Jornal Estado de Minas

Cerco a Cunha foi único êxito da CPI da Petrobras


Brasília - A terceira CPI da Petrobras no Congresso nos últimos cinco anos deve encerrar seus trabalhos esta semana. Hoje, às 18h30, começará a ser votado o relatório do deputado Luiz Sérgio (PT-RJ) na comissão, que não deve ser prorrogada, apesar dos bate-bocas em torno do tema na última reunião, na semana passada. Aberta na Câmara em fevereiro, a comissão ignorou um dos principais alvos da Operação Lava-Jato: políticos investigados nos tribunais por suspeita de receber propina do esquema de desvio e lavagem de dinheiro. No Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, cerca de 50 políticos, entre governadores, ministros, deputados e senadores, estão sob investigação. Mas apenas um depôs. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), apareceu no plenário e falou por horas, atitude que agora pode custar o próprio mandato. Ele negou que tivesse contas na Suíça, declarações que acabaram desmascaradas pelo Ministério Público do país europeu.

Poderosos empreiteiros – costumeiros financiadores de campanha de parlamentares, inclusive da CPI – também foram poupados. Muitos foram dispensados até de ouvir as perguntas dos parlamentares.
Outros receberam elogios por gerar empregos no país, como o presidente da maior construtora do Brasil, Marcelo Bahia Odebrecht. Segundo a Polícia Federal e o Ministério Público, foi o dinheiro das empreiteiras que bancou propinas distribuídas.

Na opinião de Mauro Márcio Oliveira, ex-professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em CPIs, houve blindagem de políticos do PT, PSDB e PMDB. Da base à oposição, diversas figuras desses partidos foram alvos da Operação Lava-Jato. Concorda com ele o deputado Ivan Valente (PSOL-SP). Oliveira diz que o maior trunfo da comissão foi permitir condições para que Eduardo Cunha seja cassado. “Para a oposição a Cunha, a CPI foi ultraeficiente, porque ele disse que não tinha contas no exterior”, avalia o ex-consultor do Senado, que participou de oito comissões de inquérito e criou um manual de métodos de trabalho desse tipo de comissão.

Um deputado chegou a insistir para ser ouvido pela comissão, mas não conseguiu. Jerônimo Goergen (PP-RS) nega fazer parte da lista de deputados do partido que recebiam propina do esquema, abriu seus sigilos bancários às autoridades e pediu ao presidente da CPI, deputado Hugo Motta (PMDB-PB), para prestar depoimento.
Não conseguiu. “O que comentavam lá na CPI é que a fala do presidente serviria para ser uma fala em nome de todos”, disse Goergen. “Eles não deixaram porque não marcaram. Até hoje não marcaram. Eu continuo à disposição.”

Motta nega blindagem aos políticos e a PT, PSDB e PMDB. Ele afirmou à reportagem que Goergen e o deputado Waldir Maranhão (PMDB-MA), outro que pediu para falar à CPI, não foram ouvidos por decisão dos parlamentares, embora também não tenham sido convocados pela comissão. “Eles se ofereceram e depois não foram mais. (Não foram) porque não quiseram mesmo.”

PRIORIDADE

Para Oliveira e para o presidente da CPI, a comissão teria dificuldades em investigar parlamentares no caso porque esse assunto é do Conselho de Ética.
Normalmente, comissões de inquérito focam no Executivo. No entanto, governadores, ministros e políticos sem mandato sob a mira da Lava-Jato também não foram ouvidos. Motta diz não ter responsabilidade por essa decisão do plenário, porque pautou todos os pedidos de convocação. “É uma situação que o colegiado tem que responder. Desse presidente, não houve (blindagem). Houve outras prioridades, trouxeram outras pessoas importantes e acho que isso foi a avaliação do colegiado.”

Para Hugo Motta, os personagens importantes do caso foram ouvidos, e os deputados deram o seu melhor, apesar das limitações do trabalho, como os vários depoimentos em que os investigados ficaram calados. “Todos os que foram importantes tiveram a presença.” Ele defende a continuidade dos trabalhos, mas entende que isso será difícil.

Por telefone, Eduardo Cunha disse à reportagem ontem que já revelou sua opinião sobre a prorrogação da comissão. No dia 12, ele afirmou ao jornal O Globo ser “indiferente” à continuidade da CPI. E negou operar para encerrar os trabalhos. “Tudo que acontece sou eu.
É impressionante.”

Emissário identificado

A força-tarefa da Operação Lava-Jato  acredita ter identificado o misterioso “sr. Altair”, suposto emissário do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a retirada e transporte de valores de propinas junto a lobistas do esquema de corrupção na Petrobras entre 2004 e 2014. Altair Alves Pinto, de 67 anos, que se identifica como “comerciante”, seria a pessoa a quem o presidente da Câmara confiava as missões secretas para transportar dinheiro em espécie a ele destinado.

Altair foi citado pelo delator Fernando  Baiano - pivô do cerco a Cunha -, como o enviado do peemedebista nessas ocasiões. Os investigadores verificaram que Altair frequentava o gabinete 510 na Câmara, usado por Cunha.

Nos autos do pedido de novo inquérito contra Cunha, autorizado pelo Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria-Geral da República anexou uma ficha com os dados pessoais de Altair. Uma foto dele foi mostrada a  Baiano em audiência realizada em 15 de setembro de 2015. Baiano o reconheceu.

Em 10 de setembro, Baiano havia revelado a ação do braço-direito de Cunha. Segundo ele, em certa ocasião, o deputado lhe sugeriu que procurasse “uma pessoa de nome Altair, no escritório dele (Cunha), na Avenida Nilo Peçanha, no Rio”.

O delator contou à Procuradoria-Geral da República que entregou entre R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo a Cunha como parte de uma propina total de US$ 5 milhões - paga com atraso ao parlamentar porque outro lobista, Júlio Camargo, ficou devendo.

A propina era relativa à contratação de navio-sonda da Petrobras. Segundo Baiano, o emissário de  Cunha “aparentava ser um assessor ou uma pessoa de confiança, até mesmo porque todos os valores entregues no escritório foram para Altair”.

CARTEL
Em nova denúncia contra a cúpula da Odebrecht, apresentada à Justiça Federal, a força-tarefa da Lava-Jato aponta indícios de cartel na agenda do executivo Márcio Faria, ligado à maior empreiteira do país.
Faria foi diretor da Construtora Norberto Odebrecht e, segundo os procuradores, era o representante do grupo no “clube vip” de empresas que apossaram de contratos bilionários da Petrobras entre 2004 e 2014. Um laudo da Polícia Federal destaca “linguagem cifrada” na agenda do executivo. Os investigadores observam que a partir da apreensão de agendas pessoais de Márcio Faria foi possível encontrar referências, “boa parte das quais em linguagem cifrada”, de encontros do “clube” ou cartel de empreiteiras.

Os procuradores que subscrevem a denúncia contra o alto escalão da Odebrecht apontam que “a atuação dos administradores da Odebrecht no cartel ficou comprovada pelas diversas conversas de e-mail apreendidas pela PF” durante a primeira busca e apreensão na sede da empreiteira, em novembro de 2014..