Jornal Estado de Minas

Salários do Judiciário extrapolam teto previsto em lei, de R$ 33,7 mil

- Foto: Clique para ampliar a imagem
Os magistrados que sempre se protegeram sob o manto da falta de transparência terão, agora, que expor os contracheques à sociedade. Não é segredo para ninguém que a farra de supersalários corre solta em todas as instâncias do Judiciário.

Por uma determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até 31 de agosto, os 90 tribunais espalhados pelo país serão obrigados a explicitar os rendimentos de todos os 17.541 juízes. Depois disso, estará nas mãos dos conselheiros a decisão de liberar as informações.

Em paralelo à medida, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, que também comanda o CNJ, liberou o acesso ao contracheque de servidores, magistrados, aposentados e pensionistas da corte.

É possível consultar as despesas do STF com diárias, passagens, vantagens pessoais, indenizações e outros itens. Basta acessar o menu “Transparência” e clicar no ícone “Remuneração” para que as informações estejam disponíveis.

Nos demais tribunais do país, entretanto, não há a mesma facilidade. Os dados, que estão concentrados nos portais de cada tribunal, estão escondidos. Além de ser necessário vasculhar diversas abas das páginas eletrônicas, o interessado em consultar o salário de um magistrado ou de um servidor do Judiciário deve, obrigatoriamente, informar nome e CPF.

Em alguns casos, é exigido e-mail e data de nascimento. Para confundir, não há qualquer padrão na liberação dos dados.

Algumas cortes, como o Supremo Tribunal Militar (STM), criaram as próprias ferramentas, semelhantes às do STF. Em uma rápida consulta, é possível identificar que um ministro do STM recebeu, em março de 2017, salário líquido de R$ 77.368,45.


Segundo o Tribunal Militar, o montante superior ao teto constitucional de R$ 33,7 mil se refere ao pagamento de indenização por férias vencidas, valor excluído do limite previsto em lei.

Ciente da necessidade de dar transparência aos rendimentos dos magistrados, a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Laurita Vaz, informou, por meio de nota, que levará para a reunião do conselho administrativo de setembro a proposta de adoção de uma ferramenta para a divulgação dos salários do tribunal.

Fetiche


A farra dos supersalários não se limita aos magistrados. Em 2017, pelo menos nove servidores do STF receberam, em um único mês, remunerações que variaram entre R$ 37,8 mil e R$ 226,8 mil.

Os montantes incluem pagamento de indenizações e conversão de licença-prêmio, um período de descanso, em dinheiro. Casos semelhantes foram identificados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em julho, pelo menos três servidores — um analista e dois técnicos — receberam montantes líquidos entre R$ 35,2 mil e R$ 98,7 mil.

O esforço para expor os abusos salariais nos tribunais é bem-vindo, disse Eliana Calmon, ex-ministra do STJ e ex-corregedora Nacional de Justiça. Ela destacou, porém, ter dúvidas quanto ao interesse dos juízes em enviar as informações ao CNJ.

Ela lembrou que, desde a edição da Lei de Acesso à Informação, em novembro de 2011, o colegiado tenta criar um banco de dados com os valores constantes nos contracheques dos magistrados.

“Existe um fetiche da magistratura de não divulgar o quantitativo dos seus ganhos, porque estão acima do teto constitucional e acima do que ganham os ministros do STF. Um desembargador ganha muito mais que um ministro da mais alta Corte”, afirmou.

Pela determinação do CNJ, os tribunais deverão encaminhar cópias dos contracheques dos juízes de janeiro a agosto de 2017. Deverão ser especificados os valores relativos a subsídios e a verbas especiais de qualquer natureza.

A partir de setembro, terão de ser enviadas as folhas de pagamento até cinco dias após os depósitos para os magistrados.
Caberá à Corregedoria Nacional de Justiça tomar providências em caso de estouro do teto constitucional.

O descumprimento do prazo para dar visibilidade às informações resultará na abertura de correição especial no tribunal.

Apesar de apoiar a medida, o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso, destaca que todos os poderes precisam se submeter à medida.

“A nossa posição é a de que deve haver o máximo de transparência, com a discriminação clara da origem dos recursos, verba por verba, para não haver dúvida. Tudo tem que ficar transparente, e isso deve valer também para o Legislativo e o Executivo”, disse.

Indenizações


Na avaliação do presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Jayme de Oliveira, a divulgação dos vencimentos dos juízes é correta. “A medida visa dar ainda mais transparência”, argumentou.

Mas ele defendeu o pagamento de indenizações sem que isso seja computado no teto constitucional. “A Constituição Federal ressalva a possibilidade de pagamento de indenizações, o que é de todo razoável”, afirmou.

Para o presidente AMB, não há, hoje, desrespeito ao limite para os vencimentos dos servidores públicos.

“O relevante é que não há qualquer pagamento indevido, mas, sim, pagamentos de verbas atrasadas a juízes e a servidores”, frisou.

“Quando o Estado não paga em dia ou não paga corretamente, o que foi corriqueiro no Brasil, gera crédito para juízes e servidores, e tais créditos, quando reconhecidos posteriormente, são devidos com os acréscimos legais”, destacou.

Em meio ao debate sobre o tema, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criou comissão especial para avaliar o projeto de lei nº 6.726/16, que regulamenta o teto constitucional nos três poderes.

A proposta estava engavetada na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (Ctasp) desde dezembro de 2016. “O Projeto de Lei é muito vasto e, se há abuso, tem que ser coibido. Queremos participar do debate.
Mas garanto que, na Justiça Federal, não há abusos, digo porque conheço”, afirmou o presidente da Ajufe..