Eleitor apaga da memória voto em eleição

Boa parte dos brasileiros não se lembra dos nomes que escolheu em outubro para deputado estadual e federal, constata o Estado de Minas. Para analistas, sistema eleitoral reduz interesse

Flávia Ayer

"Não faço a menor ideia. Alguém me disse em quem votar. Aí, caí na cilada. É uma falta da gente. Na próxima eleição, vou anotar os nomes e guardar." Ênio Graciano Leite, porteiro, de 58 anos - Foto: Flávia Ayer/EM/D.A Press


O eleitor anda com a memória curta. Faz pouco mais de seis meses que os brasileiros foram às urnas na eleição mais disputada de todos os tempos. Insatisfeitas com a corrupção e contrárias ao governo federal, milhares de pessoas ocuparam por mais de uma vez as ruas para protestar este ano. Mas, apesar do cenário político efervescente, muitos sequer se lembram em quem votaram para deputado estadual e federal em outubro. Ao circular pela capital mineira, a constatação é de que boa parte do eleitorado está esquecido, com a cabeça distante das eleições e dos representantes do povo.


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O Estado de Minas abordou, de forma aleatória, 30 pessoas e perguntou para quem elas deram seu voto de confiança na disputa pela Assembleia Legislativa e pela Câmara dos Deputados. Vinte e dois entrevistados, 73% do total, responderam que não se lembram ou que se recordam de apenas um dos candidatos. O levantamento não considerou eleitores que votaram nulo ou em branco.

"Realmente não me lembro em quem votei para federal e estadual. Foi uma indicação do meu tio. A política não é prioridade para mim." Wendel Martins, secretário, de 29 anos - Foto: Flávia Ayer/EM/D.A Press“Não faço nem ideia”, assume o porteiro Ênio Graciano Leite, de 58 anos, ao reconhecer que apagou da memória o nome dos candidatos ao Legislativo. Assim como ele, quase a metade dos entrevistados (14) não tem qualquer lembrança do voto para deputado federal e estadual.

“Alguém me disse para votar nos candidatos. Aí, caí na cilada. É uma falta da gente. Na próxima eleição, vou anotar os nomes e guardar”, afirma Ênio.

O vendedor Jener Maciel, de 27, pesquisou por quase dois meses para definir seus candidatos. Apesar do esforço, ele não consegue se lembrar dos escolhidos. “Falta mais formação política para a sociedade”, opina. A manicure Kátia Pereira, de 44, só se recorda que seguiu uma indicação do cunhado. “Ele é pastor e pediu voto para dois candidatos que eram evangélicos. Eu ia rasurar tudo”, diz Kátia, desacreditada na política.

O secretário Wendell Martins, de 29, também preferiu votar em quem o tio, político no interior de Minas, aconselhou. “Realmente não lembro em quem votei para federal e estadual. Foi uma indicação do meu tio. A política não é prioridade para mim”, diz. O autônomo Victor Bickel, de 27, chegou a ficar em dúvida se havia ou não comparecido às urnas nas últimas eleições e, sem lembrar em quem votou, reconhece: “A gente acaba nem sabendo o que os políticos estão fazendo”.
Mas Victor promete virar essa página. “Estou mais interessado. Cheguei a ir, recentemente, a uma reunião de um partido”, diz.

O professor de ciências políticas da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Pralon Mancuso afirma que o sistema político brasileiro contribui para o esquecimento do eleitor. “São muitos candidatos e as campanhas são bastante individualizadas”, diz. Em Minas Gerais, 698 candidatos disputaram as 53 vagas na Câmara dos Deputados e 1.119 concorreram a uma das 77 cadeiras na Assembleia Legislativa.

"Claro que sei em quem votei. Se a gente não se lembrar do voto, ficam essas porqueiras aí na política." Luiz Ricardo Carneiro, porteiro, de 54 anos - Foto: Flávia Ayer/EM/D.A Press
Mancuso reforça que essa falha de memória política é danosa, ainda mais numa sociedade marcada pela tradição de cobrar pouco. “Ao não lembrar em quem votaram, pessoas têm também mais dificuldade de cobrar, e, com isso, ainda menos gente acompanha os representantes”, afirma. Para o professor, a solução tem nome e sobrenome: reforma política. “As campanhas tinham que ser não em torno das figuras dos candidatos, mas de propostas partidárias”, diz.

Obrigação

Embora o nome do deputado federal que ajudou a eleger esteja na ponta da língua, o professor Eder Cosso, de 46, não consegue se lembrar em quem votou para deputado estadual. É o caso de oito dos entrevistados pelo EM. Cosso atribui o lapso ao sistema político.
“Como o voto no Brasil é obrigatório, as pessoas vão sem prazer. Se fosse algo espontâneo, o eleitor ia procurar mais”, diz. A atuária Vilma Ferreira, de 62, só se recorda em quem votou para a Câmara e explica o desinteresse do cidadão. “A gente não vê resultado. Vai continuar sempre a mesma coisa”, afirma Vilma, que reconhece existir, em geral, pouca participação dos cidadãos na vida em sociedade. “Ninguém vai nem a reunião de condomínio”, diz.

"Acompanho os políticos pelo Facebook e pelas notícias. Estou muito satisfeita com a deputada estadual em que votei." Nair Eulália Costa, advogada, de 35 anos - Foto: Flávia Ayer/EM/D.A Press
Na avaliação do coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, Robson Sávio, eleitores estão esquecidos por causa de um conjunto de variáveis. “O cidadão atribui ao Executivo todas as responsabilidades em relação ao Estado. Além disso, o mercado eleitoral é amplo e desproporcional. Há também uma descrença muito grande das pessoas. O eleitor não se vê representado e vota de qualquer jeito, o que deixa a democracia representativa mais fragilizada”, afirma.

Apesar de serem minoria entre os entrevistados, oito eleitores (26%) não deixaram a memória falhar. “Se a gente não lembrar do voto, ficam essas porqueiras aí na política”, critica o chaveiro Luiz Ricardo Carneiro, de 54. Interessada em política desde a adolescência, a advogada Nair Eulália Costa, de 35, se mostra eleitora atenta. “Acompanho os políticos pelo Facebook e pelas notícias. Estou muito satisfeita com a deputada estadual em que votei”, afirma Nair, para quem a proximidade dos eleitores leva a maior transparência dos mandatos.

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