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Estado de Minas ENTREVISTA/FÁBIO GEORGE CRUZ DA NÓBREGA

"Lista é garantia de combate à corrupção" , diz procurador sobre escolha de Bolsonaro

Procurador defende que Bolsonaro leve em conta escolha da categoria para o comando do Ministério Público Federal


postado em 24/06/2019 06:00 / atualizado em 24/06/2019 08:25

 
(foto: Ana Rayssa/CB/D.A Press)
(foto: Ana Rayssa/CB/D.A Press)
Brasília – Há menos de dois meses no cargo de presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), o procurador Fábio George Cruz da Nóbrega percebe as dificuldades que tem pela frente. O primeiro desafio já começou.

(foto: Ana Rayssa/CB/D.A Press)
(foto: Ana Rayssa/CB/D.A Press)

Até setembro deste ano, quando Raquel Dodge encerra seu primeiro mandato à frente do Ministério Público Federal (MPF), Nóbrega e a maioria dos demais integrantes da carreira precisam convencer o presidente Jair Bolsonaro a seguir uma lista tríplice, escolhida por meio do voto dos próprios integrantes do órgão.

O chefe do Executivo afirmou que sua decisão será tomada aos “48 minutos do segundo tempo”. O mandato de Dodge, que não lançou candidatura à lista neste ano, termina em 17 de setembro. No entanto, a decisão do presidente deve ocorrer até agosto, com tempo para que o Senado realize uma sabatina com quem for indicado.

Na votação dos integrantes do MPF, o subprocurador-geral da República Mário Bonsaglia  ficou em primeiro lugar no pleito. Em segundo, veio a subprocuradora Luiza Frischeisen, e, em terceiro, o procurador Blal Dalloul.

Caso Bolsonaro
escolha alguém de fora da lista, ou decida manter  Dodge no cargo para mais dois anos de gestão, Nóbrega projeta um cenário de grande dificuldade nas relações com o Ministério Público, e vê ameaças no combate à corrupção.

Nesta entrevista, o presidente da ANPR narra como é a experiência de assumir o comando da entidade em meio à maior crise já enfrentada pela Lava-Jato, com a divulgação de mensagens trocadas entre o ministro Sérgio Moro e procuradores da força-tarefa da operação no Paraná , defende mudanças no sistema de Justiça e no processo penal..
 
O senhor avalia que o presidente Jair Bolsonaro vai seguir a escolha da categoria e nomear para a PGR um dos três mais votados na lista tríplice?
Essa é a nossa expectativa desde o início. Há uma longa história de construção da lista. Ela já tem 18 anos e nos últimos 16 houve o respeito e acolhimento. Esse é um processo transparente, democrático que fortalece a nossa instituição. Um exemplo deste ano: tivemos 10 candidatos, visitamos as cinco regiões do país em debates abertos com a cobertura da imprensa, a sociedade civil organizada, com a participação dos nossos colegas, de maneira que houve um processo de transparência que leva a um escrutínio público por parte daqueles que querem ser ou exercer esse que é um dos cargos mais relevantes da República. Tudo isso nos leva a crer que todos aqueles que querem o fortalecimento da nossa instituição (não temos dúvidas de que o presidente se posiciona nesse sentido) almejam que esse processo venha a ser reconhecido, acolhido e respeitado.

''Há uma enorme dificuldade para que a classe aceite um nome de fora da lista. Tivemos um índice de 95% dos colegas completamente envolvidos nesse processo''



Parte das propostas dos vencedores são corporativistas. A lista não fica que em xeque diante deste cenário e assuntos da própria categoria?
Discordo de que a lista tenha um perfil corporativista. Em todos os debates realizados, pouco se discutiu temas internos, particularmente sobre temas ligados à corporação em termos remuneratórios. O que vi foi um amplo debate sobre o cumprimento de nossas missões institucionais e projetos, especialmente no Norte do país. Mas temos exemplos como a questão ambiental no Sudeste, e, em São Paulo, com um foco muito voltado para a questão da política nacional de drogas. No Rio, o destaque da Lava-Jato. No Rio Grande do Sul, toda uma área de atuação da tutela coletiva em defesa da sociedade,  falou-se da questão dos agrotóxicos, da defesa indígena, do contrabando, esses assuntos institucionais dominaram a pauta nestse momento.

