Jornal Estado de Minas

Especialistas explicam o difícil caminho do combate à corrupção

Afundado em denúncias e escândalos de corrupção, o Brasil discute medidas para tentar combater esse mal que está longe de ser exclusivo de nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento. Levantamento do Fundo Monetário Internacional (FMI) aponta que a corrupção custa quase R$ 7 trilhões por ano à economia mundial. A adoção de ações para prevenir, identificar e punir essas práticas, que desviam o equivalente a 2% do PIB mundial, disseminam-se pelo planeta. Especialistas afirmam: não há fórmula pronta contra o problema.

Na dianteira do enfrentamento dos desvios aparecem os países escandinavos. A Dinamarca lidera, entre 168 países, o ranking da percepção da corrupção da ONG Transparência Internacional (TI), referência no assunto. Na sequência vêm Finlândia e Suécia. Na América do Sul, o Uruguai é o melhor colocado, na 21ª posição. O Brasil ocupa a 76ª posição nessa lista, ao lado de Índia, Tunísia e Zâmbia.

“Os países escandinavos saltam aos olhos.
Isso porque a cultura da transparência existe há gerações, os cidadãos sabem que todas as práticas e atos são públicos. Na Suécia, a Lei da Transparência tem 250 anos. Também são países com alto índice de educação. Qualquer movimento que o setor público faz, a sociedade está atenta”, explica o consultor sênior da TI Fabiano Angélico, autor do livro Lei de Acesso à Informação: reforço ao controle democrático.

A transparência nos atos públicos e a produção de informação pública, segundo o especialista, estão entre as principais discussões para enfrentar a corrupção. “A Ucrânia, com a ajuda de órgãos da sociedade civil, criou sistema que expõe dados de maneira bastante pública. Em dois meses, já foi mais fácil detectar o erro em um contrato”, conta. Embora dar publicidade a dados dos governos seja obrigatório no país, ele destaca a necessidade de que as informações sejam mais acessíveis e disponibilizadas em plataformas mais “amigáveis”.

Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a advogada Cristiana Fortini reforça que o debate passa também pela necessidade de adoção do compliance, que é o comprometimento por parte das empresas em relação ao cumprimento das regras e leis.
“A ideia é que as empresas criem mecanismos internos de controle e auditoria, além de códigos de ética para que ela própria se autofiscalize. Se houver esse mecanismo de integridade, mas for descoberta corrupção, ela terá sanção reduzida”, reforça.

Novidade no Brasil, Cristiana explica que o compliance já faz parte da realidade de empresas nos Estados Unidos e Inglaterra. No país europeu, por exemplo, o combate à corrupção vai muito além do setor público. Em 2010, o Reino Unido aprovou ato relativo à propina, conhecido como UK Bribery. “Há um entendimento de que esse mal tem que ser extirpado onde ele estiver”, diz. Cristiana reforça que, se um funcionário de uma empresa compra produtos de um determinado fabricante porque recebe propina, há um prejuízo para os empregados, para a empresa e para os fabricantes concorrentes.

MÃOS LIMPAS Inspiração para a Operação Lava-Jato, a Operação Mãos Limpas, na Itália, está entre as maiores investidas contra o crime organizado no mundo e envolveu força-tarefa formada por Judiciário e Ministério Público. “Eles usaram ferramentas modernas como colaboração premiada, interceptação telefônica, quebra de dados bancários”, cita o assessor especial da corregedoria Nacional do Ministério Público, Fábio Galindo.

A Mãos Limpas, na década de 1990, começou com a apuração sobre pagamento de propina por um empresário que prestava serviço a um asilo e culminou com a revelação de um esquema de financiamento de campanhas políticas e desvio de dinheiro público. “Houve a extinção de partidos políticos e, nesse espaço, veio Berlusconi (Silvio, ex-premiê italiano), e um desmoronamento do país no combate à corrupção.
No Brasil, também conseguimos identificar uma arquitetura de retaliação e não sabemos para onde essa balança vai pender”, alerta.

SEM RECEITA O diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), grupo responsável pela campanha que culminou na Lei da Ficha Limpa, Luciano Santos, afirma ser difícil pensar num modelo anticorrupção que atenda a todos os países. “No Japão, por exemplo, a punição é muito rigorosa. A pessoa, envergonhada, comete até suicídio”, diz. Na avaliação de Santos, no Brasil, há tolerância com a corrupção. “As pessoas votam num candidato que responde a vários processos”, diz. Ele reforça que, como a legislação não é cumprida, há uma sensação de impunidade. “Só agora o Supremo está dando condenação a políticos. Já temos uma legislação e ela precisa ser cumprida”, ressalta.

Para a professora Cristiana Fortini, o país tem caminhado na construção de uma cultura de repúdio à corrupção. “Isso deixa de ser visto como traço de esperteza para ser visto de forma ruim. Acredito que estamos virando a página.
Sou esperançosa, mas não sou utópica. Não tem lugar sem corrupção, mas as pessoas estão rejeitando mais essas práticas”, afirma.

Como é no mundo

Itália
• Marco na década de 1990 e frequentemente relacionada à Lava-Jato no Brasil, a Operação Mãos Limpas foi a maior investigação judicial ocorrida na Itália e culminou com a extinção de partidos políticos. Coordenada pelo procurador da República Antonio Di Pietro, a operação começou com a apuração sobre pagamento de propina por um empresário que prestava serviço a um asilo. A Mãos Limpas, que, assim como a Lava-Jato, funcionava como uma força-tarefa, acabou revelando um esquema de financiamento de campanhas políticas e desvio de dinheiro público. Após a operação, houve um desmonte do combate à corrupção no país.

México
• Em abril, aprovou o Sistema Nacional Anticorrupção (SNA). A reforma institucional que viabilizou a criação do sistema fortaleceu o Instituto de Acesso à Informação. Também dá maior autonomia à Auditoria Superior da Federação para apurar a aplicação dos recursos federais. Quem coordena o SNA é um colegiado presidido por representante da sociedade civil. Escândalos de corrupção envolvendo políticos, entre eles o próprio presidente Enrique Peña Nieto, têm se alastrado no país.

Estados Unidos
• Em 1977, criou a Lei de Práticas Corruptas no Exterior (FCPA, na sigla em inglês), com foco ao combate à corrupção em transações internacionais. A legislação prevê multas milionárias a companhias que operam nos EUA que subornam em outros países.
O caso clássico de multas astronômicas é da alemã Siemens, que foi obrigada a pagar 800 milhões de dólares para a Justiça americana. O país também conta com a False Claims Act (Lei Contra Cobranças Fraudulentas), que estabelece que o cidadão que informar a existência de pagamento indevido poderá ser recompensado financeiramente.

Inglaterra
• Em 2011, entrou em vigor a UK Bribery, considerada uma das legislações mais rígidas no combate à corrupção. A legislação, cujo nome se refere ao pagamento da propina, vai além da esfera pública e também prevê punições à prática em instituições privadas. Também pune a corrupção de agentes públicos estrangeiros, assim como a falha das empresas na prevenção da corrupção. A lei considera que esses tipos de crime são de responsabilidade penal.

Características
Países com melhor desempenho
• Alto nível de liberdade de imprensa
• Acesso à informação sobre orçamento público
• Judiciário independente e que não diferencia ricos e pobres

Países com pior desempenho
• Conflitos e guerras
• Fraca governança
• Instituições públicas frágeis
• Falta de independência da mídia.