Jornal Estado de Minas

Para a ONU, avanço na apuração de crimes cometidos na ditadura ainda é pequeno

Planalto sanciona Comissão da Verdade e Lei de Acesso à Informação, mas Organização das Nações Unidas cobra o julgamento de torturadores e até a revogação da Lei da Anistia

Alana Rizzo

Brasília – No mesmo dia em que a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei que cria a Comissão da Verdade, a comunidade internacional pressionou o Brasil por avanços mais claros na apuração dos crimes cometidos durante o regime militar. A alta comissária dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Navi Pillay, pediu ontem “medidas adicionais para facilitar o julgamento dos supostos responsáveis por violações dos direitos humanos” durante a ditadura (1964-1985). Ela defendeu a revogação da Lei de Anistia de 1979 ou mesmo que o país declare a legislação inaplicável por impedir a investigação e desrespeitar a legislação internacional de direitos humanos. O assunto também foi tema de reportagem da revista britânica The Economist, que analisou o “atraso” brasileiro em solucionar os crimes cometidos pelos militares. Segundo especialistas ouvidos na matéria, o país, em comparação com os países vizinhos, tem sido lento em revisar esses crimes.

Pela nova lei, a comissão não terá poderes de punição e nem responsabilização. A Comissão da Verdade será responsável por resgatar a memória e a história dos fatos ocorridos entre 1946 e 1988. O texto, negociado ainda na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sustenta a natureza não persecutória da comissão e o respeito às leis atuais, inclusive a de anistia. “Hoje o Brasil se encontra enfim consigo mesmo, sem revanchismo, mas sem a cumplicidade do silêncio,” disse a presidente, durante a cerimônia em que sancionou a criação da comissão e a Lei de Acesso à Informação , que estabelece o fim do sigilo eterno dos documentos.

“Essas duas leis tratam de assuntos distintos, mas estão diretamente ligadas uma à outra. São leis que representam um grande avanço institucional e um passo decisivo na consolidação da democracia brasileira”, destacou a presidente. “O que era lei de sigilo se torna Lei de Acesso à Informação. E nenhum ato ou documento que atente contra os direitos humanos poderá ser colocado sob sigilo. Essa é uma conexão decisiva com a lei que cria a Comissão da Verdade. Uma não existe sem a outra”, frisou Dilma.

Tensão Na presença dos comandantes das três Forças, a presidente evitou usar no discurso a trajetória pessoal como guerrilheira. Mesmo assim, em vários momentos, não foi aplaudida por eles. Dilma não deixou de homenagear companheiros da luta armada. A aprovação da Comissão da Verdade era um dos compromissos de Dilma, antes mesmo de assumir o cargo. Já como presidente, ela pediu aos ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo; dos Direitos Humanos, Maria do Rosário; e da Defesa à época, Nelson Jobim; que viabilizassem, de qualquer maneira, o projeto. Duas das ex-companheiras de cadeia de Dilma estavam no Palácio do Planalto ontem: Rita Sipahi e Maria Aparecida Costa. Dilma abraçou cada uma e elas conversaram rapidamente.

“É um momento histórico. A criação dessa comissão é um marco para a história do país. Só podia ser ela”, disse Maria Aparecida. Rita contou que Dilma, ao cumprimentá-la, lembrou de seu apelido na prisão. Mas ela não o revelou. “Não é o nome de guerra da gente no combate à ditadura. Eram apelidos pelos quais nos tratavam na cela”, disse Rita. A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, conduziu a presidente no encontro com os familiares. Muito emocionada, Rosário chorou.

Aprovado no Congresso, o texto sofreu maior resistência dentro do próprio governo. E ainda ontem, o tema provocou polêmica. Antes do início da cerimônia, houve um “desentendimento” entre ministros e militares. Os representantes da caserna não queriam que familiares de mortos ou desaparecidos políticos discursassem no ato. O cerimonial acabou optando pela fala de Cardozo e do presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, Marco Antônio Barbosa.

O que diz a lei

Sem o poder de punir

A Comissão da Verdade será formada por sete pessoas, escolhidas pela presidente da República a partir de critérios como conduta ética e atuação em defesa dos direitos humanos. O grupo vai investigar violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988, com foco no regime militar. O grupo vai ter dois anos para ouvir depoimentos em todo o país, requisitar e analisar documentos que ajudem a esclarecer os fatos. O colegiado não poderá, no entanto, pedir o julgamento ou indiciamento de torturadores.

A Lei de Acesso a Informação

Públicas permitirá que o cidadão consulte documentos produzidos pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de forma a dar mais publicidade e transparência aos atos da administração pública. Em seis meses, todos os órgãos terão de publicar na internet informações sobre sua atuação, como contratos, licitações, gastos com obras, repasses ou transferências de recursos. As entidades que recebem recursos públicos também terão que dar transparência aos dados.