São Paulo – A aposentadoria de servidores de até 200 municípios brasileiros está sob risco. A estimativa é do próprio Ministério da Previdência, a partir de investigações realizadas pela Polícia Federal desde 2013.
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PF realiza operação Encilhamento contra fraudes de R$ 1,3 bilhão na PrevidênciaPLDO prevê déficit da Previdência em R$ 208,579 bi em 2019, diz PlanejamentoServidor acusado de desvio da Previdência parlamentar nega qualquer ilícitoAs investigações se referem aos regimes próprios de Previdência municipais, que são chamados de RPPS. Dos 5.570 municípios brasileiros, 2.089 mantêm esses programas de aposentadoria. Cada cidade nomeia um administrador para buscar a melhor forma de investir o dinheiro do servidor. Nas prefeituras envolvidas em fraudes, os valores são repassados a empresas de fachada, que investem em títulos podres. O administrador, em troca de comissão, esconde a real situação do investimento.
Uberlândia, no Triângulo Mineiro, é o caso mais emblemático entre os apurados pela PF.
“O servidor vai ter de aumentar a contribuição.” Mas a cidade mineira não está sozinha: Paulínia (SP) pode ter perdido R$ 192,3 milhões e Campos de Goytacazes (RJ), R$ 118 milhões, segundo a PF.
O subsecretário dos Regimes Próprios de Previdência Social do Ministério da Previdência, Narlon Gutierre, informou que os RPPS concentram hoje R$ 254 bilhões. Deste valor, cerca de R$ 140 bilhões estão investidos em aplicações de renda fixa – o alvo das fraudes.
Fontes próximas às investigações dizem que cerca de R$ 15 bilhões das aplicações em renda fixa podem estar hoje em títulos podres. O ministério não confirma o dado, mas Gutierre estima que entre 100 e 200 municípios estão envolvidos em fraudes. A estimativa é baseada nas apurações da PF e em auditorias do próprio governo.
Além da Encilhamento, as operações Fundo Perdido, Miqueias, Imprevidência e Naum também detectaram fraudes na Previdência de estados e municípios. A PF não comenta.
Pegos de surpresa pelas irregularidades, servidores afetados temem ser obrigados a ampliar contribuições para ter o acesso ao benefício que consideravam garantido. Nessa situação está José Santos, 46 anos, que trabalha há 23 anos na Prefeitura de Uberlândia. Ele soube pelos jornais que o fundo de pensão que contribui está envolvido em fraude. “Essa história de investimento podre me preocupou. Foi um choque”, disse. Com renda mensal de R$ 8 mil, Santos espera que a situação se reverta e não tenha que aumentar a contribuição, de 11% do seu salário.
A educadora Cláudia Nunes, 36 anos, de Uberlândia, trabalha para evitar perdas. “Mobilizei um grupo e cobramos dos vereadores uma solução.
Gestão de carteiras
A PF identificou oito fundos com essas características, além de listar 13 casas que faziam a gestão e administração das carteiras. Essas empresas se revezavam nos papéis de gestor e fiscalizador do dinheiro – dessa forma, as práticas fraudulentas eram facilitadas. Em alguns casos, os gestores dos fundos de Previdência nos municípios são suspeitos de participar do esquema. Em outros, de ter entregado os recursos por incapacidade de avaliar a qualidade das aplicações.
Esquema
Na Operação Encilhamento, a Polícia Federal identificou que fundos de investimento foram criados para desviar recursos de previdências de municípios e Estados. Foram identificados administradores, gestores e intermediadores que convenciam os institutos de Previdência a investir em empresas de fachada ou à beira da recuperação judicial - apostas com grande chance de calote.
A PF identificou oito fundos com essas características, além de listar 13 instituições que faziam a gestão e a administração das carteiras - como Gradual, Bridge e FMD. Essas empresas se revezavam nos papéis de gestor e fiscalizador do dinheiro - dessa forma, as práticas fraudulentas eram facilitadas.
Em alguns casos, os gestores dos fundos de Previdência nos municípios são suspeitos de participar do esquema. Em outros, de ter entregado os recursos por incapacidade de avaliar a qualidade das aplicações.
A Encilhamento aponta movimentação de, no mínimo, R$ 1,3 bilhão em títulos podres. Mas perdas das instituições de Previdência podem ultrapassar R$ 15 bilhões, conforme dados de outras operações realizadas desde 2013 pela PF, apurou a reportagem.
Casos
Um dos casos investigados é o da relação entre as gestoras Incentivo e Gradual.
A Incentivo teria dito que, além do conflito de interesses, a ITS@ era inativa e tinha o mesmo endereço da Gradual. A suspeita da PF é que a Gradual tenha usado o dinheiro para maquiar prejuízos de sua atividade de corretagem.
Operação semelhante envolveu a capitalização da ATG, empresa que pretendia lançar uma nova bolsa no Brasil, rival da B3, que nunca saiu do papel. A ATG foi criada por Arthur Machado, sócio da Bridge Investimentos, também apontada pela PF como parte no esquema para lesar previdências municipais.
O outro sócio da Bridge é José Carlos Oliveira, que comandou o BNY Mellon no Brasil por 15 anos, até 2013, quando foi desligado pelo banco. Machado e Oliveira já foram detidos em outras operações da PF relacionadas a fundos de pensão.
A Gradual, segundo as investigações, também teria usado dinheiro de aposentadorias para pagar uma dívida com a Bridge. Em 2015, a Bridge anunciou a compra da Gradual, mas desistiu do negócio. A Encilhamento aponta ainda que outra empresa possivelmente ligada à Gradual, a OAK, seria o novo nome da Solo, que cuidava do FIP Viaja Brasil, do doleiro Alberto Youssef, pivô da Lava Jato.
Ao identificar uma repetição dos atores envolvidos, a PF passou a apurar uma rede de desvio de recursos. E concluiu que a figura central, que faz a ponte entre os municípios e os gestores, seria Renato DeMatteo, hoje foragido. Ele é dono da gestora FMD, que chegou a gerir R$ 590 milhões em recursos dos RPPS. As investigações apontam que ele tinha contatos para acessar os responsáveis pelas aposentadorias de municípios e convencê-los a fazer investimentos arriscados.
Defesas
A Gradual não quis dar entrevista. Fontes próximas à empresa, porém, dizem que a Incentivo concordou com a compra das debêntures da ITS@, mas teria pedido comissão em troca, que ela teria se recusado a pagar.
Procurada, a Incentivo não quis comentar, pois as investigações sobre o pedido de inquérito feito por ela em 2016 estão em curso.
Em nota, Gilmar Machado, ex-prefeito de Uberlândia, disse que todas as aplicações foram feitas pelo gestor da época e fiscalizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).