Jornal Estado de Minas

Justiça engaveta denúncias de tortura cometida durante a ditadura

Processo que responsabilizava quatro agentes do Estado por abusos cometidos durante a ditadura foi extinto. Uma das vítimas é a presidente Dilma. MP vai recorrer da decisão

Alana Rizzo

Brasília – Decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região extinguiu o processo que cobrava a responsabilização civil de supostos torturadores da Operação Bandeirantes (Oban) durante o regime militar. O tenente-coronel reformado do Exército Maurício Lopes Lima, acusado de torturar a presidente Dilma Rousseff, figurava entre os réus da ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF). Em seu voto, o juiz federal Santoro Facchini reconheceu a prescrição dos possíveis crimes e encerrou o processo. O magistrado foi seguido pelos demais juízes da Sexta Turma. A Procuradoria Regional da República em São Paulo vai recorrer da decisão.

Para Facchini, a imprescritibilidade dos crimes deve ser analisada sob o enfoque da legislação brasileira, e não por tratados internacionais: “Decisões estrangeiras não podem ser aplicadas no Brasil, por afronta ao princípio da legalidade”. A questão colocada no processo, segundo ele, é se a incorporação do tratado no ordenamento nacional também abrangia crimes praticados antes da sua vigência e da promulgação da atual Constituição Federal, de 1988. “No que tange a aplicação da legislação ordinária, mesmo que se considerasse o prazo máximo de 20 anos de prescrição previsto no artigo 177 do então vigente Código Civil de 1916, e que tal prazo somente fosse contado a partir da promulgação da nova Constituição Federal, ter-se-ia sua fluência em outubro de 2008”, defende.

O MPF considera a tortura crime contra a humanidade, imprescritível, tanto no campo cível como no penal. Destaca ainda na ação diversos tratados internacionais e que a validade da Lei da Anistia, reafirmada no ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não inviabiliza medidas de responsabilização civil.

A ação contra Lopes Lima e mais três militares — Innocencio Beltrão, João Thomaz e Homero Machado — é baseada em depoimentos colhidos por tribunais militares, informações mantidas em arquivos públicos e testemunhos de algumas vítimas. A Procuradoria da República atribui a Maurício torturas praticadas contra 16 militantes políticos. Na ação inicial, é transcrito o relato de Dilma ao projeto Brasil nunca Mais, da Arquidiocese de São Paulo.

O tenente-coronel afirma que ainda não foi notificado da decisão. Em sua defesa, Lima disse que não integrava o destacamento da Operação Bandeirante à época dos fatos relatados.

Repressão

A Oban foi implementada em São Paulo com a finalidade de reunir em um único destacamento o trabalho de repressão política até então disperso por órgãos militares e policiais, estaduais ou federais durante a ditadura. Funcionou como um projeto piloto à margem das estruturas oficiais, contando com financiamento de empresários. Diante do sucesso da Oban na repressão, o modelo foi difundido pelo interior do país.

Três perguntas para...

Maurício Lopes Lima
Tenente-coronel reformado do exército


A Justiça Federal encerrou o processo no qual o senhor é acusado de tortura durante a Operação Oban. Uma das vítimas seria a presidente Dilma. Como o senhor recebeu a notícia?

Ainda não fui informado. Esperava ir ao julgamento, porque as acusações são todas baseadas em mentiras produzidas pelo Brasil nunca Mais. Tem uma questão temporal também: eu não estava lá na época das acusações. Com relação a Dilma, respeito muito a presidente, inclusive dou parabéns ao governo que ela tem feito. Ela foi muito decente, porque me isentou em uma entrevista e disse a verdade, que eu nunca a torturei.


Na sexta-feira, a presidente institui a Comissão da Verdade. Qual a sua posição sobre o grupo?

Eu queria que trouxesse à tona a verdade. Quem torturou ou não torturou não é mais um problema. Os torturadores já estão mortos. Agora, é restabelecer a história e o que os comunistas fizeram também. A história depende do momento analisado, e estamos vindo de três governos a favor do comunismo. Como é que você vai julgar? Será a direita contra os vencedores da esquerda. Acho que é mais uma ação revanchista. Não tem no Brasil ninguém preparado para atuar nessa comissão. Tinha que ser historiador, mas são todos tendenciosos.

Se convidado, o senhor contribuiria com a comissão?

Acho difícil. Tem que ver como vai funcionar. Se os trabalhos forem em cima do Brasil nunca Mais e do Direito à Memória e à Verdade, será mais uma comissão de mentira. Descobriram uma nova veia para alimentar o revanchismo.


Enquanto isso...
…Governo concede visto


Trinta e um anos depois de ser expulso do país, o padre Vito Miracapillo conseguiu o direito de permanência no Brasil. A decisão da Secretaria Nacional de Justiça de conceder o visto foi publicada ontem no Diário Oficial da União e comemorada pelo sacerdote, que está na Itália. Vito foi expulso em 1980, por ter se negado a celebrar uma missa comemorativa da Semana da Pátria durante o regime militar. Agora, ele já prepara o retorno definitivo para o município de Ribeirão, na Zona da Mata pernambucana. “Vito era o último exilado estrangeiro no exterior. Esse foi um ato de reparação, porque ele foi vítima de um ato arbitrário e de violência do regime militar”, afirma o advogado do religioso, Pedro Eurico. Vito já entrou em contato com o bispo da Diocese de Andria, na Itália, à qual é vinculado.