Jornal Estado de Minas

"Quem matou dom Pedro I, JK, Tancredo e Zavascki?"

A morte do ministro Teori Zavascki, responsável pelo julgamento no Supremo Tribunal Federal da Operação Lava-Jato, o maior esquema de corrupção da história do Brasil, gerou dezenas de especulações e hipóteses sobre um possível atentado à vida dele. São as chamadas teorias da conspiração. Nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens elas se proliferaram imediatamente logo que foi confirmada a morte de Teori no desastre com o avião no mar de Paraty, no Rio de Janeiro, na quinta-feira passada.



Na história política do Brasil, teorias suspeitas são comuns. Permeiam muitas mortes de personalidades importantes do cenário político. Algumas acabam desacreditadas com investigações, outras permanecem ao longo do tempo sem respostas e se tornam lendas no imaginário nacional.

As teses obscuras e conspiratórias envolvendo personagens históricos surgiram logo com o primeiro governante do Brasil. Depois da morte de dom Pedro I (1798-1834), que proclamou a independência e foi o imperador entre 1922 e 1931, cresceu na corte portuguesa a hipótese de que ele havia sido envenenado. Dom Pedro já havia retornado a Portugal e disputava uma intensa batalha com seu irmão dom Miguel pelo trono português.

O pai de dom Pedro e rei de Portugal, dom João VI (1767-1826), que se mudou para o Brasil em 1808, havia sido envenenado com altas doses de arsênico na década anterior e os boatos de que Pedro, morto com apenas 36 anos, tivera o mesmo fim ganharam força. As suspeitas recaíram no médico brasileiro João Fernandes Tavares, que acompanhava dom Pedro. O médico voltou para o Brasil e depois de 20 anos em silêncio publicou um texto se defendendo: “Há quase 19 anos que sobre mim pesa uma calúnia horrorosa e até hoje deferi em justificar-me, convencido que vivi sempre de que o bom senso universal refutaria tão atroz e absurda suspeita”.



Em 2012, quando o corpo de dom Pedro I foi estudado pela primeira vez com os recursos modernos da medicina, foram confirmados os detalhes sobre a morte do primeiro imperador brasileiro. Ele morreu vítima de tuberculose, em Lisboa.

República de Tramas


Na história recente, já no período da República, várias mortes de políticos brasileiros se tornaram alvo das teorias da conspiração. Até mesmo o suicídio de Getúlio Vargas (1882-1954), com um tiro no próprio peito em seus aposentos no Palácio do Catete, virou motivo de controvérsia e ganhou versões diferentes. A polêmica sobre a morte de Getúlio começou logo que veio à tona sua carta testamento, com uma versão manuscrita diferente de uma versão datilografada – mais longa e que traz a frase final: “Saio da vida para entrar na história”.

Uma versão inusitada contada pela cantora e vedete Virgínia Lane trouxe detalhes dignos de Hollywood para a morte de Getúlio. Ela contou que na madrugada de 24 de agosto de 1954 dividia a cama com o presidente quando quatro homens entraram pela janela do Catete e o assassinaram. Ela disse que foi amante de Getúlio por 15 anos e que, antes de escapar do quarto (pulando do segundo andar completamente nua), ouviu o pedido do presidente para que nunca contasse para ninguém sobre o assassinato.

A morte do presidente Humberto de Alencar Castelo Branco (1900-1967), primeiro presidente da ditadura militar (1964-1985) em acidente aéreo foi mal explicada pelos inquéritos militares e ainda gera muitas polêmicas. Em julho de 1967, quatro meses depois de deixar a Presidência da República, Castelo Branco embarcou em um pequeno avião após visitar a escritora Rachel de Queiroz, em seu sítio próximo a Fortaleza, no Ceará. O avião foi atingido pela asa de um jato da Força Aérea Brasileira que realizava voo de instrução nas proximidades da Base Aérea de Fortaleza.



Castelo Branco não resistiu aos ferimentos e morreu no local da queda da aeronave. As polêmicas sobre sua morte envolvem uma disputa entre lideranças das Forças Armadas. Parte da caserna adotava postura mais rígida sobre a manutenção do poder pelos militares e defendia o prolongamento do regime, enquanto outro grupo, do qual participava Castelo Branco, defendia a transição para o governo civil.

