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Estado de Minas

No lugar de templos, estacionamentos; especialistas culpam falta de fiscalização

Entre áreas e construções cedidos pelo governo federal a entidades religiosas há prédio com vagas para carros e sítio que abriga uma rádio. Ocupação de sem-teto é denunciada


postado em 20/05/2018 06:00 / atualizado em 20/05/2018 08:19

Igreja Presbiteriana de Sobradinho paga R$ 661,57 e R$ 989,18 pela área do templo e pela parte invadida(foto: Barbara Cabral/Esp. CB/D.A Press)
Igreja Presbiteriana de Sobradinho paga R$ 661,57 e R$ 989,18 pela área do templo e pela parte invadida (foto: Barbara Cabral/Esp. CB/D.A Press)

Entre os mais de mil imóveis da União ocupados por essas entidades de várias religiões e crenças, boa parte não é usada como templo. Exemplo disso são as 20 vagas que a Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária possui no estacionamento do edifício Topo do Rio, no centro da capital fluminense, pagando R$ 130 anuais de contribuição. Outro exemplo: os 19 apartamentos que diversas entidades ocupam em todo o país, entre elas a Benemérita Loja Maçônica Conciliação, que paga R$ 74,24 anualmente por um imóvel – avaliado pelo Ministério do Planejamento em R$ 3 mil. Há, ainda, uma chácara ocupada pela Federação Nacional da Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, em Brasília, cuja taxa é de R$ 944 por ano.

 

O professor de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), Linneu de Albuquerque Mello, explica que as distorções na cobrança das taxas pela União podem ser reflexo de uma desatualização dos valores dos imóveis. “Houve uma discussão, há alguns anos, sobre a possibilidade de se atualizar ou não os valores dos imóveis na cobrança de taxas. Mas, hoje, isso não vale mais”, explica. Para o professor, não há razão legal para os valores cobrados. “O que talvez esteja acontecendo é que o preço do imóvel não está sendo atualizado, mas não há nada que justifique uma contribuição de R$ 0,62 por ano”, aponta. “É preciso ponderar, também, que as taxas são cobradas pelo valor do que havia no terreno no momento da ocupação dele”, explica.

 

O advogado e mestre em direito público pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Flávio Boson atribui as ocorrências à falta de fiscalização. “É má gestão. É a mesma coisa que fez a União permitir que pessoas morassem no Edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou há poucos dias em São Paulo”, afirma. Para ele, a falta de fiscalização é uma tônica importante na questão. “A União tem muito patrimônio, o país é enorme e poucas pessoas o estão gerindo. No frigir dos ovos, isso é um dano ao bem público, de todas as formas. Dano pela depreciação dos imóveis, dano pela perda da propriedade deles e dano por ter uma arrecadação inferior ao que poderia arrecadar”, afirma.

 

Imunidade As taxas de ocupação e de aforamento não estão incluídas na “imunidade fiscal” que entidades religiosas possuem no Brasil, uma vez que não são impostos. Essa imunidade é garantida pelo item B do sexto inciso do artigo 150 da Constituição Federal, que determina que é vedado “à União, aos estados, Ao Distrito Federal e aos municípios” o poder de “instituir impostos sobre templos de qualquer culto”. Porém, esse benefício já foi questionado.

 

Um exemplo, como relata o professor Linneu de Albuquerque Mello, é a cidade do Rio de Janeiro que, durante o mandato do prefeito Cesar Maia, passou a cobrar impostos de qualquer área que não fosse especificamente o “templo” previsto na Constituição. De acordo com ele, espaços agregados, como dormitórios de sacerdotes ou bibliotecas, por exemplos, começaram a ser tributados. “Foi uma discussão enorme, o prefeito entendeu que tudo que não fosse o templo em si era passível de tarifação. Foi um deus-nos-acuda na época. IPTU foi cobrado de todas essas entidades”, conta.

 

Porém, a jurisprudência atual sobre a cobrança de impostos é favorável às igrejas. O entendimento de que não é possível tarifar qualquer patrimônio, renda ou serviço com fins religiosos vem sendo aplicado desde 2002. Na época, a Prefeitura de Jales (SP) havia tentado recolher impostos da diocese da cidade, uma entidade de caráter administrativo da Igreja Católica, e esta recorreu à justiça. O caso foi parar no STF e, no fim das contas, o plenário decidiu que a imunidade tributária ainda se aplicava. Desde então, essa é a maneira com a qual a Justiça lida com essa questão.

