Jornal Estado de Minas

Plebiscitos, recall e outras formas de democracia direta são raros no Brasil


Brasília –
O país vive seu mais longo período de estabilidade democrática: 32 anos. Ao longo deste tempo, contudo, passou por dois processos de impeachment presidenciais — Fernando Collor de Melo e Dilma Rousseff — e não aprendeu ainda a escutar a voz do povo, a não ser nos períodos eleitorais, que se intercalam a cada quatro anos. Mecanismos como referendos, plebiscitos, recall e democracia direta — tão comuns e eficientes em outros países — são quase anomalias absurdas por aqui. “Somos uma democracia ainda recente e frágil. Abrir todas as decisões é algo ainda impensável e ainda não surtiria efeito”, crava o especialista em marketing digital Marcelo Vitorino.

Para ele, o país ainda não está preparado para vivenciar experiências como a da Suíça, por exemplo, onde a população recebe, com frequência, os projetos de lei que serão apreciados para definir quais deseja que se transformem efetivamente em leis. Vitorino acrescenta que, por ser um país com pouca experiência democrática, a qualidade do voto é mais frágil. Acrescenta que não vai nessa análise nenhum preconceito e, sim, uma constatação. “Precisamos errar e acertar nas eleições para amadurecer a democracia e as respectivas formas de cobrar nossos governantes”, completa.


Outro exemplo citado por ele é um aplicativo existente nos Estados Unidos chamado I Citizen.
Por ele, um morador de uma cidade pode apontar um problema que considera importante que seja solucionado. Por geoprocessamento, outros usuários do aplicativo podem referendar a reclamação, que chega às autoridades locais, e estas se comprometem a solucionar a questão. “Aqui ainda terceirizamos as reclamações. As organizações não governamentais (ONGs), por exemplo, que deveriam promover esse canal de interlocução, acabam se ‘pendurando’ em financiamentos públicos e isenções fiscais e perdem suas características”, completou.

O professor de ciência política e sociologia do Ibmec-MG Lucas Rodrigues Azambuja acrescenta que, para os brasileiros médios, as questões que mais importam são emprego, lazer e família. “Por isso, eles acabam transferindo para associações de moradores e militantes políticos financiados pelas legendas a tarefa de discutir os problemas da comunidade. Uma minoria abre mão da manhã de sábado para discutir o orçamento local”, completou Lucas.

A própria estrutura do poder no Brasil dificulta uma participação popular mais efetiva. Apesar de se apresentar como uma república federativa, a força política e econômica do país ainda está muito concentrada na União, deixando pouco espaço para a atuação de estados e municípios.
“Nos Estados Unidos e na Suíça, por exemplo, a força dos condados e cantões — as unidades municipais de lá — é muito maior”, comparou. Os americanos têm leis específicas por estado, podendo definir a adoção de penas de morte ou legislação tributária. No caso da Suíça, os diversos cantões têm moeda e exércitos próprios.

“Por aqui, as principais decisões precisam passar pela União, o que torna mais difícil uma decisão envolvendo mais de 100 milhões de eleitores”, justificou Lucas. Ele afirma que esta estrutura centralizadora, típica na América Latina e de outros países como Itália, França, Espanha e Portugal, deriva do fato de todos eles terem sido originados de monarquias. No caso da cultura anglo-saxã, existe a tradição de deixar que os indivíduos resolvam as próprias vidas, segundo o professor.

Distritos

Uma das propostas incluídas na infinita e inconclusa reforma política que tramita no Congresso é a possibilidade de se estabelecer o voto distrital a partir de 2022. Se implantado, o país seria dividido em distritos e cada político teria que atender, diretamente, os interesses da região pela qual foi votado. Isso poderia ajudar, por exemplo, para a implantação do sistema de recall — o político que não agradar ao eleitorado que o apoiou seria destituído e uma nova eleição seria convocada.

Tanto Marcelo quanto Vitorino veem problemas de representatividade na proposta. “Isso poderia excluir do sistema representativo as minorias, pois dificilmente haveria um distrito formado apenas por integrantes desses grupos”, aposta Vitorino.
Diante de um conhecimento profundo dos atuais caciques da política, Lucas apresenta outro risco: que os dirigentes partidários passassem a atuar como os empresários que cartelizam as licitações e decidem quem vence qual concorrência. “Um dirigente de um partido A pode combinar com um de um partido B para que só fosse feita campanha nos distritos em que eles levassem vantagem. E assim fatiariam o Prlamento”, explicitou Lucas..