Durante a ditadura, a morte de outro presidente levantaria versões sobre um suposto atentado. Em 1976, o ex-presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976) viajava pela Rodovia Presidente Dutra, que liga as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, quando o Opala colidiu com uma carreta carregada de gesso, próximo à cidade de Resende, no interior fluminense. JK morreu na hora, assim como seu motorista e amigo Geraldo Ribeiro.

A polêmica em torno de sua morte surgiu quando peritos encontraram, durante exumação, um fragmento metálico no crânio do motorista. Surgiu a versão de que Geraldo fora atingido por um tiro, o que teria causado o acidente, e que o ex-presidente fora assassinado. Em outra perícia foi apontada a hipótese de que o fragmento seria um prego do revestimento do caixão e não de um tiro.



Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) apresentou relatório que indicou que JK morreu em consequência do acidente e descartou a teoria de um assassinato. No entanto, a comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (OAB) e outras entidades que apuram crimes cometidos durante a ditadura criticaram a decisão, alegando que a CNV teria ignorado mais de 100 evidências e indícios sobre o episódio.

Episódios recentes


As mortes de Tancredo Neves (1910-1985) e Ulysses Guimarães (1916-1992), dois líderes políticos que tiveram papel de destaque na transição do regime militar para a democracia também foram alvo de teorias conspiratórias. Primeiro presidente civil eleito depois de 21 anos de ditadura, Tancredo carregou a esperança de um povo que foi às ruas pedir mudanças, mas morreu sem tomar posse. O caso envolve supostos erros médicos e ainda tem lacunas em aberto mesmo 30 anos depois.

No dia 14 de março de 1985, véspera da sua posse na Presidência, Tancredo se sentiu mal, com fortes dores abdominais, e foi levado para o Hospital de Base de Brasília. Pessoas próximas do presidente eleito avaliaram que o hospital da capital não tinha condições para a cirurgia e que o ideal seria a transferência para São Paulo. Mas os médicos vetaram a transferência, alegando que a cirurgia deveria começar com urgência.



O fato de que um funcionário do Planalto, mordomo de Tancredo João Rosa, também teria sentido dores parecidas, indicaria que os dois teriam envenenados. Defensores da tese de que o presidente eleito tinha sido assassinado apontaram adversários políticos, por exemplo o candidato derrotado Paulo Maluf, como responsáveis pelo ato. Outros afirmaram que a ação partiu dos militares que não queriam o fim da ditadura.

O corpo de Ulysses Guimarães (1916-1992) jamais foi encontrado depois que o helicóptero em que viajava caiu no mar na região de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, em outubro de 1992. Dez dias antes, o então presidente Fernando Collor havia sido destituído do Palácio do Planalto. Ulysses foi um dos parlamentares que defendeu a votação aberta sobre o impeachment de Collor, causando grande irritação no presidente. Por isso, após a acidente surgiu a teoria de que a morte de Ulysses seria uma retaliação pela atuação do parlamentar no impeachment.

Durante a campanha presidencial de 2014, outro acidente aéreo alimentou a imaginação dos brasileiros. O ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (1965-2014) era o terceiro colocado nas pesquisas quando seu avião caiu em uma área residencial de Santos, no litoral paulista. Nas redes sociais ainda existem fervorosos defensores de que o acidente foi na verdade um atentado, a mando de adversários políticos, como os outros candidatos à Presidência, interessados em eliminar um concorrete.

Na última sexta-feira, o advogado Antonio Campos, irmão do ex-governador, afirmou que uma nova testemunha poderá mudar por completo os rumos das investigações sobre o acidente. Sem revelar mais detalhes, ele divulgou por meio das redes sociais a seguinte nota: “Num país em que líderes e autoridades morrem de forma misteriosa em acidentes aéreos e ainda impactado pela morte do ministro Teori, resolvi revelar esse fato novo e reafirmar que esse caso precisa ser aprofundado. Não descansarei enquanto não forem esclarecidos os fatos, independentemente de eventuais riscos que possam correr”.