O economista André Lara Resende, um dos pais do Plano Real e colaborador da campanha de Marina Silva (Rede) à Presidência, acredita que "o apodrecimento da política brasileira" inviabilizou o funcionamento da economia do País. Ele foi o segundo entrevistado, ontem, da série Estadão FGV IBRE Os Economistas das Eleições, sabatinas com os profissionais responsáveis pelos programas econômicos de governo dos principais candidatos.
O próximo sabatinado será Gustavo Franco, responsável pelo programa de governo de João Amoêdo (Novo), na próxima quinta-feira. As inscrições estão abertas e podem ser feitas pelo site da FGV IBRE.
Na sabatina, Lara Resende afirmou que sua missão não é "eleger a Marina", mas pensar como ela vai governar se for eleita. Sobre a reforma da Previdência, disse que "deve ser atuarialmente viável, equilibrada e não prejudicar os mais desfavorecidos", mas não deu detalhes sobre a proposta. Ele acredita que a opinião pública vai ajudar a pressionar o Congresso a aprovar o ajuste da Previdência no próximo mandato. Segundo ele, a reforma só é impopular por ainda não ter sido explicada corretamente à população. "Uma reforma tão fundamental para a vida das pessoas não pode ser passada goela abaixo assim."
Como Marina, Lara Resende é crítico à Emenda Constitucional que estipulou um teto de gastos públicos, mas afirmou que não seria necessário mexer na medida no curto prazo.
A seguir, os principais trechos da entrevista conduzida pelos repórteres Celso Ming, Fábio Alves e Renata Agostini, e o pesquisador da FGV IBRE, Manuel Pires.
Para transformar o déficit fiscal em superávit, o senhor defende elevar impostos?
A carga tributária está no limite do tolerável e da disfuncionalidade. Portanto, não é possível aumentar os impostos. Tem de haver uma racionalização do sistema tributário e uma redução das despesas correntes. A elevação dos impostos tem sido a saída usada nas últimas décadas.
Como fazer a racionalização?
Há impostos indiretos altos, complexos, desonerações e subsídios. Ao rever essas desonerações e subsídios, aumenta a carga tributária. E, idealmente, simplificar esses impostos todos, começando pelo PIS/Cofins e caminhando na direção de um imposto de valor agregado único. Isso leva a racionalização do sistema tributário, o que pode até baixar os impostos. É impossível também você não defender a ideia de imposto sobre herança e doações, com um valor mínimo. A ideia de que uma família que tem uma casa só não poder passá-la para seus filhos sem pagar um imposto absurdo faz todo o sentido. Agora, a herança sobre grandes fortunas, aí sim.
Marina fala em fazer uma nova política. Essa nova liderança seria capaz de ter coalização para aprovar reformas?
A forma como se vem fazendo política desde a redemocratização do Brasil apodreceu. O mensalão e a Lava Jato demonstraram que o sistema estava muito mais corrompido e mais podre do que se imaginava. Isso cria um sentimento antipolítico, o que não é possível em um País democrático. A política tem de ser de novo percebida como saudável, de representação da opinião pública. Só se faz isso rompendo com essa lógica. É uma contradição dizer que não se faz reformas sem ter apoio dessas forças. Foram elas que paralisaram o Estado e inviabilizaram o funcionamento da economia através da captura de renda para setores corporativistas e patrimonialistas.
Mas como passar as reformas sem ter base no Congresso?
Se você faz um acordo antes de se eleger, a sua força é infinitamente menor quando assumir. A legitimidade dará a possibilidade de mudar o jogo no Congresso.
Sua aposta é que a pressão popular sobre o Congresso permitirá o avanço das medidas, que são impopulares. A reforma da Previdência não foi aprovada por isso.
A reforma da Previdência não era popular porque não foi explicada para a população, que não entendeu a proposta. As forças tecnocráticas queriam passar logo a reforma. E a forma de aprovar é fazer um acordo fisiológico com as forças de apoio de governo e colocar goela abaixo. Uma reforma tão fundamental para a vida das pessoas não pode ser passada goela abaixo assim. Ela precisa ser explicada e entendida.
Qual a sua reforma da Previdência?
Numa reforma da Previdência, existem vários parâmetros que podem ser modificados. Há muitas peças para chegar a um mesmo resultado. Não faz sentido vir com uma proposta específica e não negociar sobre isso.
Marina tem sido crítica ao teto de gastos. O sr. concorda?
Do ponto de vista de expectativa, o teto de gastos foi positivo. Só acho que, de novo, é uma concessão ao nosso formalismo. A ideia de que, se os problemas parecem difíceis de solucionar, cria-se uma lei, põe na Constituição. É simplesmente uma mistificação do formalismo legal e que gera camisas de forças complicadas e inviáveis na frente. Mas não acho que o teto de gastos seja um problema no próximo ano. Essa questão de revogar o teto não parece um problema imediato. Tem problemas mais sérios a serem tratados. Mas eu tenho simpatia por mudanças tributárias e fiscais.
O sr. já se disse a favor da privatização da Eletrobrás e a Marina se opõe.
Eu não acho que o Estado deve ser empresário. Mas, no Basil hoje, a Eletrobrás não pode ser privatizada sem um marco regulatório discutido. A privatização que Marina não apoia é a da geração de energia porque tem implicações ambientais muito sérias. O que está sendo discutido é a privatização da distribuição e as distribuidoras da Eletrobrás são deficitárias. Outras estatais, como a Petrobrás, são empresas simbólicas, concebidas como patrimônio do País. Antes de serem privatizadas é preciso consenso na opinião pública. Agora, a distribuição de petróleo e a exploração em parceria funcionam bem.
Como o senhor vê o debate da reforma trabalhista e o desemprego estrutural?
Emprego e crescimento econômico são relacionados. A legislação trabalhista do País era de uma inspiração fascista, getulista. Ela defendia os trabalhadores empregados, quando eles não tinham capacidade de barganha. Isso envelheceu e não foi revisto. A reforma trabalhista foi feita na direção correta, mas de forma atabalhoada e confusa. A ideia de permitir dar mais espaço para o acordado do que a legislação é importante. Mas ainda existem questões que precisam ser revistas..