Como naquele pagode de Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz — “Acabou a comida/Acabou a bebida/Acabou a canja”—, depois da aprovação da impeachment da presidente Dilma Rousseff pela Câmara, sobrou para o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o bagaço da laranja. De artífice da derrota do governo, tornou-se um estorvo para as forças políticas que querem o afastamento da presidente da República pelo Senado. E sua cassação será inexorável, por pressão da mesma opinião pública que desestabilizou a base do governo.
Cunha manobra com audácia e tenacidade para impedir a cassação pelo Conselho de Ética da Câmara, mas ela será inevitável, seja porque será traído por alguns dos aliados, seja porque o Supremo Tribunal Federal (STF) também está numa saia justa por não ter julgado até hoje o pedido de afastamento e perda do mandato do presidente da Câmara. O depoimento do lobista Fernando Baiano, ontem, na Comissão de Ética foi um exemplo de como a situação de Cunha está insustentável.
Baiano contou que conheceu Eduardo Cunha em 2009 e que, nos anos seguintes, se encontraram “mais de 10 vezes”, sendo duas depois de deflagrada a Operação Lava-Jato, em março de 2014. O presidente da Câmara teria pedido dinheiro para a campanha, porém, segundo o lobista, as empresas que ele representava não faziam doações fora de seu país de origem. A solução encontrada por Baiano foi pedir a Cunha que ajudasse na cobrança de uma dívida de US$ 10 milhões do empresário Júlio Camargo, por ter viabilizado um contrato de navios-sonda da Petrobras. O delator explicou que ofereceu 20% da propina a Cunha, mas o presidente da Câmara exigiu 50%, o que foi feito, em parcelas de R$ 1,5 milhão e R$ 1 milhão, entregues em dinheiro, pessoalmente.
A cobrança precisou ser feita “de forma mais incisiva” porque o empresário demorava a cumprir o acordo, segundo revelou Baiano no depoimento de ontem.
Cunha desempenhou um papel decisivo na aprovação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, que poderia ter sido engavetado, como fez com outros pedidos, mas a escalada de confronto do Palácio do Planalto com ele, protagonizada pelo presidente do PT, Rui Falcão, e a própria presidente da República, transformou-o num inimigo mortal. Cunha fora advertido por aliados, como Paulinho da Força (SD-SP), que correria o risco de ser defenestrado depois da aprovação do impeachment, mas pagou pra ver. Na verdade, depois que entrou em rota de colisão com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, isso aconteceria de qualquer maneira. Parece que essa hora está chegando.
Cabeça a prêmio
Ninguém deve subestimar a rede de apoios que Eduardo Cunha tem Câmara, pois talvez lidere a maior bancada da Casa. Mas quem quiser que se engane. O destino que lhe está reservado é semelhante ao de Roberto Jefferson, presidente do PTB, que denunciou o mensalão, e do ex-deputado André Vargas, que era vice-presidente da Casa quando desafiou o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, ao posar de punho cerrado ao seu lado, em cerimônia oficial da Câmara. Vamos supor, porém, que as manobras de Cunha no Conselho de Ética continuem, com um olhar complacente e envergonhado de uma oposição agradecida por seu papel no impeachment.
O Supremo dá sinais de que vai fazer o caso Cunha andar rapidinho. Já são seis inquéritos contra ele, dois dos quais já resultaram em denúncias que estão sendo analisadas pelo ministro-relator da Lava Jato, Teori Zavascki. Ninguém deve se surpreender se o STF começar a fazer a sua parte na superação da crise ética que escandaliza o país e o mundo inteiro. A mídia internacional não endossa a tese petista do golpe, mas tem péssima opinião sobre os políticos brasileiros.