Como será a reação da categoria caso o nome escolhido não seja um desses três indicados?
Há uma enorme dificuldade para que a classe aceite um nome de fora da lista. Se a gente considerar que 82,5% dos colegas votaram (repito, o voto é facultativo. Acredito que 10% ou 12% dos colegas não puderam votar por estar fora do país de férias, já que existe a necessidade de se dirigir a uma unidade nossa para votar), temos um índice de 95% dos colegas completamente envolvidos nesse processo.

A procuradora Raquel Dodge enfrentou turbulências, teve até entrega de cargos. A classe aceitaria uma manutenção dela à frente do MP?
Dando uma resposta um pouco mais ampla, a gente nota que o mundo vive um processo de polarização grande. O Brasil vive um processo de conflitos aguçados, de dificuldade de diálogo, de dificuldade de obtenção do consenso. Seria impensado compreender que a nossa instituição iria ter uma realidade diversa. Particularmente, houve uma dificuldade muito grande de diálogo por parte da procuradora-geral com a classe, e isso também fez com que esses momentos de tensões viessem a ser evidenciados. A doutora Raquel Dodge, que tem uma longa folha de serviços prestados, como todos os outros que a antecederam, teve a oportunidade de requerer a sua inscrição na lista tríplice, de participar desse processo democrático amplo, e não o fez. Isso, para nós, foi uma surpresa. Portanto, não tenho dúvidas ao dizer que a carreira está completamente mobilizada, antes em torno dos 10 candidatos que se inscreveram, e, agora, em torno dos três candidatos que foram alçados como líderes. São as nossas três lideranças que são oferecidas ao país para prestar serviços em todas essas áreas que mencionei.

''Há uma longa história de construção da lista. Ela já tem 18 anos e nos últimos 16 houve o respeito e acolhimento. Esse é um processo transparente, democrático que fortalece a nossa instituição''



O que o senhor achou do depoimento do ministro Sérgio Moro no Senado? O senhor o assistiu, acompanhou?
Vi trechos. Não poderia fazer uma avaliação completa do que se disse ali.

O senhor acha natural a relação que se mostra com esses vazamentos? Considera natural essa relação entre o Ministério Público e o juiz, como supostamente se deu na Lava-Jato ou como se mostra nesses vazamentos?
Preciso dar uma resposta um pouco mais ampla, mas chego lá. Em primeiro lugar, acho que é absolutamente repreensível, e acho que ninguém discorda, que existam captações ilícitas de conversas, que envolvam membros do MP ou do Poder Judiciário e jornalistas. Isso é uma agressão às instituições e viola os princípios do Estado democrático de direito. Em segundo lugar, acho que temos que ter extrema cautela e serenidade ao acompanhar esses trechos que estão sendo divulgados, porque as próprias partes envolvidas negam que as conversas tenham se dado daquela forma. Em terceiro lugar, é preciso compreender que o nosso sistema judicial é muito parecido com o sistema europeu, particularmente com o italiano, em que magistrados e membros do MP têm uma proximidade e uma cooperação muito maior, e onde vigora, não o princípio da neutralidade do juiz, mas sim o princípio da imparcialidade do juiz. Há uma distinção entre neutralidade e imparcialidade que eu acho importante. Então, ao contrário do sistema americano, em que nós temos um juiz completamente inerte que aguarda as partes produzirem provas e discutirem, portanto, ele julga o que vier, há vários mecanismos que, inclusive, constam no Código Penal, que impõem a exigência de um juiz mais ativo.

