Jornal Estado de Minas

Presos em novembro, Delúbio e Lamas começam a trabalhar fora do presídio

Mesmo tendo que voltar à cela ao fim do dia, vaga fora da prisão ainda é um sonho distante para a maioria dos presos

Amanda Almeida Leandro kleber
Delúbio Soares após o primeiro dia de trabalho na CUT , que dedicou ao cumprimento de ritos determinados para os recém-contratados na entidade - Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Dois condenados em regime semiaberto no processo do mensalão – o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o ex-tesoureiro do PL (atual PR) Jacinto Lamas – começaram a trabalhar fora da prisão, uma realidade distante para a maioria dos presos brasileiros (leia texto abaixo) . Delúbio passou seu primeiro dia de trabalho fora da cadeia cumprindo ritos estabelecidos a recém-contratados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), que pagará salário de R$ 4,5 mil ao condenado no processo do mensalão. O petista chegou à sede do órgão, no Setor Comercial Sul, em Brasília, às 8h30, e, segundo dirigentes, passou o dia em processo de integração com outros funcionários. Sorridente e cercado por colegas que tentavam blindá-lo de jornalistas, ele não quis dar entrevista.


Delúbio foi contratado como assessor da presidência da entidade para produzir relatórios e pareceres. Hoje, ele passa por exame médico admissional. "Ele tem uma história importantíssima na CUT. Foi um dos fundadores. Trabalhará exatamente com as funções que mandamos para o Supremo Tribunal Federal (STF) e foram aprovadas pela Corte, que são na área de formação sindical", diz o presidente da central, Vagner Freitas de Moraes.


Nessa segunda-feira, Delúbio deixou o Centro de Progressão de Pena (CPP), no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), em carro da CUT. Passou o dia no prédio da entidade, sem sair para almoçar. Pela Lei de Execução Penal, ele tem direito a circular por um raio de 100 metros a partir do local de trabalho, no horário de almoço. O petista preferiu, porém, fugir dos holofotes e comeu uma "quentinha" levada por um funcionário. Saiu do local às 18h05 e foi conduzido por outro colega até o CPP, em um carro popular.

Delúbio vestia uma camisa e calça jeans. Fez questão de sorrir ao ver as câmeras voltadas para ele. Assim como na entrada, ele foi cercado por colegas da CUT e não deu entrevistas. Como foi o primeiro dia de trabalho dele, ainda não está estabelecido o horário limite para voltar à cadeia. O prazo é calculado de acordo com a jornada horária dele, o meio de transporte usado e o trânsito enfrentado. Ontem foi uma espécie de teste para o cálculo do tempo que levará no trajeto.

Dois policiais civis da Gerência de Fiscalização de Apenados passaram no prédio da CUT durante a manhã para conferir se o petista estava no local. Nenhum funcionário quis dar entrevistas à imprensa. Depois da saída de Delúbio, alguns companheiros xingaram os jornalistas de "facistas". O pedido da defesa do petista, que não retornou o contato da reportagem, para que o preso pudesse trabalhar foi atendido na quinta-feira.

O ex-tesoureiro do PT cumpre pena de seis anos e oito meses de prisão pelo crime de corrupção ativa. O presidente da CUT admitiu que a central não tem o hábito de empregar presos. "É lógico que é uma exceção, pela história dele com a CUT. Já nos manifestamos sobre o julgamento, que consideramos político. Queríamos uma análise técnica. Não estamos preocupados com uma possível repercussão negativa da contratação", disse Moraes, que, em férias, não esteve com Delúbio e só o encontrará nesta quarta-feira.

