Jornal Estado de Minas

Especialistas debatem: o Brasil pode eleger um Trump em 2018?


Tão logo Donald Trump se elegeu presidente dos Estados Unidos, há um ano, começaram especulações sobre um possível “efeito Trump” capaz de influenciar as eleições ao redor do planeta e favorecer candidatos do mesmo perfil. Com a chegada de 2018, ano eleitoral no Brasil, e cenário político ainda nebuloso, crescem rumores sobre a ascensão de nome à imagem e semelhança do bilionário republicano para ocupar o Palácio do Planalto, como parte da onda conservadora que atinge o mundo. O país pode mesmo ter um “Trump brasileiro” vestindo a faixa presidencial verde-amarela?

A lista de candidatos nesse contorno já passou pelo empresário e prefeito de São Paulo Joao Doria (PSDB), pelo apresentador de TV Luciano Huck, que se retirou da disputa, até o sempre cotado deputado federal Jair Bolsonaro (PSC), único com a pré-candidatura lançada. Mas, na avaliação de especialistas americanos e brasileiros ouvidos pelo Estado de Minas, o contexto político-econômico dos EUA e do Brasil são muito distintos para uma análise simplista de que Trump, em sua versão canarinho, vem por aí.

Sem pudor nas palavras, em novembro de 2016, o norte-americano desbancou políticos profissionais com um currículo de celebridade, elegendo-se presidente da maior potência mundial. Nascido rico, o republicano, dono de fortuna superior a US$ 3 bilhões, multiplicou herança como incorporador de imóveis. A fama chegou mesmo depois de apresentar o reality show “O Aprendiz”, em que selecionava um executivo para trabalhar em suas organizações. O magnata acabou convencendo fora do meio político ao se apresentar como empresário de sucesso e defensor de posições conservadoras, a favor do armamento, homofóbico e nacionalista.

Fato é que, a cada momento, Trump é relacionado a um possível candidato brasileiro. A associação mais comum é com Jair Bolsonaro, ex-militar de ideias conservadoras e discurso duro contra a corrupção.
Cotado a vice na chapa do tucano Geraldo Alckmin (PSDB), o prefeito de São Paulo Joao Doria também já foi comparado ao presidente norte-americano. Também empresário, Doria apresentou a edição brasileira de “O Aprendiz” e elegeu-se prefeito a partir da promessa de levar a eficiência na gestão da iniciativa privada para o poder público.

O apresentador de TV Luciano Huck, que já afastou a chance de se candidatar, foi um dos nomes fortes apontados para ocupar a presidência. Assim como Trump, Huck é um “outsider”, figura fora do jogo político, e estava sendo tratado como nome forte para disputar o cargo. Na pegada do empresário bem-sucedido, quem vem ensaiando se lançar candidato é Flávio Rocha, dono da rede de lojas Riachuelo, um dos maiores grupos do país. Rocha, que já foi deputado federal nos anos 1980, está à frente do movimento Brasil 200, criado para “pautar agenda política liberal no campo econômico e conservadora no que diz respeito a costumes”.

INDEFINIÇÃO Para a cientista política do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Aline Burni, pesquisadora visitante da New York University, apesar das especulações, é cedo para previsões sobre um futuro Trump brasileiro. “As eleições são um jogo em duas etapas: primeiro, a coordenação e a articulação de elites políticas e, depois, a escolha do eleitorado. Por enquanto, esse cenário não está definido.
Qualquer coisa pode acontecer. Tem que esperar o momento de decisão das candidaturas para ter noção mais realista”, afirma.

O prazo para filiação partidária se encerra apenas em 7 de abril, quando o quadro eleitoral de outubro deve ficar mais claro. Para além disso, a pesquisadora destaca que o contexto de Estados Unidos e Brasil são diferentes, o que exige cuidado na análise. “Falar em um efeito Trump é muito simplista. Os dois países têm sistemas políticos muito diferentes. O Brasil é uma democracia jovem com partidos não tão consolidados quanto na Europa e nos EUA”, diz. Ao contrário daqui, nos Estados Unidos, o voto não é obrigatório e o sistema eleitoral é indireto.

Ou seja, apesar de o republicano ter vencido, foi a democrata Hillary Clinton quem recebeu a maioria dos votos populares – 65,8 milhões, contra 62,9 milhões do republicano. O resultado, entretanto, foi decidido por quem teve a maioria dos votos do Colégio Eleitoral.
Com isso, Trump conseguiu 306 votos contra 232 de Hillary. E ganhou. Os 538 representantes se pautam normalmente pelos votos dos eleitores no seu estado e o candidato vencedor no estado leva todos os votos dos representantes.

Se o sistema eleitoral afasta as duas nações, a descrença em relação a partidos políticos os aproxima. “Há uma frustração em relação aos partidos políticos. Eles representam realmente o que está nos bolsos deles”, diz a estudante de ciências sociais Zoe Doria, de 20 anos. Ela mora em Cincinnati, estado de Ohio, um dos que ajudou a eleger Trump e sempre comparece nos protestos contra o republicano, cujos eleitores se concentram fora dos centros urbanos, cooptados por um discurso nacionalista e xenófobo de Trump.

CONSERVADOR “Essa onda conservadora, nos Estados Unidos, tem a ver com muitos eleitores que perderam emprego e ficaram descontentes. No Brasil, a revolta está mais relacionada à corrupção. Agora, nos EUA, houve também outros aspectos que elegeram o Trump, como a manipulação eleitoral russa e o problema do machismo em relação à Hillary”, afirma o norte-americano David Fleischer, professor emérito de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB). Ele escreve semanalmente sobre política brasileira para o boletim americano Brazil Focus, do Brazil Iniciative, grupo da George Washington University.

Embora o Brasil também sustente alta taxa de desemprego – 12,2%, com 12,7 milhões de desempregados –, para Fleischer, a similaridade mais marcante entre os dois países seria a busca dos eleitores por um “outsider”, mas ainda longe de ser desenhada diante das indefinições de candidaturas. “Está difícil.
Não sabemos se vamos ter Lula ou não disputando as eleições. A candidatura de Bolsonaro é puramente anti-Lula, e, se Lula desaparecer, o balão de Bolsonaro vai esvaziar. Não sabemos exatamente o que vai acontecer”, diz.

A diretora-assistente do Centro Latino-Americano Adrienne Arsht, ligado à organização de liderança e relações internacionais Atlantic Council, sediada em Washington, Roberta Braga, consegue enxergar tendências semelhantes entre os dois países. “A primeira é a crise de confiança. Os EUA viram ameaça do uso de armas nucleares, perda da força de setores industriais, as notícias falsas. No Brasil, a crise vem mais por causa da corrupção, o que leva os eleitores a procurarem por um outsider”, diz.

Roberta observa que 2018 será um ano crucial para a América Latina, com eleições em diversos países. “Vários países, entre eles Colômbia, Venezuela, México, Brasil, terão eleições em 2018 e depois desse resultado poderemos ver se o mundo está mudando”, comenta. Na aposta da pesquisadora Aline Burni, o Brasil caminha para um governo mais conservador. “É uma demanda que está crescendo e candidatos vão conseguir responder à ela. Existe uma reação a políticas inclusivas dos governos passados.
Setores mais privilegiados se sentem ameaçados a perder direitos e espaço”, diz.

 

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