Jornal Estado de Minas

Os ternos de R$ 3 milhões

Deputados mineiros insistem na verba do paletó

Nos últimos meses, três assembleias legislativas e a Câmara do DF acabaram com a verba do paletó que os deputados recebiam. Em Minas, a discussão ainda passa longe do plenário

Isabella Souto Juliana Cipriani
Na contramão de colegas de 10 estados que já aboliram – ou nunca pagaram – a chamada verba do paletó aos seus parlamentares, os mineiros não parecem dispostos a abrir mão de R$ 40.082,70 anuais para comprar terno. Somente neste ano o Distrito Federal, Goiás e Paraná extinguiram o benefício, que implica pagamento de dois salários adicionais, em fevereiro e dezembro, depois de questionamentos judiciais ou pressão popular. De acordo com a assessoria de imprensa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, não há qualquer discussão sobre o assunto na Casa. Se fosse cancelado o pagamento da verba, seriam economizados R$ 3.246.698,70 a cada ano.
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 A resolução em vigor que prevê a verba do paletó em Minas Gerais é datada de setembro de 2001 e é fruto de um termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado com o Ministério Público depois que o Estado de Minas mostrou em série de reportagens iniciadas em agosto do mesmo ano que os parlamentares recebiam R$ 60 mil mensais. Na ocasião o valor estipulado para o auxílio foi de R$ 6 mil, o correspondente ao subsídio que foi acertado com eles na ocasião.

Os últimos a darem o bom exemplo foram os deputados distritais. Na terça-feira passada os 23 parlamentares presentes no plenário do DF aprovaram o projeto de lei que acabou com o 14º e 15º salários de R$ 20 mil cada pagos na Casa. No mês passado, sete deles já haviam renunciado ao benefício, que foi pago no dia 20, em pleno recesso de carnaval. No entanto, para compensar a perda, a verba indenizatória foi reajustada de R$ 11,2 mil para R$ 20 mil, mesmo valor pago aos deputados mineiros. No Paraná, um acordo de líderes resultou na extinção da verba. A “generosidade” foi fruto de pressão da imprensa e ameaças do Ministério Público de entrar com ação judicial.

Para aqueles que não cortaram o benefício “por livre e espontânea vontade”, o cerco está se fechando no Judiciário. Os deputados goianos já entraram o ano sem direito ao extra. Isso porque em dezembro o juiz Gerson Santana Cintra aceitou uma ação direita de inconstitucionalidade (Adin) proposta pelo Ministério Público de Goiás. O pagamento é previsto no regimento interno da Assembleia goiana e representava um custo de R$ 40 mil extras com cada um dos 41 deputados. Ao acolher a ação, o juiz argumentou que a vantagem poderia gerar dano ao erário.

Moralidade


Em novembro, foram os 94 paulistas que se tornaram “descamisados”. O juiz Luis Fernando Camargo de Barros Vidal, da 3ª Vara da Fazenda Pública, acatou ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público. “A norma excede os limites impostos pela Constituição, posto que não observa o regime dos subsídios nelas previsto, na medida em que acresce duas parcelas às ordinárias”, afirmou o magistrado em seu despacho. Para ele, a verba criada em 2002 naquele estado é “flagrantemente atentatória ao princípio da moralidade”.

Outros deputados que perderam a regalia foram os 49 de Pernambuco. A Justiça de lá também mandou extinguir o pagamento da verba, o que aconteceu em agosto do ano passado. Uma ação foi ajuizada pela seção pernambucana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que questionou o gasto também com os cinco parlamentares que foram convocados para comandar secretarias do governo estadual e optaram pela remuneração paga pelo Legislativo.

Os piauienses já estão na mira da Justiça. Em dezembro do ano passado o Ministério Público entrou com ação civil pública em que pede a devolução de todos os recursos dados aos parlamentares nos últimos cincos anos. O argumento é que o artigo 249 da resolução interna que trata do assunto afronta diretamente o artigo 39 da Constituição Federal. Embora a justificativa seja uma “ajuda de custo”, o auxílio tem caráter remuneratório, o que contraria a determinação da Constituição Federal segundo a qual aquele que ocupa mandato eletivo deve ser remunerado exclusivamente por subsídio, fixado em parcela única.

Em alguns estados, as regras variam. Em Pernambuco, o auxílio era pago apenas uma vez por ano. No Pará deputados ganham um salário extra a cada quatro anos, no início do mandato. No Maranhão, os ternos devem ser bem mais caros que nos resto do país. Lá, os 42 deputados recebem o equivalente a cinco salários adicionais, dois e meio em fevereiro e o restante em dezembro, parcelas que receberam o nome de “verba de entrada e saída”. O dinheiro pode ser usado para transporte e “outras despesas similares”. Detalhe: os suplentes também recebem o auxílio, independentemente do tempo de mandato exercido.

Saiba mais

Verba do paletó


Se há uma prática antiga no parlamento brasileiro é a chamada verba do paletó. Perde-se no tempo em que UDN e PSD se enfrentavam, nos idos de 40. Nasceu relacionada ao conceito de representação, como uma ajuda de custo. Naquela época, a "representação" associava-se ao bem vestir. Para bancar esse gasto, servia o auxílio, que era pago uma vez por ano e não chegava a 30% do salário. As décadas passaram, os gabinetes que tinham em 1982 pouco mais de um servidor incharam e outras novidades foram introduzidas na rotina legislativa, como a verba indenizatória e tantos outros penduricalhos. Parlamentares ganhavam mais em benefícios indiretos do que com o próprio salário. Assim, a verba do paletó se incorporou de tal forma aos rendimentos dos deputados que se transformou em 14º e 15º salários.