Jornal Estado de Minas

Ritmo cai no Congresso sem pressão da rua

No auge dos protestos do mês passado, Congresso trabalhou dia e noite para atender as reivindicações da população. Passado o impacto das manifestações, agenda esfriou

Isabella Souto
O empenho no Congresso Nacional em aprovar projetos de interesse popular parece ser proporcional à voz das ruas. Na semana coroada com a baixa adesão de manifestantes ao Dia Nacional de Luta – realizado na quinta-feira –, deputados federais e senadores não tiveram o mesmo esforço dos dias que sucederam os protestos que varreram o país durante a Copa das Confederações, no mês passado. Algumas das reivindicações dos manifestantes foram rejeitadas ou adiadas para agosto, quando o Congresso retorna do recesso parlamentar.


Os projetos espinhosos da agenda positiva do Congresso foram sendo empurrados e, às vésperas do período oficial de recesso, marcado para começar na quinta-feira, parlamentares já dão indícios de que não estão dispostos a seguir nesse esforço, em temas sobre os quais não há consenso. Na terça-feira passada, por três votos, senadores rejeitaram a proposta de redução do número de suplentes com a previsão de nova eleição em caso de o titular do cargo ter de se afastar. No dia seguinte, conseguiram construir acordo, retirando a previsão de nova eleição, para evitar o constrangimento de derrubar uma pauta prioritária.


A redução do número de suplentes fazia parte de mensagem encaminhada pelo Planalto com cinco pontos sobre reforma política que deveriam ser discutidos com a sociedade por meio de um plebiscito, que, aliás, foi derrotado pelos parlamentares. Em vez de elaborar o decreto legislativo convocando a consulta popular, eles optaram por criar um grupo de trabalho para debater o tema em 90 dias e, se entenderem viável, realizar um referendo. No plebiscito, a sociedade é consultada primeiro. No referendo, depois de aprovada uma lei, a população opina se ela deve entrar em vigor ou não. Para derrotar a ideia do plebiscito, os deputados alegaram que a consulta não seria realizada em tempo hábil para que as novas regras valessem para as eleições de 2014.


Na Câmara, na quinta-feira, por falta de consenso, os deputados não conseguiram votar o projeto que destina os royalties para a educação. A avaliação que corre entre os parlamentares é a de que é pior insistir nas matérias sem acordo. E o melhor é torcer para que, depois do recesso, algum consenso seja construído até lá.


“Mesmo com toda a pressão das ruas, já não conseguimos votar alguns projetos. O da suplência, por exemplo, deixamos de aprovar o ideal para votar um incompleto”, analisa o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP). “O esforço concentrado não pode ter sido só um surto. Se for, pode ter como retorno uma enorme frustração na população”, diz. Danilo Fortes (PMDB-CE) concorda. “No momento em que o povo está nas ruas, protestando por todas as suas dificuldades diárias, não tem o menor sentido político estar reivindicando o direito de estar na praia. Isso é um desrespeito”, critica.


Já outros parlamentares, como os senadores Delcídio Amaral (PT-MS) e Cristovam Buarque (PDT-DF), se mostraram desconfortáveis com as votações a toque de caixa. Para o ex-governador do Distrito Federal, análises de projetos complexos, como a própria destinação dos royalties para o petróleo, demandam mais discussões. Já Delcídio disse até torcer pelo recesso. “Eu espero que isso termine logo (as votações aceleradas da agenda positiva) e que venha o recesso parlamentar. Eu espero que a gente avalie bem as nossas agendas, porque nós estamos chegando a uma situação absolutamente inadministrável”, reclamou durante a apreciação do projeto sobre suplentes do Senado, na terça-feira.


FORO PRIVILEGIADO
Os brasileiros ainda terão também que esperar um pouco mais para verem aprovadas a extinção do foro privilegiado para políticos e a chamada PEC da Punição, que estabelece a possibilidade de juízes e membros do MP serem demitidos por decisão administrativa. O texto também põe fim à aposentadoria compulsória com valores proporcionais ao tempo de contribuição dos magistrados, promotores e procuradores alvos de processo disciplinar. Para puni-los, eles seriam colocados em regime de disponibilidade pelos conselhos nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP).