Falta de transparência

 

As informações, disponibilizadas pelo Ministério do Planejamento a partir do Portal da Transparência do governo federal, listam todos os imóveis que são de posse – integral ou parcial – da União e os responsáveis pelos mesmos. Não há, porém, uma relação clara entre quais imóveis são ocupados pelos responsáveis descritos e nem mesmo o endereço dos imóveis ou o número completo do CNPJ dos particulares que ocupam as terras públicas. Durante quatro meses, a reportagem tentou contato com o Ministério do Planejamento para que as informações – tanto em relação aos valores pagos por cada uma das entidades, quanto à localização desses imóveis – fossem repassadas. Somente quando a Lei de Acesso a Informação foi acionada a pasta liberou os dados.

 

Em nota, o ministério informou ao Estado de Minas, em um primeiro momento, que não podia divulgar os valores pagos por cada uma das entidades religiosas à União, que o processo de discriminação é demorado e que não havia pessoal suficiente para que as informações fossem prontamente disponibilizadas.

 

Além da falta de clareza nas informações divulgadas sobre os imóveis da União, há, também, a ausência de dados básicos para muitos deles. Dezessete não possuem CNPJ declarado e, em um dos casos, há apenas o nome “igreja” constando no banco de dados do Ministério do Planejamento sem quaisquer outras informações.

 

Terra ocupada e depois invadida

 

Uma das regiões com maior número de igrejas ocupando terrenos da União é o entorno de Brasília. Na região, há casos, inclusive, de moradores sem-teto que invadiram o terreno já ocupado por uma entidade religiosa. “A gestão anterior da igreja não teve interesse nesse terreno, então o local foi invadido”, conta o pastor Fábio Bezerra, que comanda a Primeira Igreja Presbiteriana em Sobradinho há 10 anos. A igreja ocupa dois terrenos e paga anualmente R$ 661,57 e R$ 989,18.

De acordo com o pastor, a União já foi avisada diversas vezes sobre a situação. “O grupo invadiu o terreno há 18 anos e construiu um condomínio com 10 casas, todas habitadas. Fiz questão de informar à União. Já fiz isso várias vezes, mas só agora, há dois anos, que a Secretaria moveu uma ação de expulsão deles”, relata. Ele afirma que no início, algumas pessoas ligadas à igreja moravam no terreno, mas já saíram.

 

“Uma foi passando pra outra, que passou para outra e perdemos o controle. A igreja tem a posse dos terrenos, mas não é dona”, conta. “Eu quero abrir mão do terreno invadido, mas já me disseram com todas as letras que não posso devolvê-lo, porque as pessoas estão morando nele”, afirma o religioso. O pastor explica que ainda paga a anuidade porque, caso a dívida não seja quitada, a igreja vai para a dívida ativa da União.

 

Idosos Em outro imóvel, funciona o Lar Batista Canaã, uma casa acolhedora de idosos cuja mensalidade é R$ 5 mil. Atualmente, quatro idosos vivem no local, que tem capacidade para 16 pessoas. O lar foi inaugurado na última segunda-feira, mas a ocupação aconteceu em 1996. O terreno de 21 mil metros quadrados, que é mantido pela Igreja Batista do Lago Norte, tem 702 metros de área construída e uma mansão que, de acordo com a coordenadora, que não quis ser identificada, foi construída pelos fiéis.

 

Nas informações fornecidas pelo Ministério do Planejamento, o valor avaliado do imóvel é de R$ 84.695,21. Tanto na escritura quanto nos registros da União, o nome de Helena Augusto Ludwing aparece como proprietária. Mas a coordenadora afirma que não foi ela quem doou o terreno à igreja. “Ela morou aqui muitos anos, mas a casa não foi dada pela União. Todas foram compradas de grileiros”, afirma. A coordenadora diz que o terreno é fruto da “boa ação de uma família” e que fazia parte, na década de 1960, de uma chácara que foi desapropriada. “Aqui é um combo negro de negociação de terra e, na minha opinião, é uma semvergonhice”.

 

Também existe em Brasília uma rádio da Federação Nacional da Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra. Ocupa um terreno da União. No local, há uma antena de rádio e um gerador de energia elétrica. A vizinhança relatou à reportagem que, depois da instalação da torre, o sinal de telefone piorou, mas não soube precisar o período quando ela foi construída. Apesar da tentativa de contato, ninguém respondeu. 


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