Jornal Estado de Minas

Sem doações de empresas, candidatos fazem corrida por trocados na internet

Pela primeira vez, campanhas políticas para presidente, governadores, senadores e deputados não poderão contar com doações de empresas, proibição que começou a valer nas eleições para prefeito e vereadores de 2016. Com campanhas minguadas, a experiência do último pleito mostrou que conseguir dinheiro é tão difícil quanto ser eleito. Na tentativa de facilitar a arrecadação, a partir de 15 de maio, começa a ser testada uma alternativa para doações: os sites de crowdfunding, o chamado financiamento coletivo. As plataformas virtuais farão a ponte entre os eleitores interessados em contribuir e as contas de seus respectivos candidatos.

Outra novidade deste ano é que a arrecadação de fundos para financiar as campanhas começará antecipadamente. A partir de hoje, empresas interessadas em fazer essa ligação entre eleitores e políticos podem se registrar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No próximo dia 15, os candidatos poderão começar a receber as doações. Elas têm início antes mesmo do registro dos candidatos, que vai até 15 de agosto, dando largada ao período de campanha.

Esses sites já são amplamente usados para financiar projetos, inciativas culturais, ações filantrópicas, entre outros, mas este ano será o pontapé do uso dessa modalidade na política brasileira. A partir das eleições de 2014, candidatos chegaram a usar essas plataformas, focadas, entretanto, em ações específicas.

Apoiadores de Dilma Rousseff (PT), por exemplo, criaram campanha para arrecadar fundos para as viagens da então presidente afastada pelo Brasil. Em apenas dois dias, foram doados R$ 500 mil.

A campanha do ex-presidente Barack Obama, nas eleições de 2008, talvez seja o exemplo mais famoso e bem-sucedido do uso do crowdfunding. O democrata conseguiu arrecadar perto de US$ 750 milhões na internet, superando o montante que os demais candidatos receberam de doações privadas. Para se ter uma ideia, segundo o TSE, 83,98% dos R$ 294 milhões recebidos pela ex-presidente Dilma em 2010 vieram de pessoas jurídicas, situação que se repetiu em 2014 entre a grande maioria dos candidatos.

Por causa disso, a adesão à nova modalidade no Brasil ainda é um mistério, mas atraiu os principais sites de crowdfunding. O Vakinha, uma das maiores plataformas do tipo no país, já recebeu o pré-cadastro de mais de 500 campanhas no site que criou especificamente para as contribuições para campanhas políticas, o Doação Legal.

“O dinheiro vai ficar bloqueado e só será liberado depois que o partido político efetivamente se registrar perante a Justiça eleitoral. Aí, sim, é feita a transferência para a conta do candidato. Se no meio do caminho ocorrer algum problema e ele não concorrer, a empresa de crowdfunding devolve os valores para quem doou”, explica o secretário de Gestão da Informação e de Atos Partidários do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), Diogo Cruvinel.

OPORTUNIDADE


Inicialmente, o Vakinha, que já acumulou mais de R$ 100 milhões em 60 mil campanhas não eleitorais, cogitou não se enveredar na área de financiamento de campanha.
“Mas, depois, vimos ser uma oportunidade de o Brasil mudar essa forma de fazer política. Os candidatos serão eleitos com o dinheiro dos seus próprios eleitores”, afirma Cristiano Meditsch, diretor de Marketing do site. “São 25 mil candidatos e a grande maioria vai participar, mas é extremamente novo no Brasil, por isso, ficamos um pouco no escuro”, diz.

Para barrar fraudes, a plataforma está adotando uma série de mecanismos de controle, entre elas a verificação se há muitas doações vindas de um mesmo computador. Outra medida que visa evitar falsos candidatos é a cobrança de taxa para a criação da página, no valor de R$ 49,90. O TSE exige medidas de segurança, entre elas a especificação do CPF do doador, que pode contribuir com até 10% da renda declarada.

O site Kickante, outro gigante do financiamento coletivo, também se enveredou na seara política. A CEO da Kickante, Candice Pascoal, considera ser ainda cedo para falar em números de adeptos, mas aposta em crescimento gradual. “Temos recebido uma procura média de um ou dois partidos por dia em busca de informações sobre o financiamento coletivo”, afirma Candice.

O site também se cercou de soluções tecnológicas para impedir a fraude, além dos procedimentos exigidos pelo TSE, como verificação de dados do CPF. Ainda há alguns pontos que são dúvida no uso da plataforma, como a permissão de que cada candidato tenha campanhas em mais de uma plataforma.
Candice acredita não ser recomendado, pois confundiria o eleitor.

Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG), Flávio Freire avalia como positiva a adoção do financiamento virtual. “É uma facilidade para o eleitor doar. Quando você amplia a possibilidade de busca de arrecadação, tende a diminuir o caixa 2. É uma alternativa”, comenta.

O especialista ressalta, porém, que 2018 será a prova de fogo para a modalidade e reconhece que pontos espinhosos para fraude continuam mesmo com a nova alternativa. “A eleição de 2016 proibiu a doação de pessoa jurídica e as campanhas foram magérrimas. Agora é um teste. As pessoas isentas de declarar o Imposto de Renda podem doar 10% da isenção. Mas isso é uma situação que não tem muito controle. Ainda existem falhas e isso não é só no crowdfunding”, diz.

O que diz a lei

Resolução 23.553, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

Artigo 23 – Entidades que promovam essa técnica de arrecadação (financiamento coletivo) devem observar os seguintes requisitos:

a) cadastro prévio na Justiça Eleitoral pela instituição arrecadadora;
b) identificação obrigatória, com o nome completo e o número do CPF de cada um dos doadores, o valor das quantias doadas individualmente, forma de pagamento e as datas das respectivas doações;
c) disponibilização em sites de lista com identificação dos doadores e das respectivas quantias doadas, a ser atualizada instantaneamente a cada nova doação, cujo endereço eletrônico, bem como a identificação da instituição arrecadadora, devem ser informados à Justiça Eleitoral;
d) emissão obrigatória de recibo para o doador, relativo a cada doação realizada, sob a responsabilidade da entidade arrecadadora;
e) envio imediato para a Justiça Eleitoral e para o candidato de todas as informações relativas à doação;
f) ampla ciência a candidatos e eleitores acerca das taxas administrativas a serem cobradas pela realização do serviço;
g) não incidência em quaisquer das hipóteses de vedação listadas no art. 33 da Resolução TSE nº 23.553;
h) observância do Calendário Eleitoral para arrecadação de recursos
i) observância dos dispositivos da legislação eleitoral relacionados à propaganda na internet.

Artigo 33 – É vedado a partido político e a candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I – pessoas jurídicas;
II – origem estrangeira;
III – pessoa física que exerça atividade comercial decorrente de permissão pública..