Empreiteiras faziam votação para escolher quem ganharia licitações da Petrobras

Clube de empreiteiras investigadas pelo MP disputava no voto o loteamento de obras na Petrobras, caso houvesse divergências

Eduardo Militão
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Brasília – Documentos e relatos de executivos e funcionários da Setal –, uma das empresas investigadas na Operação Lava-Jato –, em poder do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) mostram que o cartel de empreiteiras da Petrobras se valia até de votações para lotear as obras na estatal. Pela narrativa da construtora de Augusto Mendonça, uma unidade de produção de gasolina na Refinaria do Vale do Paraíba provocou divergências do chamado “clube”. A Odebrecht ganhou a disputa contra a Setal por 6 votos a 3, segundo indicou a denunciante no documento “Histórico de condutas”, que integra acordo de leniência com o Cade. As disputas no “clube” também eram decididas por acordo escritos, com base no valor do espaço já ocupado na “avenida Petrobras”, relatados em atas e planilhas, parte delas com nomes codificados. Procuradas pela reportagem, as demais empreiteiras negaram o cartel ou silenciaram sobre o assunto.

Na semana retrasada, Augusto Mendonça e mais oito pessoas ligadas à Setal Engenharia e à Setal Óleo e Gás (SOG) fecharam o pacto com o Cade. Os delatores esperam ter uma redução na punição por formação de cartel e evitar o pagamento de multas bilionárias. O Cade condenou o cartel do cimento a multas de R$ 3 bilhões. No caso da Petrobras, em que os prejuízos são calculados inicialmente em R$ 4 bilhões, a perspectiva é que uma condenação chegue a R$ 13 bilhões, segundo estimativa do jornal Valor Econômico.

Segundo o relato de Mendonça e da Setal, em 2008, o clube não se acertou sobre as obras da Revap, em São José dos Campos (SP).
A Odebrecht e a Setal queriam ficar com o projeto. “Depois de muita discussão interna, decidiu-se por uma votação dos membros, para definir quem deveria ficar com a obra”, narraram ao Cade. A Odebrecht teve seis votos: o dela própria e o de Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão e UTC, que coordenava o clube. Ao lado da empresa de Mendonça, ficaram só o próprio executivo, a Mendes Júnior e a MPE Montagens. Mesmo assim, na apresentação de preços à Petrobras, todas as propostas foram desclassificadas por valores excessivos. Em nova rodada de negociações, a Odebrecht se associou à UTC e à Promon para apresentar o menor preço: R$ 875 milhões, conforme ata da Petrobras.

Nos outros casos, a maior parte das pendengas se resolvia por acordo (veja quadro). A divisão das obras era anotada em planilhas, com os valores que cada uma tinha obtido na Petrobras e com os preços que cobrariam pelos novos projetos. O cartel começou com nove empresas, aumentou para 16 e chegou a ter 23 firmas, incluindo-se algumas que participavam eventualmente. Um “clube vip” tomava as decisões mais importantes.

A Alusa participava de maneira esporádica do conluio, segundo a Setal, mas chegou a driblar o grupo, o que irritou os participantes de uma reunião. Uma espécie de ata reunião de 29 de agosto de 2010, feita pela Setal, mostra que a Alusa queria ganhar uma parte do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, mas ameaçava furar o acordo. Pelo relato, a Camargo Corrêa pagou à empreiteira concorrente um cheque referente a 30% de algum acerto não esclarecido em obras na refinaria Getúlio Vargas (Repar), no Paraná.

Ao todo, a Setal apresentou 35 documentos para comprovar as acusações. Parte deles foi divulgada pelo Cade e incluem 11 planilhas com divisões de obras e resultados de licitações, duas “atas” de reuniões, as regras do clube disfarçadas de campeonato de futebol, uma ata de concorrência da Petrobras. A empresa de Augusto Mendonça ainda entregou contas telefônicas para mostrar as ligações entre os executivos das empresas e anotações em Ipads.
Numa dessas anotações, as grandes empreiteiras tentaram organizar todo o mercado para incluir as pequenas empresas em alguns “nacos” de contratos da Petrobras. Mais do que benevolência com os pequenos, seria uma forma de manter o controle sobre qualquer possibilidade de perderem suas posições de poder.

A Odebrecht, a Andrade Gutierrez e a Queiroz Galvão Óleo e Gás negaram a participação em um cartel. “Todos os contratos que mantém, há décadas, com a Petrobras, foram obtidos por meio de processos de seleção e concorrência que seguiram a legislação vigente”, disse a Odebrecht. A Camargo Corrêa não comentou, mas disse que a construtora “sanará eventuais irregularidades”. OAS, Engevix, Mendes Jr. e UTC não comentaram o caso. Outras empresas não foram localizadas.

Por dentro do esquema


Como o ‘clube das empreiteiras’ combinava preços e vencedores de licitações na Petrobras
1 Um regulamento disfarçado de campeonato de futebol mostrava regras do esquema
2 Em reuniões no escritórios da UTC (São Paulo e Rio), da Queiroz Galvão (Rio) e da Iesa (Rio), as empresas apresentavam seus interesses em obras, com “notas” de 1 (prioridade) a 3 (baixo interesse)
3 As empresas informavam o tamanho da “carteira” de obras que já tinham na Petrobras, em milhões de reais
4 Por acordo, tudo era dividido entre o clube. Eram feitas planilhas com nomes das obras e empresas. Às vezes, os nomes eram codificados
5 Sem acordo, o caso era resolvido no voto, como aconteceu com obras na Refinaria do Vale do Paraíba (Revap)
6 Na licitação da Petrobras, o ‘escolhido’ apresentava preço mais baixo e os demais, os mais altos. Se algo desse errado, eram estudadas medidas para compensar a perda..