Da mesma forma, ficou para o segundo semestre a discussão do passe livre para estudantes de todo o país – pano de fundo para as manifestações de junho, quando era pedida a redução das passagens de ônibus e a gratuidade para estudantes – e o Plano Nacional de Educação. Os senadores até que aprovaram no dia 26 a classificação do crime de corrupção como hediondo, mas, a partir de um acordo de líderes, a discussão foi adiada na Câmara dos Deputados.


VAIVÉM 
A PEC que estende as regras da Lei Ficha Limpa para os servidores públicos já está na Câmara dos Deputados, porém, se o texto aprovado pelo Senado for modificado, ela volta para apreciação dos senadores. De acordo com a proposta, não poderão ser empossadas e estão passíveis de demissão em qualquer cargo público federal, estadual ou municipal pessoas condenadas por decisão da qual não caiba mais recursos ou por órgão colegiado a partir da promulgação da proposta. Quem estiver inelegível em razão de condenação ou punição de qualquer natureza – por crimes contra a administração, eleitorais ou hediondos – também ficará impedido de ocupar cargos públicos. A PEC foi aprovada graças a um acordo feito com todos os líderes partidários do Senado.


Na quarta-feira passada, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou substitutivo à PEC que facilita a apresentação de projetos de iniciativa popular – como o texto que originou a Lei Ficha Limpa. A matéria reduz pela metade o número de assinaturas necessárias para o ato público, que passaria de 1,3 milhão para 600 mil, e permite a apresentação de projeto de emenda à Constituição pelo povo, hoje uma exclusividade da Presidência da República, Congresso Nacional e assembleias legislativas. O texto está pronto para ir ao plenário do Senado, mas depende também de aprovação na Câmara dos Deputados para ser promulgado.


A responsabilização de empresas pelo crime de corrupção depende agora da presidente Dilma Rousseff (PT), responsável por sancionar ou vetar o projeto que fixa em até R$ 60 milhões multas a empresas que trouxerem prejuízos à administração pública, além de prever o ressarcimento ao erário. O texto foi aprovado no Congresso no dia 4. (Colaboraram Amanda Almeida e Juliana Braga)

 

O que ficou de fora

Projetos da agenda positiva que voltarão a tramitar apenas na volta do recesso, em 1º de agosto

» Voto secreto – Aprovado apenas na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Na hora de ir ao plenário, a proposta encalhou.

» Fim do foro privilegiado para políticos e autoridades
Sem consenso. Dois projetos tramitam na Câmara e no Senado.

» Passe livre para estudantes de todo o país – O relator, Vital do Rêgo (PMDB-PB), pediu mais tempo para avaliar quanto o benefício custaria aos cofres públicos e como seria custeado.

» Royalties para educação  Texto foi aprovado no Senado, mas houve impasse em torno da votação na Câmara.

» Plano Nacional de Educação  Depende da aprovação do projeto dos royalties. Está parado no Senado.

» Inclusão da corrupção no rol de crimes hediondos  Aprovado somente no Senado.

» Redução do número de suplentes de senador  Aprovado somente no Senado.

» Ficha limpa para servidores públicos – Aprovado somente no Senado.

» Redução do número de assinaturas necessário para a apresentação de proposta de iniciativa popular  Aprovado apenas pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado

 

'Recesso branco'
Mesmo sem votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que condiciona o início do recesso parlamentar, o Congresso já entrou em uma espécie de “recesso branco”. A pauta será esvaziada até acabar o período previsto para as férias parlamentares, que deveriam ser suspensas devido aos impasses na Comissão Mista de Orçamento (CMO). O problema é que, sem votar a LDO, os parlamentares são proibidos pela Constituição de entrar em recesso. Por causa de conflitos entre seus integrantes desde quando foi instalada, a CMO atrasou para definir quem seria o relator e, com reuniões esvaziadas, até agora não se chegou a consenso para votar o texto, pronto há quatro semanas. Segundo o presidente da comissão, senador Lobão Filho (PMDB-MA), parlamentares de todas as legendas, exceto o PT, estão obstruindo os trabalhos. Na avaliação do relator da LDO, deputado Danilo Fortes (PMDB-CE), na melhor das hipóteses, o trâmite da matéria será concluído somente em 10 de agosto.