(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Se quer ganhar, Haddad deve garantir que não soltará Lula, diz especialista

Para o professor de Harvard Steven Levitsky, candidato só tem chance caso se comprometa já a não interferir na prisão de seu mentor político


postado em 13/10/2018 13:45

O cientista político Steven Levitsky(foto: (foto: Suamy Beydoun/Agif/Folhapress - 9/8/18))
O cientista político Steven Levitsky (foto: (foto: Suamy Beydoun/Agif/Folhapress - 9/8/18))

O cientista político Steven Levitsky faz um alerta: os regimes democráticos correm perigo em vários países, incluindo o Brasil. Não se trata mais do perigo de tanques na rua ou de assassinatos políticos. As mudanças vêm aos poucos, explicam ele e Daniel Ziblatt no livro Como as democracias morrem, lançado no começo deste ano. Levitsky vê uma série de riscos no comportamento demonstrado na campanha pelo candidato Jair Bolsonaro (PSL).

A maior ameaça, caso ele seja eleito, alerta, é a redução da proteção de grupos como negros e gays. No caso de restrições à liberdade, ele não acha que Bolsonaro promoveria mudanças de imediato. Poderiam vir mais tarde, com a decretação de estado de emergência, no âmbito da guerra contra grupos criminosos .

Levitsky reconhece que as chances de Fernando Haddad (PT) vencer o segundo turno da eleição presidencial são pequenas. E dependem, diz, de o candidato e o PT se comprometerem com grandes sacrifícios. Em primeiro lugar, é preciso deixar claro, publicamente, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não receberá indulto presidencial.

Além disso, precisa fazer nos próximos dias acenos aos eleitores de centro e de centro-direita: anunciar juristas que serão nomeados para o Supremo Tribunal Federal (STF) em caso de vacância; e designar um nome de grande credibilidade para ministro da Fazenda, comprometido com uma política econômica que não seja a do PT.

É esperar demais do partido? “O novo governo não será do PT”, diz Levitsky. Ele acha que não pode haver preocupação com o fato de as alas à esquerda se sentirem frustradas com esses movimentos. “Essas pessoas não vão votar em Bolsonaro”, afirma. A seguir, as explicações do professor da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, para a situação que o Brasil atravessa.

O senhor mencionou que estamos em uma tempestade perfeita no Brasil, com crise econômica e escândalos de corrupção. Isso significa que as chances de Bolsonaro ser eleito são muito fortes?

A tempestade perfeita não garante Bolsonaro. Mas não há dúvidas de que os eleitores estão muito bravos a ponto de apoiar um candidato que é contra o sistema. É um momento em que a economia se encontra em dificuldades e toda a elite política está implicada em escândalos. Isso aumenta muito as chances de um candidato populista ter sucesso. De certa forma, é similar ao que houve na Venezuela no fim dos anos 1990. Havia a combinação de escândalos de corrupção e uma crise econômica de longa duração. Quando a economia está bem, os populistas não têm um desempenho tão favorável. Quando a confiança nos políticos está baixa, aí é que os populistas têm sucesso.

Se o resultado da eleição não é inevitável, o que o outro lado deve fazer se quiser ter sucesso?

O establishment político tem de ser muito cuidadoso para não deixar uma figura autoritária emergir. Até o primeiro turno da eleição, a elite política fez um trabalho relativamente bom na tentativa de isolar Bolsonaro, com exceção de Paulo Guedes. Poucos integrantes do establishment apoiaram Bolsonaro. Isso está mudando de modo dramático nesta campanha do segundo turno. Há um número grande de políticos apoiando o candidato. O que é necessário agora é todo o espectro político, da esquerda à direita, formar uma frente democrática contra Bolsonaro. Isso requer que políticos de centro e de centro direita percebam os riscos. Mas também é necessário que o PT faça enormes e dolorosas concessões para a centro direita, para recuperar um pouco da confiança. A elite política fez um trabalho muito bom no primeiro turno, e não tão bom agora, no segundo.

