Jornal Estado de Minas

Antigos símbolos do Brasil renascem nos protestos das ruas

Bandeira, hino e cores nacionais ressurgem nas ruas das cidades de todo o país como ferramentas de protesto

Maria Clara Prates
Manifestantes pintam os rostos com as cores do Brasil, antes do protesto que aconteceu ontem no Rio por melhor qualidade no transporte, contra a violência policial e a corrupção - Foto: Sérgio Moraes/Reuters
Os protestos que tomam conta das ruas de todo o país há uma semana estão fazendo renascer símbolos brasileiros que andaram esquecidos desde o período da ditadura militar, como o Hino Nacional, a Bandeira do Brasil e as cores oficiais: o verde e o amarelo. Jovens responsáveis pela mobilização, que reivindica melhorias no transporte público, saúde, educação e cobra o combate efetivo à corrupção, entoaram várias vezes e com desenvoltura a complicada letra do hino. E ontem, mais uma vez, torcedores que acompanhavam o jogo no Maracanã, entre Espanha e Haiti, cantaram sozinhos e depois lançaram mão de uma das palavras de ordem mais comuns nos tempos de chumbo: “O povo unido jamais será vencido”. Com esse slogan, usado pelos opositores do regime, a legião de jovens tem lançado mão nos protestos de cartazes com dizeres do hino como: “Verás que um filho teu não foge à luta”, que serviu aos militares durante a ditadura. Uma mistura que tem deixado desorientados até os mais atentos observadores.





O sociólogo Rudá Ricci, mestre em ciências políticas e doutor em ciências sociais, adverte que tudo que vem acontecendo é muito novo e não pode ser compreendido plenamente em apenas uma semana. Ele não acredita, no entanto, que a valorização dos símbolos nacionais pela juventude possa ser interpretado a apenas como um sentimento ufanista. Para Rudá, o que os jovens – dos quais 70% nunca tinham participado de qualquer tipo de reivindicação – querem demonstrar é que “gostam do Brasil, mas não são bobos”. “Eles sabem que o Brasil tem dinheiro e que tem investido em coisas erradas, como estádios de futebol, aeroportos, em detrimento de educação, saúde e transporte”, diz. O sociólogo diz ainda que cantar o Hino Nacional em massa pode ser também uma forma de aplacar a repressão policial. “Desde as décadas de 1960 e 1970 existe uma técnica de gritar palavras de ordem para serem repetidas em ondas pela multidão. Esses jovens aprenderam muito rápido a ocupar as ruas e hoje fazem isso, só que usando o hino”, explica.

Colcha

Para explicar essa colcha de retalho em que se transformaram os protestos que pipocam por todo o país, é preciso entender que os jovens que ocupam as ruas hoje não formam uma “massa”, com um ideal único. Segundo Rudá, são grupos que se juntam para protestar com bom humor, rebeldia e irreverência, características típicas do povo brasileiro. “Estou chamando esses protestos de carnavalização da política, porque não têm um único ideal, como derrubar a ditadura, por exemplo. Alguns estudantes que ocupam o espaço público estão ali simplesmente porque foram convidados por um amigo”, analisa. Ele lembra que uma das palavras de ordem muito usadas nos protestos de hoje é “O gigante acordou” ou o “Gigante não está adormecido”, que remete a uma propaganda de uísque importado. Isso sem nenhuma preocupação, de em seguida, gritar frases do Hino Nacional. “Não podemos dizer que isso é nacionalismo. A verdade é que esses símbolos vêm sendo retomados em defesa do país, desde que os caras-pintadas tomaram as ruas em defesa do impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo, em 1992.