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Estado de Minas ARTIGO

Os paradoxos

Quanto menos cargos em comissão os governos tiverem, menor será o gasto público. Urge profissionalizar a burocracia


postado em 30/11/2014 08:27

Ouvi Dilma dizer que o escândalo na Petrobras pode mudar o Brasil para melhor. Lembro-me de quando expliquei ao meu filho sobre o significado de paradoxo, substantivo abstrato, étimo grego (a língua da abstração filosófica por ter sido a primeira em que o pensar sistemático se fixou). À época morávamos perto de um “aglomerado” pobre. Apontei a “favela” e disse-lhe: “Veja que paradoxo: casas e prédios de qualidade ao lado de barracos paupérrimos”.

Hoje poderia mostrar-lhe o Rio São Francisco, um filete d’água e as bocas de sucção, de onde seria desviado para os canais de cimento já estourados pelo sol inclemente. Diria então: “Gastaram milhões para desviar o rio e se esqueceram que ele míngua dia após dia, assoreado pela desproteção arbórea de suas margens, em rios tributários e nos olhos d’água. Gastou-se tanto dinheiro, além do mais, em obras superfaturadas, para transpor água inexistente. Eis outro paradoxo”. Se investigarem o PAC teremos outros escândalos de superfaturamentos e desvios.

A Petrobras somente levava assuntos e contratações de vulto ao Conselho de Administração da sociedade, órgão incumbido de traçar-lhe as diretrizes, depois de três níveis decisórios abaixo dele os terem estudado e esmiuçado. Isso era no tempo dos militares (sob FHC, a empresa entrou na Bolsa de Nova York). Com Lula na Presidência da República e Dilma na presidência do Conselho da Petrobras, essa regra prudencial foi relegada. As coisas passaram a ser decididas de cima para baixo (veja-se o caso da refinaria de Pasadena).

Ao mesmo tempo, as instâncias administrativas e diretorias, como a de abastecimento (Paulo Roberto Costa) e serviços (Renato Duque), passaram a obedecer a critérios políticos, ou seja, fazer o que o governo quisesse. Por exemplo, somente convidar (em vez de licitar), conversar, contratar e pagar cobrando “comissão” dos fornecedores. Com o tempo chegou-se à sofisticação, segundo depoimento de Costa ao juiz Moro, de o PT, o PMDB e o PP terem seus “operadores” conectados diretamente com os dirigentes da estatal. Na ponta, empresas de “fachada” e “doleiros” se incumbiam de fazer chegar a contas no exterior o dinheiro desviado. Eis aí outro exemplo de paradoxo (temporal). Antes e depois do PT, partido da ética na política.

Por 12 lustrosos anos, Lula e Dilma nada fizeram para desmanchar a corrupção na Petrobras. Agora a presidente, surpreendentemente, se apropria das ações da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça Federal e “aprova” as investigações. O PT aprendeu a inverter a lógica dos fatos: “paradoxo retórico”.

Por falar no excelente trabalho dessas instituições, nos anima sugerir quatro providências, sem que se altere a Constituição, a não ser no caso do Supremo Tribunal Federal (STF) e das outras Côrtes. O Tribunal de Contas da União deixaria de ser passivo (receber as contas e depois examiná-las) e passaria a ser também ativo, como no modelo inglês. Com um grupo de auditores recrutados por concurso público, terá poderes para entrar em qualquer ministério ou empresa controlada pelo Estado e iniciar, sem pré-aviso, auditorias “in loco”. Os cargos de Ministro de Contas – já passou a hora – deveriam ser providos por concurso.

Como já acontece com os membros do Ministério Público, considerado uno e indivisível, os delegados federais seriam dotados de autonomia operacional, sob normas objetivas, sem acatar submissão hierárquica, para desencadear suas ações contra o crime em prol da integridade das instituições.

Urge instalar na Justiça Federal e na Justiça dos estados, bem como nos respectivos tribunais de 2º grau, varas e turmas voltadas unicamente para o julgamento célere das causas envolvendo improbidade administrativa e crimes contra a administração pública direta, indireta e estatais, praticados por funcionários e particulares, nos âmbitos federal, estadual, municipal e paraestatal, abrangendo os crimes conexos. Em paralelo, triplicar as penas, sem direito a progressão de regime enquanto não devolvido o dinheiro furtado e com demissão a bem do serviço publico, do cargo ou mandato, sem direito à aposentadoria. Tornaria a corrupção ato de alto risco. Empresas corruptas não poderiam contratar com os governos quando declaradas inidôneas pelo judiciário.

O STF e todos os tribunais teriam seus membros indicados, em rodízio, pelas seguintes instituições: pelo chefe do Executivo, do Judiciário, do Ministério Público, do Legislativo e pela Ordem dos Advogados do Brasil.

A segurança do cidadão numa sociedade democrática consiste em dividir as forças dos poderes políticos da República. Quanto menos cargos em comissão os governos tiverem menor o gasto público, (urge profissionalizar a burocracia). Quanto menos empresas o Estado tiver menor a corrupção. É a experiência histórica que escancara a verdade e mostra os caminhos, não as ideologias e modelos. O evolver de cada país deve modelar suas instituições.

Sacha Calmon é advogado, coordenador da especialização em direito tributário das Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) no Rio de Janeiro


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