Jornal Estado de Minas

Parlamentares adiam votação de projetos que contrariam os próprios interesses

Projetos que atingem diretamente os parlamentares mofam nas gavetas do Congresso, entre eles o que reduz o total de cadeiras e o que limita o número de mandatos no Legislativo

Juliana Cipriani
Plenário da Câmara dos Deputados: muitas propostas são barradas ainda nas comissões temáticas, como a que reduz o número de parlamentares de 513 para 380 e a que permite revogar o mandato de políticos - Foto: Gustavo Lima/Agencia Camara

Enquanto a tão esperada reforma política caminha a passos lentos no Congresso, alguns projetos que trariam mudanças estruturais e atingiriam diretamente os membros do Legislativo permanecem parados fora dos holofotes. Silenciosamente e com poucas chances de virar lei, mofam nas gavetas da Câmara dos Deputados e do Senado propostas que poderiam reduzir o número de parlamentares e limitar a reeleição no Legislativo, acabar com o salário de vereadores, retirar o mandato de quem não cumprir as promessas de campanha e outros temas, no mínimo, espinhosos para os que deveriam votá-los.

Sem a lupa da sociedade sobre eles, pelo menos dois textos já sofreram revés. A proposta de emenda constitucional (PEC) que reduz o número de deputados federais de 513 para 380 teve parecer pela rejeição. No relatório apresentado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), no fim de junho, o deputado Vicente Arruda (PR-CE) alegou que o ato das disposições transitórias da Constituição assegura a “irredutibilidade” da representação. A PEC não havia passado pela primeira comissão desde 1999, quando foi apresentada.


Já a PEC que proibiria os vereadores eleitos para cidades com até 50 mil habitantes de receber salários e escalonaria os tetos para os parlamentares de municípios maiores não passou nem pela CCJ. O autor da matéria, senador Cyro Miranda (PSDB-GO), pediu a retirada de tramitação, segundo sua assessoria, para que haja uma melhor análise do assunto. Outra proposta que ainda não foi votada, apesar de ter sido apresentada em 2009, é a que institui o sistema unicameral no país, acabando com a existência do Senado. A PEC chegou à CCJ, foi arquivada e desarquivada em 2011 e só este mês teve novo relator designado na comissão, o deputado Bonifácio Andrada (PSDB-MG).


Andrada agora estuda a questão e diz que seu papel é avaliar se o texto pode tramitar, ou seja, se ele não fere nenhuma das cláusulas pétreas (imutáveis) da Constituição. No mérito, no entanto, o tucano diz ser contra propostas que enfraquecem o Legislativo, caso em que ele enquadra, por exemplo, o texto que reduz o número de deputados. Sobre a tramitação dificultada de alguns textos, o parlamentar explica: “Ficam parados aqueles que não despertam interesse imediato do Legislativo, quando os deputados acham que ainda não é o momento de decidir sobre a questão”.


Uma PEC que não despertou interesse foi a que acaba com a possibilidade de os deputados licenciados para exercer cargos de ministro ou secretário de Estado optarem pelo salário do Legislativo, geralmente bem mais atrativo que os valores pagos pelo Executivo. Em março, o Estado de Minas mostrou que o subsídio parlamentar de R$ 26.723,13, teto do serviço público no país, era a opção de 43 deputados federais. Para se ter uma ideia, o salário de secretário de Estado em Minas Gerais é de R$ 10 mil. O texto aguarda designação de relator na CCJ há exatamente dois anos.

Recall político

Apresentadas na Comissão Especial de Reforma Política em outubro de 2011, outras quatro propostas de emendas adormecem sem votação. Além de questões como instituir o voto facultativo para os eleitores e permitir candidaturas avulsas de políticos não filiados a partidos, elas tocam em dois temas especialmente sensíveis aos deputados e senadores. O primeiro deles institui o chamado recall político, ou seja, permite revogar o mandato de quem não cumprir as promessas que fez quando era candidato. O segundo permite aos candidatos a cargos legislativos tentar apenas uma reeleição seguida, limitando a participação. Na Câmara, há casos de deputados com 40 anos de mandato. “O sistema precisa ser oxigenado, política é um serviço prestado e não uma profissão”, afirmou o autor da emenda, deputado José Reguffe (PDT-DF). O parlamentar, no entanto, não é muito otimista sobre a aprovação. “É muito difícil quem foi eleito por um sistema querer mudar, mesmo essa mudança sendo importante para a sociedade e para nossa democracia”, disse.

No Senado, o terror dos políticos é o projeto de lei que obriga os políticos eleitos para o Executivo e Legislativo federais e estaduais a matricular seus filhos e dependentes em escolas públicas de educação básica. “Talvez não haja maior prova do desapreço para com a educação das crianças do povo do que ter os filhos dos dirigentes brasileiros, salvo raras exceções, estudando em escolas privadas. Essa é uma forma de corrupção discreta da elite dirigente, que, em vez de resolver os problemas nacionais, busca proteger-se contra as tragédias do povo, criando privilégios”, justifica o autor, senador Cristóvam Buarque (PDT-DF). O texto tramita desde 2007 e já teve relatores designados e trocados na CCJ ao longo dos anos. O da vez é o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), para quem o texto foi distribuído em março.

E mais...

Bolsa-Família

O Juizado Especial Criminal de Brasília determinou o arquivamento da investigação criminal sobre o boato do fim do pagamento do Programa Bolsa-Família, que ocorreu em 18 e 19 de maio. De acordo com o site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, o juiz responsável pediu o arquivamento por não verificar “nenhuma comprovação idônea e adequada de que o crime em investigação tenha sido praticado e que a pessoa investigada, ou indicada pela vítima tenha agido com culpa ou mesmo dolo”. A decisão foi publicada ontem no site do TJDF e é acompanhada pela conclusão das investigações feitas pela Polícia Federal. A PF encerrou as investigações sobre o caso em 12 de julho, após constatar que o boato sobre o fim do Bolsa-Família “foi espontâneo não havendo como afirmar que apenas uma pessoa ou grupo os tenha causado”.

Supremo
O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, assumirá o comando da Corte a partir de hoje, posto que ocupará até o fim do mês. Ele ficará no lugar do presidente Joaquim Barbosa, que tira férias no período. Barbosa permanecerá no país, mas a localização exata não foi divulgada pela assessoria. Como plantonista, Lewandowski terá a prerrogativa de decidir questões urgentes, mesmo que estejam sob responsabilidade de outros relatores. Assessores adiantam que ele não pretende julgar assuntos polêmicos no período. É praxe no Supremo que o presidente e o vice se revezem no plantão durante o recesso. Barbosa ficou no posto desde o início do mês até sexta-feira, período em que deu liminar para suspender a criação de mais quatro tribunais federais no país, um deles o de Minas Gerais.