Quais concessões o PT deveria fazer?

Várias. O PT precisa reconhecer publicamente e pedir desculpas pelos fracassos dos últimos cinco anos. Deve assumir a responsabilidade pelos seus erros. Em segundo lugar, é necessário mostrar sinais claros de que impedirá a corrupção. Isso inclui Haddad se comprometer publicamente em não conceder o indulto presidencial a Lula, caso seja eleito. Ele também precisa dizer imediatamente quem seriam os nomes que indicaria para o Supremo Tribunal Federal no caso de aposentadoria de ministros, e esses nomes precisam ter credibilidade para as pessoas de centro e de centro direita. Além disso, precisa dar sinais de que será responsável na condução da economia, e de que promoverá uma política econômica que agrade às pessoas de centro e de centro direita. O partido precisa montar hoje a coalizão com que pretende governar, e isso inclui a escolha de um ministro da Fazenda com credibilidade. O PT precisa fazer algo especialmente doloroso: assumir que o novo governo não será do partido. Seu programa ficará para depois, de modo a salvar a democracia. É o único modo de evitar que Bolsonaro se torne presidente.

Um temor no PT é de que, se Haddad for muito para o centro e centro direita, corre o risco de perder os votos que já teve no primeiro turno. Isso faz sentido?

Eu não acho que pessoas que votaram para o PT votariam no Bolsonaro.

Sim, mas poderiam se abster ou votar em branco. Essa possibilidade não existe?

Há sempre algum risco. Mas o Bolsonaro chegou muito perto de ganhar a eleição no primeiro turno. É uma situação muito, muito difícil para o PT. Então, não há escolhas fáceis aqui.

Muito eleitores do Bolsonaro não acreditam que ele seria autoritário. Há chances de que ele realmente não venha a ser?

Ninguém pode prever o futuro. E ninguém pode ver dentro da alma de Bolsonaro. Não se sabe com certeza o que acontecerá. Tudo o que posso relatar é o resultado da pesquisa que eu e Daniel Ziblatt fizemos a respeito de dezenas de outros candidatos autoritários ao redor do mundo, na América Latina, na Europa e na Ásia. A esmagadora maioria dos candidatos que se apresentaram nas campanhas eleitorais como autoritários se comportou como tal depois do resultado das urnas. Há uma possibilidade de que Bolsonaro não seja assim. Mas a pesquisa demonstra que o discurso autoritário resulta em governos autoritários após o pleito.

Muitos brasileiros estão surpresos com o radicalismo do comportamento político de amigos e parentes, que pareciam muito razoáveis. Por que as pessoas têm se comportado diferentemente do que se imaginava?

É a polarização. Isso faz as pessoas aceitarem candidatos autoritários. O Brasil está intensamente polarizado hoje. Há intensa animosidade entre o PT e setores que são contra o PT, alguns de direita, alguns de centro. Há muita raiva do PT. E dentro do PT em relação aos rivais. A campanha eleitoral de 2014 foi muito acirrada. E o impeachment foi um processo que gerou muita divisão. Hoje, o país está muito mais polarizado do que em qualquer momento nas últimas décadas. A gente enxerga esse comportamento na Espanha na década de 1930, no Chile na de 1960 e 1970 ou, em alguns aspectos, nos Estados Unidos de hoje. A polarização é tão grande que cada lado vê o outro como a próxima grande ameaça. Muitas pessoas acreditam hoje, incorretamente, ressalto, que o PT é chavista. Acham que eleger o PT levaria à venezuelização do Brasil. Isso é subproduto de uma polarização muito intensa.

Há alguma relação entre isso e as mídias sociais, ainda que em outros momentos de polarização na história elas não estivessem presentes?

Sim. As mídias sociais exacerbam a polarização. Mas não criam a polarização, como podemos ver nesses exemplos citados na Espanha e no Chile. Elas são, portanto, uma causa secundária, não primária.

Quais os riscos para a democracia brasileira? É possível um longo ciclo autoritário?

