassinatos e de janeiro a julho de 2019 a queda foi de 22%, sendo registrados entre janeiro e junho 21 mil homicídios no país.

O sociólogo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em segurança pública Cláudio Beato Filho avalia que os resultados positivos são resultado de um somatório de fatores, que vão de ações policiais até mudanças demográficas no país na última década. “Registramos essa queda nos últimos dois anos, sendo que em alguns lugares a redução nos índices começou antes. Temos ações no âmbito estadual, como a modernização nas estruturas de segurança, mais qualificação das polícias e mais uso de tecnologias.
Temos também uma mudança na estrutura demográfica do Brasil, com o envelhecimento da população. A redução na faixa dos jovens, que são as maiores vítimas dos homicídios, por exemplo, pode refletir essa mudança”, diz Beato.

Para os especialistas, fica claro que o momento de crise econômica, com milhões de desempregados e aumento da população na faixa da extrema pobreza, não tem relação direta com o aumento da violência. “Estamos vendo a economia sem se estabilizar ao mesmo tempo em que os índices estão caindo. Não há relação concreta entre as duas situações. Ninguém sai assaltando e matando porque está desempregado. Não é algo simples uma pessoa se tornar criminosa. É uma questão que envolve muitas coisas e muitos valores”, analisa Flávio Sapori.

Cláudio Beato também entende que não existe uma correlação entre o aumento da violência com momentos de crise econômica, mas ressalta que os índices de crimes contra o patrimônio – furtos e roubos – não acompanharam a redução registrada nos homicídios e outros crimes violentos. “Os crimes contra o patrimônio não estão caindo na mesma velocidade, então podemos ter alguma relação com a crise econômica.
Mas são números que envolvem outras situações, como características locais, por exemplo”, explica Beato.

Alerta O criminalista Edson Luz Knippel, da Faculdade de Direito Mackenzie, de São Paulo, aponta que, na contramão dos crimes violentos, alguns índices registraram aumento e servem de alerta para os governantes. “Não tivemos só a diminuição nos levantamentos mais recentes. Percebemos o crescimento da violência doméstica e de crimes ligados ao grupo LGBT. Então, é preciso analisar todo o cenário. No caso dos homicídios, a queda não se deve a fatos isolados. São dados que estão muito ligados a questões locais e medidas pontuais. Não vejo essa redução como resultado de políticas recentes. As mudanças nos números da violência são de impacto em médio e longo prazos”, analisa Knippel.

Em setembro, após a divulgação do balanço com a redução nos índices de 2018 e do primeiro semestre de 2019, o ministro Sergio Moro afirmou que o mérito era também do governo federal e em suas redes sociais criticou os que citaram ações estaduais como reflexo dos dados. “Claro, para alguns autodenominados especialistas em segurança pública, o governo não estaria fazendo nada para contribuir com a queda de crimes. Cegueira ideológica ou político-partidária? Não sei, o que importa é que vamos trabalhar para reduzir ainda mais a criminalidade”, escreveu.
A reportagem procurou o ministro Moro para ouvir sua análise sobre a redução dos crimes violentos, mas o Ministério da Justiça e Segurança Pública não quis se manifestar.


Minas acompanha queda nos índices de homicídio


Sergio Moro, ministro da Justiça: "Trabalho duro, inteligência e ação integrada das forças federais, estaduais e distritais têm levado a esse resultado. Se aprovado o pacote anticrime no Congresso, o número cairia mais" - Foto: MARCELO FERREIRA/CB/D.A PRESS %u2013 6/7/19

A violência em Minas Gerais acompanhou a tendência do Brasil e dos outros estados, com queda significativa em 2018 e no primeiro semestre de 2019. De acordo com o levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 2017 e 2018 os homicídios dolosos caíram quase 30%, passando de 3.966 para 3.055. Os latrocínios (roubos seguidos de morte) também tiveram queda – de 104, em 2017, para 82, em 2018. No primeiro semestre deste ano, continuaram as quedas nas mortes violentas, com redução de 18%, incluindo homicídios e latrocínios.

O secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública, general Mario Araújo, ressaltou “ações bem-sucedidas” de governos anteriores e que os índices positivos dos últimos anos representam fenômeno de várias frentes, mas destacou que a atual gestão priorizou a segurança pública diante de um cenário de crise econômica do estado para manter programas na área de prevenção. Araújo admite, no entanto, que a falta de recursos impediu o lançamento de novos programas e investimentos na estrutura do sistema.

