Jornal Estado de Minas

Quantidade de 'não votos' nas eleições municipais mostra cenário de insatisfação

Nem candidato populista nem candidato empresário, muito menos político tradicional. A soma de votos nulos, em branco e abstenções “venceu” as eleições em cinco das 26 capitais. O “não-voto” superou a votação dos prefeitos eleitos em Belo Horizonte, Rio, São Paulo, Porto Alegre e Aracaju, que, juntas, concentram mais de 10% do eleitorado brasileiro. No país, foram 10,8 milhões de pessoas, quase igual à população de São Paulo, maior cidade do país, com 12 milhões de habitantes. As cinco capitais são retrato de um fenômeno presente em todo o Brasil, em que cada vez mais gente opta por não escolher candidato ou nem comparecer às urnas. Em algumas dessas cidades, houve até movimentos que lançaram campanhas de incentivo ao voto nulo,


Com base nos números do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Estado de Minas fez levantamento do chamado alheamento eleitoral, que inclui votos em branco, nulos e abstenções. Essa realidade abrange quase um terço do eleitorado brasileiro e tem crescido. Nas eleições de 2012, 25,4% dos eleitores preferiram não votar ou se abster no primeiro turno; já no segundo turno, 26,5% adotaram essa postura.
Quatro anos depois, essa foi a opção de 28,4% do eleitorado no primeiro turno e de 32,7% no segundo. O cenário preocupante pode ser sintetizado na avaliação de um eleitor:  “Nenhum candidato me representa”, afirma a estudante Marina Soltz, de 18 anos, que fez questão de comparecer às urnas para registrar seu voto nulo.


Embora o voto seja obrigatório, as abstenções tiveram o maior peso nessa estatística. No segundo turno, chegaram a 21,55%, mais de um quinto do eleitorado. Considerando as cidades que elegeram  prefeitos no primeiro e no segundo turno, o maior alheamento ocorreu no Rio de Janeiro, seguido de Porto Alegre e BH.


Um total de 41,5% do eleitorado da capital fluminense votou nulo, em branco ou não compareceu na disputa entre o prefeito eleito Marcelo Crivella (PRB) e o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL). Em números, o “não-voto” teve 2 milhões de adeptos, contra 1,7 milhão de eleitores de Crivella. Em Porto Alegre, o percentual foi de 39,4% e chegou a 433.751 eleitores.


Em BH, que teve o ex-presidente do Atlético Mineiro Alexandre Kalil (PHS) e o ex-goleiro e deputado estadual João Leite (PSDB) duelando no segundo turno, esse índice chegou a 38,4%. Eleito com 628 mil votos, Kalil, vitorioso com o discurso apoiado no slogan “Chega de política”, levou a melhor em relação ao tucano, mas teve menos votos do que a soma dos nulos, em branco e abstenções, que chegou a 742 mil.


Em São Paulo, o empresário João Doria (PSDB) venceu no primeiro turno, com o aval de 3.085.187 eleitores, quase 11 mil a menos do que os que não foram às urnas ou votaram em branco ou nulo.
Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), Wagner Pralon Mancuso lembra esse índice inclui diversas situações, como a de pessoas com menos de 18 anos e mais de 70 anos que não são obrigadas a votar. “Sem dúvida, boa parte é a falta de identificação com os candidatos. Não estão se interessando pelo cardápio oferecido pelos partidos. Pode ser interpretado como insatisfação, indiferença, desalento”, analisa.

Recado das urnas


Em BH, a derrota para o alto índice de alheamento deu o tom do pronunciamento de João Leite assim que o resultado foi divulgado. “Isso mostra grande distanciamento da população com a política. A negação da política proporciona um ambiente para o autoritarismo e para algo mais grave ainda: o preconceito”, disse.

Para o deputado estadual Paulo Lamac (Rede), vice na chapa eleita de Kalil, o resultado reflete a descrença da população com os políticos. “As pessoas não percebem a política como elemento para modificação da realidade”, avalia.


Kalil está fora do ar até o fim da semana e, mesmo sem falar em nome do prefeito, o vice é enfático: “Não envergonhar a população e dar respostas com atos de governo é a única medida, mas não é suficiente”, diz Lamac, que defende maior discussão sobre a política na educação.


O pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG Lucas Cunha destaca que esse fenômeno do “não-voto” não está restrito ao Brasil. “No Chile, 71% dos jovens não se cadastraram para votar. No Brasil, apesar do voto obrigatório, o custo de não votar é muito baixo”, reforça o pesquisador, que não atribui isso ao afastamento da população da política.
“Desde 2013, as pessoas estão vivendo uma politização, inclusive por causa da crise econômica. Passaram a discutir mais política. Esse percentual de ‘não-votos’ não quer dizer apenas apatia ou desencanto, mas que há insatisfação com o sistema eleitoral”, afirma. Cunha aponta que o perfil de Doria, Crivella e Kalil reforça o esgotamento do sistema político: “O que está em jogo é a reputação pessoal dos candidatos e muito menos a ideologia dos partidos e suas posições sobre a cidade”.

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