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Estado de Minas

Por que Bolsonaro aposta as fichas nas ruas

Manifestações de hoje são teste de força do presidente, que tenta se voltar para a base política em busca de apoios. Risco de desgaste está no cálculo de aliados e oposicionistas


postado em 26/05/2019 04:09 / atualizado em 26/05/2019 07:52

Bolsonaro foi orientado por assessores no Palácio do Planalto a manter distância das manifestações (foto: MAURO PIMENTEL/AFP)
Bolsonaro foi orientado por assessores no Palácio do Planalto a manter distância das manifestações (foto: MAURO PIMENTEL/AFP)

Brasíllia - Jair Bolsonaro pode até nunca ter sido apresentado a Max Weber (1864-1920), mas, mesmo de maneira intuitiva, parece ter absorvido o conceito de “democracia plebiscitária”, criada pelo sociólogo. As manifestações previstas para hoje, que têm a assinatura dos principais apoiadores do capitão reformado, são uma espécie de referendo dele mesmo e do governo. Assim como falava o pensador alemão, o presidente faz testes precoces para se sentir legitimado como homem de confiança das massas, tentando ser reconhecido como tal. É como se os manifestantes fossem reforçar o voto no líder. Os riscos são enormes.


O primeiro, e imediato, está num eventual fracasso relativo da manifestação – há poucas dúvidas de que a mobilização nas redes está alta, resta saber quantas pessoas vão aparecer. O segundo e o terceiro riscos podem se materializar mesmo se os protestos tomarem as ruas em favor de Bolsonaro. A questão é que os apoiadores podem estimular ainda mais o racha na base entre parte dos parlamentares do PSL e do Centrão — mais especificamente o pessoal do DEM, representados pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. Por último, há o risco de um protagonismo de grupos mais radicais, que abram frentes a favor do fechamento do Congresso e do Supremo.

“Bolsonaro se movimenta de maneira intuitiva, mas é possível ver que ele tem receio de decepcionar os eleitores mais fiéis e passe a ser visto com um líder fraco por fazer acordos com os políticos tradicionais. De certa forma é isso que o move neste momento”, diz Paulo Kramer, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB). “Max Weber falava do risco da democracia sem lideranças, pois o sistema seria dominado pelos burocratas, pelo baixo clero. Isso o presidente sacou, como também sacou o que representariam as manifestações de 2013.” A corda, porém, parece ter sido esticada antes do tempo. “Aí, se iniciou o jogo de quem pisca primeiro: Maia ou Bolsonaro”, afirma Kramer. A tensão está na capacidade do presidente em levar o povo à rua.

Desde os protestos de 15 de maio que mobilizaram 170 cidades brasileiras e da carta anônima divulgada pelo próprio presidente dois dias depois – onde podem ser lidos trechos como “o país é ingovernável fora dos conchavos” – que os aliados de Bolsonaro tentam reagir. E, assim, o presidente foi orientado pela entourage do Planalto a se afastar das manifestações. Mas a estratégia não tinha como dar certo, pois a mobilização começou a ser organizada depois da divulgação da carta divulgada de Bolsonaro e tem como principais apoiadores parlamentares do PSL, o partido do presidente. Assim, seja qual for o resultado de hoje e as consequências políticas do ato, tudo pode ser creditado na conta de Bolsonaro.

HISTÓRIA
A história brasileira tem alguns casos de protestos “chapa branca”, estimuladas pelos próprios presidentes para reforçarem apoios. Em 1945, ainda no Estado Novo, Getúlio Vargas acabou favorecido por manifestações favoráveis à SUA permanência no poder. Um dos casos mais emblemáticos foi o “Comício da Central”, na Praça da República, no Rio, em 13 de março de 1964. Cálculos feitos da época mostram que mais de 150 mil pessoas foram às ruas para ver o presidente João Goulart e o governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola. O contra-ataque da oposição chegou seis dias depois e se prolongou até 8 de junho daquele ano, com uma série de manifestações da “Marcha da família com Deus pela liberdade”. Por último, há o fatídico caso do chamamento de Fernando Collor para as pessoas invadirem as ruas de verde e amarelo. Deu tudo errado – o Brasil se vestiu de preto.

“Esses episódios estão inseridos em momentos de crises extremadas, quando os presidentes tentavam a rua como o último recurso”, diz Carlos Fico, um dos maiores historiadores do país, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Amigo do sociólogo Herbert de Souza (1935-1997), Fico lembra que a sugestão para que as pessoas vestissem preto foi de Betinho. “Ele mesmo ficou surpreso com a adesão das pessoas em usar o preto.” Para o historiador, Bolsonaro cometeu um erro ao estimular e apoiar as manifestações de hoje. “Ele não ganha nada, pois está no poder. O risco aliás é muito grande para ele. Foi uma grande bobagem, algo precipitado, com chances reais de reação das instituições e da própria oposição na rua, como ocorreu com as manifestações da Educação.”

 

 


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