“Além da continuidade de medidas bem-sucedidas de gestões anteriores, como a implantação das bases móveis nas cidades-polo mineiras e política de priorização da atividade-fim policial, hoje há uma melhor integração dos órgãos de segurança pública no estado e programas de prevenção à criminalidade. O governo Romeu Zema colocou três pilares como prioridade: saúde, segurança e educação. Por isso as pastas foram as que menos sofreram cortes financeiros. Tivemos que reduzir o custeio em algumas atividades, mas conseguimos manter os programas na área de prevenção”, analisa o secretário de Segurança.

Ex-secretário de Segurança de Belo Horizonte, Cláudio Beato, considera que a atuação mais efetiva das forças policiais em alguns estados começaram antes de outros, como São Paulo e Ceará, o que levou a resultados diferentes em cada lugar. Ele explica também que desde os altos índices de crimes violentos entre 2015 e 2017, muitas prefeituras se mobilizaram para atuar na área da segurança ao lado dos governos estaduais. “Em Minas Gerais, por exemplo, as administrações municipais também passaram a focar muito na prevenção e evitando crimes”, diz Beato.

Futuro Os especialistas ouvidos pelo Estado de Minas avaliam que a tendência de redução nos índices de criminalidade deve se manter nos próximos anos, mas se mostram preocupados com a implementação de algumas medidas pelo atual governo federal que podem levar ao aumento de mortes violentas.
“Certamente, a liberação do uso de armas terá impacto negativo para certos tipos de crimes, como violência doméstica e brigas de gangues”, aposta o ex-secretário da capital mineira.

“Talvez tenhamos mais dois anos de queda, caso os governadores mantenham as políticas de prevenção e a estratégia de buscar uma melhor atuação policial. Mas uma preocupação importante deve ser com o sistema prisional, que deve se tornar um gargalo cada vez mais sério, com superlotações. Também existe uma preocupação com a liberação de armas, que pode atuar como elemento de recrudescimento da violência e das mortes violentas”, analisa Luiz Flávio Sapori, do Centro de Pesquisas em Segurança Pública da PUC Minas.

Para o advogado criminalista Edson Luz Knippel, as propostas de aumento de penas e de liberação de posse de armas de fogo podem influenciar negativamente no cenário brasileiro. “Não é possível imaginar que o aumento de penas reduza a criminalidade. Historicamente, não é o que se vê. A redução da violência depende de políticas públicas bem-sucedidas. Também não vejo como positivo a flexibilização das armas. Armas servem para matar pessoas, e o cidadão não tem condição técnica nem psicológica para usar armas. Infelizmente, é mais provável que mais armas acabem caindo em mãos erradas”, analisa Knippel.

Divergências com ministro Moro 


Sergio Moro: “O mérito é também do governo federal porque assistimos basicamente a uma redução da criminalidade em todo o país, o que nos leva a crer que existe uma causa nacional para a redução da criminalidade. Entre elas, recorde de apreensão de drogas.” (Entrevista à Globo News)

- Foto: Lia de Paula/Agencia Senado

Luiz Flávio Sapori: “Não sabemos ainda os motivos da queda da violência. É prematuro para entender os fatores sociais e institucionais deste fenômeno e não tem explicações embasadas cientificamente. Temos hipóteses para explicar. A principal é que nos últimos dois anos a maioria dos estados adotou medidas de prevenção. Uma resposta aos altos níveis de criminalidade que chegaram ao auge em 2017.”

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Sergio Moro: “A política de segurança de Jair Bolsonaro tem por base o isolamento das lideranças criminosas em presídios federais e o controle das comunicações. Isso tem levado à redução dos crimes e protegido a população contra ataques e ordens de assassinatos.” (Twitter)

- Foto: Arquivo Pessoal
Cláudio Beato: “A questão das facções e do crime organizado tem um alcance limitado a alguns estados. O impacto é local e limitado. A redução nos índices é nacional, portanto, envolve diversos fatores.”
 
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Sérgio Moro: “Não tem a ver com a segurança pública (liberação de armas). Foi uma decisão tomada pelo presidente em atendimento ao resultado das eleições e existe toda uma pretensão de várias pessoas que entendem que têm um direito e isso está sendo preservado. Mas isso não significa a delegação (da segurança pública) ao cidadão privado, tanto que estamos trabalhando firmes para debelar esses problemas.” (Audiência no Congresso Nacional)

Edson Luz Knippel: “Não vejo como positivo a flexibilização das armas. Armas servem para matar pessoas, e o cidadão não tem condição técnica nem psicológica para usar amas. Infelizmente, é mais provável que mais armas acabem caindo em mãos erradas.”
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