Jornal Estado de Minas

Polarização entre Bolsonaro e Haddad desperta polêmica do voto útil


Se, em tese, o voto deveria ser pautado pelas preferências políticas, nas eleições de 2018, a polarização na disputa pelo Palácio do Planalto entre a extrema direita de Jair Bolsonaro (PSL) e a esquerda de Fernando Haddad (PT), substituto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem levado o eleitor a considerar escolher não seu candidato favorito entre os 13 nomes que concorrem ao cargo. Em vez disso, pesa na avaliação votar no adversário capaz, segundo as pesquisas, de derrotar o concorrente que o eleitor mais repudia. A opção valeria, no caso, como voto contra Haddad ou Bolsonaro, que lideram a corrida presidencial. Comum no segundo turno, a prática, conhecida como voto útil, domina o primeiro turno do pleito e leva os demais candidatos a reagir. Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e Geraldo Alckmin (PSDB), que se distanciaram do segundo lugar, criticam essa estratégia eleitoral, numa tentativa de retomar a competitividade na corrida presidencial.

A última pesquisa do Ibope reforçou o quadro polarizado e a tendência de o eleitor votar estrategicamente, e não no candidato com quem mais se identifica. Segundo o instituto, 32% dos eleitores entendem como “muito alta” ou “alta” a probabilidade de escolher um nome que não seja o seu preferido com o intuito de impedir que outro candidato seja eleito.

Os números apontam que Bolsonaro lidera as intenções de voto, com 28% da preferência, crescendo dois pontos percentuais. Oficializado candidato no último dia 12, Haddad se consolida em segundo lugar, com 19% das intenções, 11 pontos em relação ao levantamento anterior. Ciro Gomes vem atrás, com 11% das intenções, seguido de Alckmin, 7%, e Marina, 6% – os três disputavam empatados o segundo lugar em outras pesquisas anteriores.
Ciro se manteve e Alckmin e Marina caíram dois e um ponto, respectivamente.



“A ideia do voto útil é não desperdiçar o voto em torno de quem não tem chance ou não ajudar a eleger alguém que o eleitor rejeita. O cálculo que o eleitor faz é de quem tem chances reais de ganhar”, explica o professor emérito de Ciências Políticas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Fábio Wanderley. “Por causa dessa polarização, muita gente se coloca contra eventual vitória do PT ou de Bolsonaro”, comenta.

Por causa dessa divisão e com o avanço de Haddad, Ciro vem acirrando as críticas ao PT, com a intenção de atrair eleitores de esquerda e consolidar seu nome na disputa de um segundo turno. Ele trata o voto útil como “insulto à experiência popular”. Ontem, ele lembrou em sua conta no Twitter as eleições de 2014, em que as pesquisas apontavam segundo turno entre Dilma Rouseff (PT) e Marina Silva. “O resultado das urnas foi completamente diferente, levando Aécio para o segundo turno, ao invés de Marina, como apontava o Ibope. Então, meu povo, a lição que fica é que nunca devemos transferir a nossa decisão e nosso entusiasmo para os institutos de pesquisa”, afirmou, reforçando ainda que as pesquisas internas do partido lhe deixam “muito animado”.

Na semana passada, ele disse em campanha que o brasileiro não merece ter que decidir entre um “fascista”, em referência a Bolsonaro, e as “enormes contradições do PT”.
“Até a reta final, ainda haverá muitos momentos de emoção e viradas”, apostou. Ele também argumenta que seu nome é o mais forte para derrotar Bolsonaro no segundo turno.

Em franca queda nas pesquisas eleitorais e em visita a Belo Horizonte, Marina Silva se posicionou contra os números e pediu para que o eleitor vote de acordo com suas convicções. “Os grandes partidos farão de tudo para que quem defina as eleições sejam as pesquisas. Vou fazer de tudo pra que quem defina seja a população”, afirmou.

'Estratégia pouco inteligente'

 

Na tentativa de levar o eleitor de Jair Bolsonaro (PSL) a migrar para sua candidatura, Geraldo Alckmin (PSDB) tem dito que eleitores que repudiam o PT podem estar garantindo a vitória do partido num eventual segundo turno entre Bolsonaro e Haddad. “Pode ser o inverso, pode ser um passaporte para a volta do PT, porque, no segundo turno, o Bolsonaro é o único que perde para o PT”, disse o tucano.

A pesquisa Ibope mostrou que, num eventual segundo turno, Bolsonaro fica tecnicamente empatado com Haddad, Ciro e Alckmin e ganha de Marina. Já Bolsonaro, que lidera a rejeição nas pesquisas, quer usar a lógica do chamado voto útil para definir a disputa no primeiro turno. “Bolsonaro pode estar a um Amoêdo ou a um Álvaro Dias de vencer no 1° turno, até pesquisas já começam a reconhecer”, postou no Twitter Flávio Bolsonaro, filho do deputado.

Os adversários em questão, João Amoêdo (Novo) e Álvaro Dias (Podemos), têm 2,8% e 1,9% das intenções de voto, respectivamente, segundo a pesquisa CNT/MDA. Em campanha no Rio ontem, Álvaro Dias tratou o voto útil como “estratégia pouco inteligente”.

“Quem defende o voto útil assina um atestado de burrice”, criticou. Contra o voto útil, Amoêdo usa como mote da campanha o “Vote sem medo”. “Pessoal, na pesquisa espontânea estamos à frente de Alckmin e Marina, com 3% das intenções de voto. Isso só reafirma que útil mesmo é o voto no candidato em que você acredita!”, postou o candidato nas suas redes sociais.

Com menos de 1% das intenções de voto, o candidato do Psol, Guilherme Boulos, comentou o fato de poder perder votos para Haddad como reação de parte dos eleitores ao medo de vitória de Bolsonaro. “Isso pode levar a uma ideia de não votar no projeto que acredita mais em nome de combater esse retrocesso tremendo que representa o Bolsonaro. Mas, agora, é sempre preciso lembrar o seguinte: a eleição é em dois turnos”, afirmou Boulos, colocando-se na disputa.

ANTIPOLÍTICA O cientista político Lucas Cunha, pesquisador do Centro de Estudos Legislativos (CEL), percebe tendência maior de antecipação do voto útil no primeiro turno nas eleições deste ano. “O eleitor tende a votar em quem está pontuando mais nas pesquisas. A eleição virou jogo plebiscitário entre o ‘sim’ e o ‘não’. Entre aqueles de extrema direita e insatisfeitos com os governo recentes contra o Lulismo e o campo progressista que tem aversão à Bolsonaro”, afirma.

Ele define que o pleito tem se configurado como “a eleição da antipolítica” e que demonstra um desgaste do sistema partidário brasileiro. “Quem lidera as pesquisas é um candidato de um partido nanico”, reforça.
O pesquisador não acredita, entretanto, que pesquisas sejam suficientes para determinar a eleição. “ A pesquisa influencia em parte, mas numa disputa presidencial, a campanha na TV, o rádio e a internet tem muito peso”, diz. Cunha lembra as eleições de 1989, em que a aposta era de que Leonel Brizola iria para um segundo turno contra Fernando Collor de Mello. Na última hora, ele acabou perdendo a vaga para Lula, que perdeu a eleição para Collor.

 

 

 

 

 

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