Jornal Estado de Minas

Memória

Há 50 anos, briga entre deputados estaduais chegou a ter tiros em plenário da Assembleia

Em fevereiro de 1963 uma briga entre dois deputados pela disputa da liderança do PTB, com direito a troca de ofensas na tribuna, agitou a Assembleia Legislativa de Minas

Daniel Camargos
Daniel de Barros e Waldomiro Lobo: segundo reportagem da época, disparos não tiveram como objetivo matar, mas apenas assustar o adversário - Foto: Arquivo EM 

Se atualmente na Assembleia Legislativa de Minas Gerais os deputados da base governista são maioria absoluta e a oposição é sufocada, há 50 anos era bem diferente. Em 7 de fevereiro de 1963, o plenário do Legislativo mineiro foi palco de uma briga entre dois deputados do mesmo partido, o PTB, que terminou com dois tiros disparados, mas sem nenhuma vítima. A manchete do Estado de Minas no dia seguinte ao episódio foi: “Líder do PTB alveja duas vezes colega de bancada”.

O autor dos disparos foi o deputado Daniel de Barros e a “vítima” o seu colega Waldomiro Lobo. “Os disparos desfechados pelo líder da bancada trabalhista não atingiram o alvo ao que parece propositadamente, já que buscaram ambos a direção aos pés do sr. Waldomiro Lobo. A correria foi geral, tanto no plenário quanto nas galerias, não dando tempo sequer ao presidente eventual da reunião, deputado Antônio Pinto Coelho, de encerrar os trabalhos”, noticiou o jornal.

A rixa dos dois deputados surgiu por causa da disputa da liderança do PTB na Assembleia, ganha por Daniel de Barros. Waldomiro não se conformou e passou a criticar o correligionário. O ex-ministro Ibrahim Abi-Ackel era deputado à época e lembra o contexto. “Vivíamos um período de definição do governo de João Goulart (PTB), quando ele lutava para fazer as reformas de base”, lembra. “O clima era muito acirrado e havia grande oposição ao governo de Magalhães Pinto (UDN)”, completa o ex-ministro.

João Goulart enfrentou imensa resistência desde o momento da posse. Um dos seus principais opositores era o governador de Minas à época, Magalhães Pinto (UDN), que questionou a posse dele desde o início, quando Jango assumiu o posto deixado por Jânio Quadros (PTN). E, em meados de 1963, Magalhães Pinto se envolveu diretamente nas articulações para derrubar o presidente.  João Goulart acabou deposto da Presidência da República em 10 de abril de 1964 e os militares assumiram o poder.

“Era uma época de efervescência política e a sociedade estava dividida. Os partidos tinham territórios bem demarcados e havia muita paixão. O clima hoje é totalmente diferente”, analisa Abi-Ackel. Sobre Daniel de Barros, o ex-ministro lembra ter tido uma relação boa com ele. “Já o Waldomiro era um homem de temperamento um pouco exaltado”, recorda o ex-ministro.

PROVOCAÇÕES A disputa entre os dois deputados começou a se acirrar quando Waldomiro foi à tribuna e leu uma entrevista concedida por Daniel a um jornal de Uberaba, no Triângulo Mineiro, em que ele criticava o governo de Magalhães Pinto. “Procurou ridicularizar seu colega, dizendo que o mesmo, um dia, estava de um lado outro dia, estava de outro, além de criticar também a sua atuação parlamentar na legislatura passada”, informou o jornal do dia seguinte.

As provocações seguiram quando o deputado Waldir Melgaço (UDN) criticou o presidente João Goulart e Waldomiro gritou: “Agora é que vamos ver se o PTB tem mesmo líder nesta Casa”. Diante do desafio, Daniel pediu a palavra. Quando ia se explicar Waldomiro, do plenário, aos gritos, começou a chamar o colega de mentiroso e canalha. A sessão foi suspensa por 10 minutos e Daniel voltou a falar.

 Segundo relatou o jornal, o deputado afirmou que ali estava para dizer que não tem medo de Waldomiro e não levava em conta as suas ameaças. “Não chegou a completar a frase, em face da intervenção do seu contendor, que, levantando-se da poltrona, caminhou em direção à tribuna, gesticulando em tom ameaçador. Ato contínuo, Daniel sacou do revólver e o disparou no rumo dos pés do deputado Waldomiro Lobo, que recuou em direção à bancada de imprensa, quando então foi disparado o segundo tiro, com trajetória idêntica. O tumulto tomou conta do plenário, tendo alguns deputados se dirigido à tribuna, com a finalidade de desarmar o sr. Daniel de Barros, o que foi feito pelo deputado Artur Fagundes, do PR de Montes Claros.” Uma comissão foi criada para analisar o caso, mas nenhum dos dois foi punido.

Outra casa

O episódio aconteceu na sede provisória da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Em 16 de setembro de 1959, um incêndio de grandes proporções destruiu o prédio da Praça Afonso Arinos e a maior parte dos arquivos e do mobiliário da Casa. As investigações na época apontaram como causa provável um curto-circuito. Por causa do incêndio, o Legislativo mineiro passou a funcionar em um imóvel emprestado, a Casa D’Itália, na Rua Tamoios. Somente em 1º de março de 1972, a Assembleia de Minas inaugurou sua nova sede, o Palácio da Inconfidência (foto), no endereço atual, no Bairro Santo Agostinho.

Chicote e bala

Em 21 de setembro de 1960 outro episódio violento ocorreu na Assembleia. O deputado Hernani Maia (PTB) discutiu com Luiz Maranha (PSD). Maia chicoteou Maranha, que reagiu à bala. O tiroteio se transformou em uma confusão generalizada. Populares participaram da confusão e mais de uma dezena de tiros foi disparada, mas ninguém foi atingido.