Lamas
Condenado a 5 anos de prisão pelo STF por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo do mensalão, Jacinto Lamas também estreou ontem no emprego de auxiliar administrativo em um escritório de engenharia com sede no Conic, com um salário de R$ 1,2 mil por mês. Ele chegou antes mesmo da abertura da empresa e teve de esperar por mais de meia hora, segundo informações de vizinhos do local, para a porta ser destrancada, às 8h. Lamas deixou o trabalho pouco depois das 18h30 e dirigiu sozinho o carro rumo ao Centro de Progressão Penitenciária (CPP), no Sistema de Indústria e Abastecimento (SIA). Ao deixar o local, ele cometeu uma infração grave, de acordo com o Código Brasileiro de Trânsito, ao mudar de faixa sem dar seta no Eixinho.

Depois que desceu o elevador, Lamas ouviu gritos de "pega ele" e "devolve o dinheiro do povo" de pessoas que viram a movimentação da imprensa ao redor do ex-tesoureiro. Lamas ignorou os insultos e caminhou tranquilamente para o estacionamento. Perguntado pelo EM sobre como foi o primeiro dia de trabalho, disse que não poderia falar por decisão judicial. O advogado dele, Délio Lins e Silva, informou que a Vara de Execuções Penais (VEP) do Distrito Federal proíbe que qualquer preso dê entrevistas sem autorização.

Do quinto andar do escritório, Lamas tem vista privilegiada à Torre de TV e ao Hotel Saint Peter, envolvido na polêmica da contratação do também preso no mensalão José Dirceu. No mesmo pavimento do edifício há uma clínica de olhos e outras salas comerciais. A Misula Engenharia, empresa cujo diretor é João Cruz, amigo de Lamas que o contratou, ocupa quatro salas no Conic.

Só 8,4% conseguem emprego

O trabalho externo que o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares começou ontem é ainda uma realidade distante para a maioria dos presos brasileiros. Levantamento do Estado de Minas revela que apenas um a cada 12 presos do Distrito Federal com direito ao benefício havia obtido uma vaga por conta própria na iniciativa privada, como fizeram os condenados da Ação Penal 470, o nome formal do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal. Dos 3.383 réus no regime semiaberto do DF, apenas 287 obtiveram este tipo de trabalho externo. O número representa apenas 8,4% do total. Os dados são do Sistema de Informações Penitenciárias (Infopen) do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), atualizados em dezembro de 2012, e da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap). No total, contando os convênios firmados, o DF tem 771 presos realizando trabalho externo e outros 1.122 dentro dos presídios.

“O trabalho externo, de fato, não se estende à maioria dos internos. Há vários fatores que contribuem para isso”, constata o cientista político e professor da Unesp Milton Lahuerta, estudioso do tema da segurança pública. “A legislação prevê a existência de convênios para garantir o acesso da população carcerária ao trabalho e à ressocialização, o que nem sempre ocorre de forma plena, tanto por desinteresse dos próprios presos quanto da sociedade, que não valoriza esse tipo de iniciativa”, avalia Lahuerta. “Muitos desses presos simplesmente não se enxergam trabalhando com o tipo de atividade oferecida, seja no semiaberto ou durante o regime fechado”, completa ele.

Convênios

Os presos que cumprem pena no regime semiaberto podem começar a trabalhar por dois caminhos: encontrar uma vaga por conta própria e apresentar uma petição ao juiz responsável pela execução da pena, como fizeram Delúbio, Jacinto Lamas e José Dirceu, ou preencher a ficha de pedido de trabalho da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap), ao entrar no sistema prisional. A Funap mantém hoje 46 convênios de trabalhos para os presos, segundo a página do órgão na internet. Os internos recebem uma “bolsa ressocialização” a partir de um salário mínimo, além de vales para transporte e alimentação, e prestam serviços de office boy, copeiro, serviços gerais e limpeza de áreas públicas, entre outras.

O quadro no Distrito Federal não difere muito do restante do país. Dos 96.775 presos brasileiros em regime semiaberto ou aberto, apenas 11.162 trabalhavam fora dos presídios, de acordo com os dados do Infopen. Os réus do mensalão também integram outra minoria: a dos presos por crimes contra a administração pública. Dos mais de 513 mil detentos do país, apenas 2.703 estavam encarcerados por esse tipo de delito, em 2012. (André Shalders)