Empreiteiras não prestaram contas de consultorias feitas por empresa de José Dirceu

Empreiteiras não comprovam serviço prestado pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Polícia Federal quer ouvi-lo sobre a inexistência de prestação de contas de suas consultas

Eduarda Salles
José Dirceu cumpre prisão domiciliar em Brasília, depois de ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do processo do mensalão - Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Brasília – Empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato informaram à Polícia Federal que não têm nenhuma prestação de contas dos serviços de consultoria da empresa do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Não há relatórios, fotos de palestras, atas de reuniões ou resumo de negócios que foram aprovados graças à intermediação da JD Assessoria e Consultoria. A suspeita dos investigadores é de que as consultorias tenham sido usadas, ao menos em parte, para mascarar pagamentos de propinas de contratos superfaturados com a Petrobras.

Um dos procuradores da força-tarefa da operação, Carlos Fernando Lima, disse ao Estado de Minas que é improvável que essas consultorias sejam reais, mesmo para abrir portas, como alegou Gérson Almada, executivo da Engevix. Ele quer tomar o depoimento do presidente da holding Camargo Corrêa, Vítor Hallack, para esclarecer o trabalho prestado à empreiteira. A PF estuda ouvir o próprio Dirceu sobre a inexistência de prestação de contas de seus serviços. As próprias empreiteiras, depois de procuradas por vários dias pela reportagem, negaram qualquer informação sobre o resultado efetivo dessas consultorias.

A assessoria de Dirceu nega irregularidades. “A relação comercial da JD com as construtoras investigadas não tem qualquer vínculo com os contratos das empreiteiras com a Petrobras”, afirmaram os auxiliares do ex-ministro ao jornal. “As construtoras investigadas também se manifestaram publicamente e em depoimento à Justiça, confirmando que a JD foi contratada e trabalhou na prestação de serviços no exterior.” Dirceu se ofereceu para prestar esclarecimentos à polícia e afirmou que sua empresa encerrou as atividades.

Em 17 de março, Almada disse à 13ª Vara Federal de Curitiba que fez pagamentos ao operador Milton Pascowitch, que trabalhava para o estaleiro ERG, vinculado à empreiteira.
Os recursos eram para atender ao PT. A PF suspeita que Pascowitch pagava propinas no esquema de corrupção da Petrobras. “O Milton veio falar: ‘Olha, Gérson, acho que você precisa manter um relacionamento com o partido, você precisa manter um relacionamento com um partido, você precisa manter um relacionamento com o cliente, e eu me proponho a fazer isso”, declarou o executivo, preso desde novembro do ano passado.

Almada disse que Pascowitch, cuja empresa pagou R$ 1,4 milhão à JD Consultoria, indicou os serviços do ex-ministro à Engevix. O executivo atestou que Dirceu prestou serviço no exterior e era um “brilhante open door”, ou “abridor de portas” em “vendas em toda a América Latina, Cuba e África”, locais onde o ex-ministro “tinha um capital humano de relacionamento muito forte”.

O procurador Carlos Fernando duvida. Para ele, os serviços podem até ser necessários à Engevix e outras clientes da JD, como a UTC e a Camargo Corrêa — cujos executivos confessaram pagamentos de propina no esquema da Petrobras. “Você pediria para uma mesma pessoa fazer a mesma atividade no mesmo período sabendo que ela está atuando para todos os concorrentes?”, afirmou Fernando. “É incompatível a ideia de que ele prestou lobby para cinco empreiteiras ao mesmo tempo. Isso foge de qualquer razoabilidade comercial.” Lima disse que a atuação era sempre “nos mesmos países”, como Peru, Cuba e Venezuela.

HABILIDADE

Dirceu cumpre prisão domiciliar em Brasília após ser condenado no mensalão. Sua assessoria disse que o ex-ministro “possui inegável e reconhecida capacidade de análise de conjuntura política e econômica do Brasil e, sobretudo, da América Latina, Europa e Estados Unidos”. “Tal capacidade é reconhecida internacionalmente e foi de fundamental importância para a JD construir sua reputação e sua clientela.” A JD atendeu cerca 60 clientes e quase 20 setores diferentes da economia, segundo a assessoria.

A JD recebeu R$ 29 milhões entre 2006 e 2013. Desse valor, R$ 10 milhões (35%) foram para empresas envolvidas na Lava-Jato e citadas em parecer do Ministério Público no inquérito sobre a empresa de Dirceu. Procurada, a Camargo Corrêa silenciou. A OAS disse que todos os seus contratos seguem a lei e que “exerce suas atividades com integridade e pautada pela conduta ética”.
A Engevix nada esclareceu, assim como a UTC, a Egesa e a Delta, nova dona da Sigma. A CamaA Galvão Engenharia resumiu a atuação de Dirceu: “Foram contratados, prestados e pagos serviços de consultoria voltados para expansão internacional da companhia”. A reportagem não localizou a Jamp e nem representantes de Pascowitch..