O general Walter Souza Braga Netto, responsável pela segurança pública do Rio de Janeiro, apresentará nesta semana o plano de ação para a intervenção federal no estado. Por enquanto, ainda não foram divulgados detalhes sobre operações, orçamento e estratégias, o que tem deixado apreensiva parte da população fluminense, que ainda não entende, na prática, como será a atuação dos militares. Diante da medida inédita tomada pelo governo federal, a reportagem buscou especialistas em diversos setores para mostrar por quais pontos fundamentais caminha a solução para a redução da violência.
Leia Mais
Maia lança no Rio Observatório para acompanhar ações da intervenção no EstadoComando Militar prepara reivindicações para uso de tropas na intervenção do RioBraga Netto cria 'gabinete de intervenção federal' e indica general como chefe“Atualmente, cada um interpreta a lei de um jeito e faz como quer. Não há integração, conversa. Todo mundo quica a bola e ninguém chuta. São coisas muito práticas que não são feitas porque ninguém se acha responsável por aquilo.
A ideia de união de forças também é defendida no Congresso. O Parlamento abraçou, neste ano eleitoral, a iniciativa do governo federal e colocou a agenda da segurança pública na prioridade. O presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), defende a criação de um sistema nacional para a segurança pública.
Coordenador da Frente Parlamentar pela Prevenção à Violência e Redução dos Homicídios, o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) comenta que o Congresso precisa atuar em duas frentes para contribuir com o debate: a prevenção e a reprensão. Na primeira, a ideia é o investimento em projetos de educação, cultura, esporte e lazer para evitar que jovens cedam ao caminho da violência. A segunda propõe uma revisão e reequilíbrio das penas. “Precisamos punir com penas mais duras os crimes mais graves, que atentam contra a vida. E verificar se não há penas exageradas para crimes sem violência”, sugere Molon.
PRESÍDIOS A situação da população carcerária também está na lista de prioridades do setor. Cadeias superlotadas e dominadas por facções criminosas têm influência direta na violência fora dos muros. E nesse ponto, o Judiciário é parte central do problema e, muitas vezes, fica de fora do debate. Mais de 40% dos presos no Brasil são provisórios e a superlotação nas penitenciárias passa pela morosidade da Justiça.
“A força do crime organizado está nas prisões.
A reestruturação das polícias também faz parte do pacote segurança. Uma das principais preocupações de generais das Forças Armadas é como será a coordenação das polícias civil e militar do Rio de Janeiro e de onde virá o dinheiro para aparelhá-las da maneira mais adequada – o quadro é de total falência, com atrasos de salários, falta de colete salva-vidas para todos e até gasolina para colocar nas viaturas. “Não se faz segurança pública com polícia, se faz com política. É preciso abandonar a ideia de política de segurança pública e passar a incorporar a ideia da política pública de segurança, como é feito com a saúde e a educação”, resume o ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e professor da Universidade de Brasília Arthur Trindade.
Tráfico na pauta
Para Bruno Borges, sociólogo da Universidade de Brasília, a política atual é ambígua: facilita a criminalização do porte e tráfico de drogas e não reduz a venda e o consumo. “A política de guerra às drogas não gera efeito de redução da violência. A discussão passa por um debate moral, mas precisa dar espaço à discussão de políticas públicas. A legislação está ampliando a população carcerária”, afirma.
O debate em todo o mundo tem levado alguns países a repensar a forma como lidar com a questão.
Em entrevista na última quarta-feira, o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, disse ser contra a flexibilização e defendeu um combate mais rigoroso aos entorpecentes, inclusive com a internação compulsória de usuários. “Se não tiver nenhum tipo de pena, para ele vai ser muito tranquilo: botar a droga no bolso, ir para a escola, distribuir aos amigos, fumarem juntos e tal.”
Exploração da bancada
A bancada da bala no Congresso aproveitou o momento para retirar da gaveta o Projeto de Lei 3.722/15, que pretende extinguir o Estatuto do Desarmamento e criar um Estatuto de Controle de Armas de Fogo, que permita ao cidadão sem antecedentes criminais portar uma arma. Tema de polêmica desde 2015, quando foi aprovado em comissão especial, o projeto será levado a plenário nesta semana. Com o aval e apoio do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF) prepara um texto mais “palatável”. Para os defensores da ideia, a arma dará ao cidadão a possibilidade de se defender, mas um manifesto assinado por 56 especialistas em segurança pública nacionais e internacionais indica que quanto mais armas nas ruas, mais mortes.
“Não tem como falar de segurança sem falar disso. Precisamos aumentar o controle em relação às armas e não flexibilizar.
Observatório vai monitorar ações
Rio – O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, lançou ontem, no Rio de Janeiro, para prefeitos, secretários e políticos do estado, o Observatório Legislativo da Intervenção Federal da Segurança Pública do Estado do Rio. A ideia é acompanhar de perto a intervenção decretada no dia 16, dando transparência aos dados que serão produzidos pelo Exército, como prisões e operações, e acompanhando o orçamento destinado.
“O planejamento (da intervenção) ainda está sendo elaborado. Queremos que saia o mais rápido possível, porque não podemos ficar nesse limbo, de ter a intervenção, mas não ter o planejamento”, disse Maia ao encerrar o evento, que lotou o auditório de um hotel na zona sul do Rio.
Perguntado se a ação realizada pelo Exército na sexta-feira, de fotografar e fichar os moradores de três favelas do Rio, não seria um abuso contra os direitos humanos, Maia se esquivou dizendo que “é muito perigoso criticar a operação no seu início”, mas afirmou que assim que o Observatório for instalado, na próxima quinta-feira, as ações da intervenção serão analisadas e se tiver havido abuso, “a denúncia será encaminhada para órgãos competentes”.
Ele afirmou que o estado “não está sofrendo um momento de restrição de direitos” e que a população “acha positiva” a intervenção. “Não é ele (estado) que impede o direito de ir e vir delas (pessoas), é o tráfico”, concluiu. Maia não soube informar quantas pessoas formarão o Observatório, mas garantiu que será composto apenas por servidores federais, que ficarão sediados no Rio de Janeiro. Além da fiscalização da intervenção, o grupo vai acompanhar a situação da educação e da saúde do Rio, para diagnosticar como esses setores podem melhorar, evitando que o “jovem vá para o tráfico”, nas palavras de Maia.
Mais cedo, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirmou que políticos fluminenses vão formar também uma comissão externa para fiscalizar a intervenção, e criticou o comportamento do Exército até o momento. “Não tem planejamento, o decreto (da intervenção) é um cheque em branco para as Forças Armadas. Vamos acompanhar e denunciar qualquer abuso”, disse a jornalistas.
.