Jornal Estado de Minas

Foro privilegiado fere o direito da igualdade de todos perante a lei


Brasília - O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, acredita que, mesmo que todos os tribunais do Brasil fossem tomados por eficiência e rapidez, o foro privilegiado não se justificaria. A proposta que acaba com o privilégio pode ser votada hoje na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. “Você poderia transformar os tribunais, mas a outra questão fica não resolvida”, afirma. Para ele, o benefício é insustentável com apenas um argumento: “Todos são iguais perante a lei, um princípio republicano. O foro privilegiado não se sustenta em caso algum”. A questão levantada por Robalinho se deve ao fato de um grupo de 30 mil pessoas, entre políticos e autoridades, ter o direito de só ser julgado por tribunais superiores. Segundo ele, a morosidade do Judiciário está sendo resolvida ao menos no STF, com juízes instrutores, setores administrativos próprios e julgamentos criminais em turmas.


O encontro em Mata de São João (BA) discutia o narcotráfico.

Por que tratar de foro privilegiado?
A gente escolhe um tema, mas nos debates de plenária surge de tudo. Por que surgiu foro? Por que está sendo discutido. A ANPR posicionou-se sobre isso e houve o apoio dos colegas que estavam lá. A ANPR historicamente sempre defendeu essa posição. São duas coisas que se somam, mas  gosto de começar pela principiológica. Todos são iguais perante a lei, um princípio republicano. O foro privilegiado não se sustenta em caso algum.
Existe o segundo ponto, que é muito debatido, a  eficácia. Há uma ponderação que faço. Os tribunais realmente, pela sua estrutura, não são vocacionados para fazer investigação. As investigações demoram muito nos tribunais porque decisões, instruções, oitivas são mais lentas. Mas isso seria passível de solução. Tanto é verdade que o Supremo Tribunal Federal, nos últimos cinco anos, melhorou enormemente, da água para o vinho, com pequenas providências. Criaram o juiz instrutor, um dos auxiliares dos ministros é encarregado de fazer audiências e oitivas de testemunhas, criaram estruturas administrativas em gabinetes para acompanhar as investigações e, por fim, passaram os julgamentos para as turmas, que são mais ágeis que o plenário. O STF passou a julgar com velocidade muito maior.
Então, essa questão de dizer que o tribunal é igual a impunidade não é verdadeira. Você poderia transformar os tribunais, mas a outra questão ficaria não resolvida: todos são iguais perante a lei. Então, por que levar aos tribunais? Por que sobrecarregar os tribunais, particularmente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o STF, que já têm uma quantidade imensa de processos?

O foro deve ser extinto?
Esta é a posição da ANPR. Acabar com o foro pura e simplesmente. Mas admitimos, como o procurador-geral da República (Rodrigo Janot) sugeriu, não ter posição contrária de que um punhado, não mais que 15 autoridades brasileiras, fossem mantidas no STF com a justificativa de estabilidade das instituições. Que autoridades? Os próprios 11 ministros do STF, presidentes da Câmara, do Senado e da República e o procurador-geral. São 15. Mais ninguém. Eu preferiria entregar mesmo esses à primeira instância. O presidente da República só é julgado por crime de responsabilidade; os crimes comuns ficam parados enquanto ele está no mandato.

De qualquer jeito, essa é uma proposta razoável e aceitável, que tem sustentação no direito comparado. Alguns países escolheram assim (em relação) a altas autoridades por questão de estabilidade. Mas o ideal é o puro e simples fim do foro privilegiado.

Políticos poderiam ser perseguidos por juízes?
A Justiça brasileira é técnica e concursada. O Ministério Público também. Ouve-se muito de políticos: ‘Não é possível que o juiz de Direito lá da minha região vai poder me julgar, eu, deputado ou senador’. Nenhum problema. Se houver algum excesso, como qualquer cidadão, eles terão acesso a recursos, a habeas corpus. Tenho certeza de que o Judiciário, como funciona com qualquer cidadão, funcionará com eles. Não há razão nenhuma, nem técnica nem política, para manter o foro.

A ANPR já tinha externado essa posição?
A ANPR, em vários momentos, foi chamada para debater isso. Nos últimos anos, debatemos em audiências públicas, mas não tínhamos chegado a fazer manifestação por escrito.
Acreditamos que seria um progresso para o país.

Tribunal é sinônimo de impunidade?
A ANPR não endossa a ideia de que isso é para, necessariamente, acabar com a impunidade, porque os tribunais são políticos ou coisa desse tipo. Não é verdade. O STF nos últimos anos mostrou claramente que faz julgamentos duros e técnicos. O problema, do ponto de vista de impunidade, que talvez exista é porque os tribunais não são adequados para conduzir investigações e processos originários. Eles não têm preparo para isso e, por isso, acaba sendo demorado.

E em relação à troca de cargos?
O sujeito é deputado federal. (O processo) está no STF. Amanhã, ele se elege prefeito. (O processo) baixa para o Tribunal Regional Federal. De prefeito, ele se elege governador. Vai para o STJ. Esse pingue-pongue não faz bem nenhum ao andamento. Obviamente, cada vez que isso se interrompe você perde um ano de investigação até que se comece a pegar o jeito de novo. É mais um fator que é muito ruim. Isso é algo que precisa acabar. É o natural trânsito das autoridades, mas, diante do foro privilegiado, acaba virando um fator de impunidade, porque nenhuma instância consegue levar a investigação até o fim.

O senhor acha que agora, de fato, haverá alguma mudança?
Está na pauta. O senador Randolfe (Rodrigues) apresentou o relatório, houve pedido de vista e terá que ser votado no Senado.  Temos quase 30 mil pessoas com foro, absolutamente injustificável.

 

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