Nos Estados Unidos, em uma situação dessas, o Moro estaria completamente suspenso?
Nos EUA, uma situação como essa poderia vir a ser reconhecida como algo que, para o sistema deles, não seria adequado. O nosso sistema apresenta todas essas regras, e mais, permite uma cooperação muito mais próxima entre dois órgãos do Estado com missões importantes, mas distintas (um de acusar e outro de julgar), tanto que, nas audiências, o MP senta-se do lado do juiz, e o advogado fica mais distante. Tanto que, nas sessões que acompanhamos no STF, a procuradora ou o procurador-geral está praticamente em um contato diário com os ministros e participa de momentos um pouco mais próximos, e não é isso que ocorre com os advogados. Pode-se até repensar o sistema, pode-se eventualmente compreender lá na frente que o sistema americano é mais adequado. Mas não podemos deixar de reconhecer que esses espaços de interlocução são espaços que estão compreendidos dentro da abrangência do nosso sistema. Vou complementar toda essa resposta com um último ponto, que também acho relevante. Eventualmente, ainda que nada disso ocorresse, antes de constatar algum equívoco de atuação, é muito importante que haja um aperfeiçoamento. Esse é o tema que está faltando em todas as discussões que estão sendo realizadas em torno dessas conversas. É preciso aperfeiçoar o sistema, fortalecer instituições, inovar no processo penal, trazer inovações no que diz respeito ao combate e prevenção à corrupção, é isso que importa.

O senhor afasta a possibilidade de que tenha sido um membro da Lava-Jato que tenha vazado?
Completamente, por causa do contexto em que já houve menções nesse sentido, de que o hacker se passou, dentro de grupos, não só do MP, mas também do Conselho Nacional do Ministério Público, por pessoas que faziam parte dele, e começou a tentar coletar evidências, e participou, construiu diálogos e, eventualmente, quando foi notado, restou a evidência de que alguém se infiltrou ali de maneira absolutamente ilícita. Não há nenhuma possibilidade de isso ter sido feito fora desse contexto criminoso que precisa do repúdio de todos.

Qual é o efeito disso tudo para a Operação Lava-Jato? De que tamanho ela sai?
Há 23 anos, desde que entrei no MP, atuo nessa área (combate à corrupção). Vi uma imprensa mais livre, que divulga e contesta, vi a sociedade civil despertar, deixar a apatia de lado e se envolver pessoalmente com tudo o que a Lava-Jato representa. A corrupção é o problema mais grave do país, mas temos segurança, saúde e educação deficientes. Chegamos a um ciclo virtuoso com resultados visíveis, coisa impensável quando comecei aqui. Temos partes importantes cumprindo pena e sendo processadas… A Lava-Jato é a maior operação de combate à corrupção do mundo. Os números assustam. É um processo sem volta, o Brasil melhorou muito.

Um envolvido é ministro da Justiça. Isso não quebra a isonomia da Polícia Federal?
A PF tem dado provas de isenção, até com abertura de investigação contra o presidente da República. Vai cumprir seu papel, independentemente dos investigados.

Voltando à questão da lista e da Raquel Dodge, um observador mais atento poderia dizer que ela acabou desgastada e não foi indicada por ter sido contra os benefícios dos procuradores e pela questão do fundo da Lava-Jato…
O fundo seria gerido coletivamente, o Ministério Público teria apenas um assento nesse colegiado.

Mas a iniciativa foi do MP. Raquel Dodge fez movimentos fora da corporação. O senhor falou que a lista não é corporativista. Mas a categoria fez movimentos contra ela, a ponto de ela nem disputar a recondução.
Temos um mecanismo no nosso país. Nos últimos anos, recursos bilionários foram revertidos para pagamento de juros. Ou seja, não voltaram para a sociedade. O fundo em questão era apenas a tentativa de um novo mecanismo, algo que voltasse para a população. O Congresso até começou a discutir uma coisa semelhante, mais generalizada, um lugar ali para colocar o dinheiro da corrupção. Mas depois essa discussão acabou. É importante que valores bilionários, ao ser carreados, não sirvam para o pagamento de dívidas.

