O país celebrou nessa terça-feira (9) os 137 anos da primeira reforma eleitoral. Relatada pelo então deputado Ruy Barbosa, a chamada Lei Saraiva instituiu, em 1881, o voto direto no Brasil, criou o título de eleitor, mas excluiu os analfabetos do processo — maioria da população na época. E, desde então, como um cubo mágico, o país tenta ajustar o sistema político-eleitoral: conserta de um lado e atrapalha do outro.
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Barroso: nova denúncia contra Temer confirmaria que sistema político funciona mal'Há um acordo de autodefesa do sistema político contra o Judiciário'Herman: ações sob julgamento 'são filhas de sistema político-eleitoral falido'“A intenção de Ruy Barbosa era democrática. Ele queria abolir a distinção dos dois níveis e definir o voto universal. Havia uma pressão muito grande.
“Aumentou a participação dos eleitores, mas excluiu uma parcela muito grande da população. Pior, o acesso à educação passou a ser usado como forma de exclusão eleitoral. A lei acabou reforçando o coronelismo”, afirma Saraiva. O professor explica que uma das intenções era formar cidadãos ativos e combativos, massificar a educação pública, mas a realidade acabou sendo muito mais complexa.
Na opinião do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, a Lei Saraiva foi um marco importante na história eleitoral do Brasil. Ele destaca que, de lá para cá, foram muitos os avanços em termos de democracia. “Precisamos considerar que tivemos dois períodos de interrupção democrática, de 1937 a 1945 e de 1964 a 1985. Pagamos um preço alto por isso e temos sequelas graves que estão sendo corrigidas. É um processo lento e difícil, de amadurecimento mesmo”, comenta.
Para Mendes, o Judiciário também contribuiu de maneira “infeliz” para a história eleitoral do Brasil, ao derrubar a cláusula de barreira, em 2006, e o financiamento empresarial das campanhas eleitorais em 2015, por exemplo. “O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a lei aprovada pelo Congresso e contribuiu para a multiplicação de partidos e para todo esse artificialismo e distorção.
O professor de direito eleitoral da FGV-Rio de Janeiro Michael Mohallem concorda com a avaliação do ministro sobre as intervenções do Judiciário e acrescenta ainda a decisão dos magistrados sobre a fidelidade partidária, dando aos parlamentares a possibilidade de trocar de partido sem perder o mandato, desde que seja para uma nova sigla. “Isso abriu mais uma brecha para a fragmentação partidária. Hoje, é mais fácil criar um partido, que precisa de 500 mil assinaturas, do que emplacar um projeto de iniciativa popular no Congresso, que precisa de 2 milhões”, compara.
Dificuldade
Relator da mais nova reforma eleitoral, aprovada às pressas no ano passado para valer em 2018, o deputado federal Vicente Cândido (PT-SP) não esconde a frustração a respeito do resultado final do texto. Para ele, o sistema eleitoral brasileiro ainda precisa melhorar em 80%. “A estrutura cria uma disputa desigual. Se não mudar o sistema de votação, o Brasil continuará a ter a campanha mais cara do planeta. Tudo continuará sendo caro e excludente. É o sistema mais bagunçado do mundo”, critica.
Cândido relata que um dos principais problemas das reformas políticas do Brasil é que são feitas por quem pode tirar vantagens delas.