Jornal Estado de Minas

Castelo volta a assombrar deputado mineiro

Deputado Leonardo Moreira é indiciado pela PF por não ter declarado ao TRE a extravagante construção doada a ele pelo pai, Edmar Moreira

Maria Clara Prates
O milionário investimento do ex-deputado federal Edmar Moreira para construção de uma réplica de um castelo, que deveria se transformar em um hotel de luxo, no pequeno município de São João Nepomuceno, Zona da Mata mineira, não só não saiu do papel como terminou por gerar o indiciamento de um de seus filhos, o deputado estadual Leonardo Moreira (PSDB), em inquérito da Polícia Federal. No relatório final do inquérito, a PF concluiu que Leonardo, um dos sócios da empresa Hotel Castelo Monaliza Ltda, cometeu crime eleitoral ao omitir na declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral, na eleição de 2006, a propriedade de 49% das cotas do empreendimento. O pai dele não se reelegeu, mas Leonardo Moreira está no terceiro mandato consecutivo. O documento, encaminhado ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MG), no início do ano, ainda está tramitando, em segredo de Justiça.
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Além do indiciamento, a construção – avaliada em pelo menos R$ 25 milhões com 7,5 mil metros quadrados, mas hoje abandonada e depredada – pode trazer outras dores de cabeça para seus investidores. De acordo com a Polícia Federal, a apuração do ilícito eleitoral trouxe à tona “indícios de outros crimes” e, por isso, foi pedida também a remessa das provas colhidas à Receita Federal e ao Ministério Público Federal para possíveis providências. A investigação apontou que nas informações apresentadas ao Leão referentes à declaração simplificada de pessoa jurídica do castelo, inativa de 2007 a 2011, o empreendimento está em nome de um ex-funcionário de Edmar Moreira, Geraldo Pedrosa, que morreu em 2006. No relatório, a PF afirma que Geraldo, que trabalhou durante 27 anos com a família, consta como sócio-administrador do Hotel Castelo Monaliza perante a Receita Federal, desde a fundação do empreendimento, mas não na relação de sócios registrada na Junta Comercial de Minas Gerais (Jucemg).

Distorções

Para a apuração do crime eleitoral, o TRE-MG autorizou a quebra do sigilo fiscal do deputado Leonardo Moreira, atendendo a pedido da Polícia Federal. A devassa na vida financeira do parlamentar terminou por demonstrar também que em suas declarações à Receita ele informou que o capital social da empresa era de R$ 1,17 milhão, mas nunca foi integralizado e, por não ter faturamento, era declarada como microempresa. Entretanto, a família tentou negociar o castelo em 2009 por R$ 25 milhões, total bem superior ao declarado oficialmente. Para a PF, ao tentar esclarecer as negociações envolvendo seu empreendimento, Leonardo Moreira admitiu que promoveu “movimentações financeiras fora do sistema bancário”. Entre elas, estaria o saque de um cheque no valor de R$ 500 mil, referente à venda de um imóvel. Para a polícia, uma tentativa de “frustrar a penhora de débitos trabalhistas” de três empresas de vigilância de sua família, com sede em São Paulo.


- Foto: Jackson Romannelli/EM da pressEm seu depoimento, Leonardo Moreira não escondeu o interesse de evitar os controles do sistema bancário brasileiro. Ele disse à PF que “não manteve o dinheiro em conta devido aos problemas financeiros das empresas das quais era diretor” e, “como havia bloqueio de valores da sua conta e de seus familiares, parou de deixar dinheiro em banco”. Quanto à omissão da declaração de suas cotas no castelo à Justiça Eleitoral, Moreira disse acreditar que ela “pode ser decorrente do fato de a empresa (Castelo Monaliza Ltda) ainda não estar formalizada”. O parlamentar, no entanto, fez questão de frisar que seu empreendimento está baixado na Junta Comercial de São João Nepomuceno desde 2007, quando tentou vender a mansão. Os argumentos dele não convenceram o delegado Roger Lima, presidente do inquérito. “Do exposto, restou comprovada a omissão na declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral no pleito de 2006 de 49% das cotas do Hotel Castelo Monaliza Ltda, com valor registrado em R$ 1,176 milhão e o valor real de mais de R$ 10 milhões, o que tipifica o crime previsto no artigo 350 do Código Eleitoral”, concluiu. O Estado de Minas tentou falar com o deputado Leonardo Moreira durante todo o dia de ontem, mas sem sucesso.

Era uma vez  uma eleição...

Os problemas causados à família do ex-deputado federal Edmar Moreira pela propriedade do castelo tiveram início em 2009, logo depois que o parlamentar foi eleito corregedor da Câmara e 2º vice-presidente da Casa. Moreira atraiu para si todas as atenções depois de defender que os deputados não deveriam ser julgados por seus pares. Ele alegou falta de isenção em razão do “vício insanável da amizade”. Uma gota d’água no mar já revolto das insatisfações que Moreira angariou ao se candidatar à corregedoria, contrariando a indicação do seu partido na época, o DEM. Depois da declaração, pipocaram várias denúncias contra o parlamentar, como a existência de uma ação penal para apurar a apropriação indébita de valores referentes ao INSS de servidores de suas empresas. Mas nada chamou tanta a atenção quanto a propriedade da extravagante construção em São João Nepomuceno, que não constaria de sua declaração de bens.


Moreira conseguiu provar que fez a doação do imóvel a seus filhos, entre eles, o deputado estadual Leonardo Moreira, mas já estava ameaçado de expulsão do partido. Ele preferiu renunciar ao cargo na Câmara e deixar o DEM, mas não conseguiu se desvencilhar da maldição do castelo. A divulgação da imagem do imóvel fez com que o caso ganhasse contornos de escândalo nacional. E arrastou para o centro da polêmica também o deputado estadual Leonardo Moreira. Apesar de ter recebido o imóvel como doação, ele não declarou sua posse à Justiça Eleitoral ao se candidatar a uma cadeira na Assembleia Legislativa de Minas. A omissão acabou gerando a instauração do inquérito contra o parlamentar tucano, agora indiciado por crime eleitoral. Depois do escândalo, Edmar Moreira não conseguiu se reeleger como deputado federal. Em 2011, ele assumiu o cargo de vice-presidente da Minas Gerais Participações, mas saiu 11 dias depois.


O castelo tem 36 suítes, com mármore por todos os lados, sendo que um dos quartos ocupa três andares de uma de suas torres, com piscinas, lago e jardins. No entanto, a construção está inacabada e marcada pelo abandono. Segundo o parlamentar, a intenção da família era transformar o local em um hotel de luxo, mas a dificuldade de acesso à cidade inviabilizou os planos. O imóvel está à venda desde 2009, depois de ser avaliado em R$ 25 milhões, conforme anunciado pelo próprio Edmar Moreira. Não apareceram compradores para a mansão, que tem ainda dois elevadores parados que deveriam dar acesso aos seus seis andares. A cozinha industrial, que fica no primeiro andar, e a sauna também estão desativadas.