Há ativismo político no MP?
Como definir o ativismo político? Somos agentes políticos, proibidos pela Constituição de desenvolver atividades político-partidárias. O MP defende a sociedade, e é uma característica peculiar no Brasil, porque, no mundo todo, a função é apenas de acusador penal. No nosso país, o constituinte deu essa característica de defensor da sociedade… Meio ambiente, hipossuficientes, direitos humanos… Isso nos faz porta-vozes da sociedade nessas causas. Isso cria a necessidade de interlocução com as áreas envolvidas justamente para que o trabalho possa ser feito. Só poderemos atuar em torno dessas questões entendendo quais são as necessidades. Precisamos ter atuação em espaços políticos para que as causas sejam bem defendidas, fora ou dentro do Judiciário. Esse é o nosso perfil. A vedação é para manifestações de caráter político-partidário. Isso não existe e não pode ser tolerado.

Houve um movimento do primeiro da lista, que foi diretamente no Planalto, antes mesmo da ANPR. O senhor acha que foi precipitado?
É importante entregar a agenda ao presidente e não nos cabe fazer qualquer consideração sobre a movimentação dos três candidatos à vaga de procurador-geral. A lista vem de um processo transparente e aberto. Um dos três nomes atende amplamente ao MP. Um dos três nomes vai comandar essa instituição com apoio interno. Ninguém comanda uma instituição tão importante e complexa sem passar por um processo de diálogo. Isso faz com que nossa chefia possa, inclusive, mobilizar a instituição no cumprimento das funções.

Qual o cenário de uma escolha fora da lista?
É um cenário de muita dificuldade. Depois de 40 dias de campanha, debates em todas as regiões do país, os candidatos mostraram a cara e mostraram o que pensam. Foram acolhidos pela carreira inteira. Há uma expectativa muito grande de que a instituição continue fortalecida pela liderança de alguém que passou por um processo amplo como esse.

A saída do Janot provocou o início do desmonte da Lava-Jato?
A atuação do combate à corrupção vem numa ascendência. É claro que no momento em que, durante a gestão do Rodrigo Janot, se houve uma acusação, inclusive formal contra o presidente da República, se pode compreender que a carreira tinha dado as respostas efetivas no momento em que todas essas irregularidades vinham sendo anunciadas. A doutora Raquel tem uma outra forma de atuação, outra forma de ser. É muito discreta, tem outra forma de se comunicar e o tempo dela. Eu acho que é importante respeitar todas as compreensões que cada procurador-geral tem a respeito do seu momento.

A Lava-Jato exagerou em algum momento?
A gente considera a Lava-Jato como uma atuação de sucesso. Isso é reconhecido por todos. Seria impensado dizer ou não dizer que havia alguma falha. Agora, recentemente, saíram índices de aprovação altíssimos. Eu confio nos colegas da Lava-Jato. São dos melhores quadros da instituição.

Caso a lista seja desconsiderada, em relação ao trabalho das forças-tarefas, a Lava-Jato, ou futuras operações contra políticos, crimes de colarinho branco e o combate à corrupção podem ficar em xeque?
A lista tríplice é a garantia de que o combate à corrupção vai continuar.

Sua gestão será marcada por qual objetivo?
Vivemos um momento de crises, de dificuldades de diálogo, da obtenção de consenso e de polarização exacerbada. Temos que desenvolver todas as potencialidades possíveis para superá-las. O diálogo precisa ser exercitado no mundo e em nosso país. Constroem-se muros,  exaltam-se os muros. É preciso continuar criando pontes.

Se o governo optar em construir um muro em relação à lista tríplice. Quão difícil será essa relação entre os poderes?
As últimas eleições se caracterizam por dois temas. O combate à corrupção e a segurança pública. Em todas as manifestações do presidente, o tema de seguir a corrupção vem sendo explicitado. Ele sempre elogia o MPF nesse processo. É isso que nos faz crer que ele possa reconhecer os três nomes que a classe colocou. 
 
 


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