Jornal Estado de Minas

CNJ se prepara para intervir no julgamento de grandes crimes

Diego Abreu Edson Luiz

Brasília – Depois de apressar o julgamento dos responsáveis pela morte da deputada Ceci Cunha em Alagoas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) se prepara para intervir em outros casos. E não apenas envolvendo crimes de mort,e como o da próxima quarta-feira, quando um representante da entidade vai acompanhar no Ceará o julgamento de duas pessoas acusadas de integrar um grupo de extermínio. O conselho vai intensificar a ação voltada a fatos insolúveis de desvio de dinheiro público. Um exemplo é o rombo na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), ocorrido há mais de 10 anos e que deu prejuízos de mais de R$ 2 bilhões aos cofres públicos.

Esses casos fazem parte da pauta do Programa Justiça Plena, que reúne 71 ocorrências a serem tratadas com prioridade pelos tribunais. Neste ano, o CNJ pretende adiantar o julgamento dos processos que estão sem resolução há anos, como fez em 2011 em relação ao caso da deputada Ceci Cunha. "São indicações de várias instituições e relacionadas a todas instâncias da Justiça, com exceção dos tribunais superiores", explica o auxiliar da corregedoria do CNJ, Erivaldo Ribeiro dos Santos. Em relação à parlamentar assassinada em 1998, o conselho interferiu na tramitação da ação, que estava travada por causa dos inúmeros recursos impetrados pelos defensores dos acusados.

O assassinato dos auditores fiscais em 2004, em Unaí, Noroeste de Minas, também está no foco do conselho . Os fiscais Nelson José da Silva, Eratósteles de Almeida e João Batista Lage, e o motorista Airton Pereira de Oliveira foram executados em 28 de janeiro daquele ano, quando realizavam uma vistoria em fazendas da região. No último dia 7, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu o último passo para que o julgamento dos acusados ocorra. A Corte negou o recurso de um dos supostos matadores. Segundo entendeu o ministro Ricardo Lewandowski, relator do processo, a ação impetrada tinha caráter meramente protelatório. "Aqui se trata de uma questão muito conhecida, uma chacina de fiscais do trabalho, e pretende-se postergar, de forma indeterminada, o julgamento", disse o ministro, durante a análise da questão.

A partir disso, o CNJ vai começar a fazer gestões para que o júri em Unaí ocorra ainda este ano. O pedido para que o conselho acompanhasse o caso foi feito pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que se mostrou preocupada com a morosidade na tramitação do processo. "Trata-se de um crime que afrontou o Estado, intimidando aqueles que, no exercício de suas funções, fazem cumprir as leis. Por isso, mostra-se imprescindível uma resposta firme do poder público, a fim de não repassar à sociedade, em mais uma oportunidade, a sensação de impunidade", justificou o presidente da OAB, Ophir Cavalcante.

Desvio

 

Os casos acompanhados pelo Programa Justiça Plena foram selecionados depois de análise de 330 pedidos de interferência feitos por diversas instituições. Um deles refere-se aos desvios da Sudam, cujo processo está sem solução desde 2001. Hoje existem as ações na Justiça contra supostos fraudadores de financiamentos – entre eles o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) –, mas ainda não foram julgados. Segundo o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que fez a solicitação para que o CNJ interviesse, a denúncia foi recebida em fevereiro de 2002, mas nada foi feito até agora. O último andamento do processo ocorreu em dezembro de 2010, quando foram expedidas várias cartas precatórias para as testemunhas do caso.

Segundo o CNMP, o que ficou conhecido como o escândalo da Sudam foi uma sucessão de fraudes na aprovação, na implementação e na fiscalização dos projetos com recursos da autarquia entre 1998 e 1999. "Os autos revelam sofisticado esquema criminoso, com danos consideráveis causados à coletividade. O processo contém quantidade considerável de réus, apensos e volumes, o que dificulta expressivamente a prestação jurisdicional pretendida", justificou o CNMP. "O processo já se arrasta por quase uma década, estando ainda em primeira instância, sem perspectiva de decisão final", acrescentou o conselho no ofício enviado ao CNJ.

Extermínio

Na quarta-feira, será realizado em Fortaleza o júri do motorista Silvio Pereira do Vale da Silva e do cabo da Polícia Militar Pedro Cláudio Duarte, acusados de integrar um grupo de extermínio no Ceará. Eles são suspeitos de matar com vários tiros Lenimberg Rocha Clarindo em julho de 2006. Na época, a vítima foi assassinada por engano ao ser confundida com um assaltante que horas antes havia matado um policial. A investigação do caso chegou à Polícia Federal, já que envolvia agentes de segurança do Estado. Para apressar o julgamento dos acusados, o CNJ, por meio do Programa Justiça Plena, ofereceu apoio à Justiça cearense.


Memória
Mais de 450 anos


Cinco pessoas foram condenadas a penas que chegaram a mais de 450 anos pela morte da deputada Ceci Cunha. Um deles foi o ex-deputado Talvane de Albuquerque, que pegou 103 anos de prisão em regime fechado. Ele foi, segundo entendimento do júri, o mandante da morte da parlamentar porque era suplente dela e queria assumir a função para imunidade. Mendonça Medeiros, que deu fuga aos criminosos, levou o menor tempo de prisão: 75 anos. Foi um dos raros casos em que um homicídio foi julgado pela Justiça Federal.

Pressão até da OEA

Entre os casos mais emblemáticos monitorados pelo Justiça Plena está o do assassinato do sindicalista José Dutra da Costa, conhecido como Dezinho, em 21 de novembro de 2000, no município de Rondon do Pará (PA), decorrente de conflitos agrários na região. O crime é acompanhado também pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Dezinho teria sido morto por encomenda de fazendeiros do Pará. Há quatro anos, a comissão da OEA passou a cobrar medidas efetivas do governo brasileiro, sob o argumento de que as autoridades do Brasil não se esforçaram para evitar o crime e punir os culpados pelo assassinato.

No acordo firmado pelo CNJ junto ao Poder Executivo e ao Ministério Público, ficou estabelecida a implementação de "medidas concretas para garantir a reparação dos danos materiais e morais sofridos pelos familiares da vítima, em atenção às suas demandas, bem como prevenir novas violações". Em um ofício endereçado, no ano passado, à corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, menciona a importância da efetivação das medidas concretas previstas no acordo e ressalta que é fundamental o encerramento do trâmite do caso perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Entre os pontos firmados está o compromisso do Estado brasileiro em "acompanhar e dar prioridade ao andamento da ação penal proposta em face dos acusados pelo homicídio". No documento, há também a previsão da atuação de uma equipe responsável por dar cumprimento aos mandados de prisão expedidos contra os acusados.

O governo concordou em pagar uma indenização por danos morais e materiais de R$ 50 mil aos familiares de Dezinho, que presidia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará quando foi assassinado. A viúva, Maria Joel Dias da Costa, também chegou a ser ameaçada, assim como outros dirigentes do sindicato, passou a receber, a partir do acordo, uma pensão mensal vitalícia de  R$ 765.

Dezinho foi morto com três tiros pelo matador de aluguel Wellington de Jesus Silva, condenado a 29 anos de prisão. No entanto, sete anos depois de cometer o crime, Wellington de Jesus foi beneficiado por uma medida que lhe permitiu passar o fim do ano de 2007 fora da cadeia. Ele usou o benefício para escapar da prisão. Apontados como intermediários do crime, Ygoismar Mariano e Rogério Dias tiveram suas prisões preventivas decretadas, mas não foram capturados. O acusado de ser mandante do crime, José Décio Barroso Nunes, responde ao processo em liberdade.