De novo: a ciência política é ruim em previsões. É muito difícil dizer o que vai acontecer. Mas podemos afirmar que a democracia enfrentará os maiores riscos no Brasil desde os anos 1980. Correrá um risco real de colapso. É óbvio que o Brasil é muito diferente hoje do que era nos anos 1960, tanto do ponto de vista da sociedade quanto das instituições. Acho que os riscos de uma ditadura de duas décadas, como a que o Brasil viveu na segunda metade do século passado, não são tão altos. A chance maior é de se instalar o que eu chamo de um regime híbrido são maiores. Deve ser menos estável também. O que acho que o discurso do Bolsonaro sugere, e vejo com grandes chances de acontecer, é o aumento da vulnerabilidade de minorias, como gays, mulheres e negros. Eles, que tiveram enormes ganhos no período democrático das últimas décadas, são os que mais têm a perder.

Líderes mundiais ou a sociedade internacional como um todo poderiam se manifestar para impedir que isso ocorra?

O Brasil é um país muito grande. Se houver um golpe no Paraguai, as nações em volta podem pressionar para revertê-lo. Ninguém estará em uma posição para pressionar o Brasil. E o mundo é muito diferente hoje em relação ao que era 25 anos atrás. As potências mundiais não podem defender a democracia. A Europa está olhando para si, para seus próprios problemas. Do governo dos Estados Unidos hoje, com Trump, não se pode esperar defesa da democracia em outros países. Então, não espero pressão externa de nenhum tipo a favor da democracia no Brasil.

O senhor vê alguma influência da eleição de Trump na eleição brasileira atual?

Não sei. Acho que há um exagero nisso. As causas da ascensão do Bolsonaro são do próprio Brasil. É o fato de o país passar por dificuldades econômicas e políticas tão grandes.

Qual sua opinião sobre o papel do Judiciário do Brasil nos anos recentes?

De modo geral, acho que o Judiciário no Brasil tem feito um trabalho admirável, exceto nos casos em que os políticos têm foro privilegiado. O fato de terem aparentemente acelerado o processo de Lula para que ele não fosse candidato é algo que pode ter exacerbado a situação atual. Mas, em geral, estão fazendo seu papel. O Judiciário é o mensageiro, assim como a mídia. O problema é que os políticos se envolveram em um imenso processo de corrupção. As consequências do que temos hoje são, em grande medida, o fato de o Judiciário não ter agido anteriormente.

O senhor acha, então, que as chances de Haddad dependem do compromisso de não conceder indulto a Lula, certo?

A única chance de Haddad é ele ter todo o establishment político com ele, incluindo a direita democrática. O Brasil está dividido quanto à crença de que Lula era ou não corrupto, quanto a ele ser ou não mantido preso. É praticamente metade de cada lado. Haddad precisa do apoio de muitas pessoas que acreditam que Lula é corrupto e deve, sim, estar preso. E acham que o PT não é sério o bastante em relação ao combate à corrupção. Então, o único modo de conquistá-los é um compromisso de não conceder a Lula o indulto presidencial.

O senhor disse que haveria influência do eventual autoritarismo brasileiro em outros países da América Latina. Por quê?

Porque o Brasil é um país grande e influente. Muitas democracias latino-americanas estão em período de relativa crise atualmente. Poucas democracias latino-americanas estão realmente em boas condições hoje. O golpe de 1964 e a ditadura no Brasil desencadearam uma série de golpes na região. De novo: o Brasil não é o Paraguai. Se o Paraguai tem um golpe, as consequências são irrelevantes para a região. No caso do Brasil, é diferente.

O fato de outros países da região se tornarem autoritários pode ter um efeito reverso no Brasil também?

Sim. Mas não acho que Bolsonaro planeje um golpe de imediato. Caso faça com que a polícia e as Forças Armadas comecem a agir de modo mais violento e isso resulte em uma guerra com as gangues, com PCC e Comando Vermelho, isso poderia ser usado como uma desculpa para outro movimento, para um estado de emergência.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)